O mandato de Janot termina em setembro. Caberá a Temer, se resistir, nomear o seu sucessor (Marcelo Camargo/ABr e Marcos Corrêa/PR)
Se Temer sobreviver, poderá escolher o seu investigador. “É outro motivo para tirá-lo do cargo”, diz ex-procurador Claudio Fonteles
por André Barrocal — Carta Capital
Um dos homens fortes de Janot e da Lava Jato, o secretário de Cooperação Internacional da PGR, Vladimir Aras, explicitou o interesse na queda de Temer. Logo após vir a público a notícia da delação contra o presidente, ele comentou no Twitter: “Diante de uma denúncia tão grave, a solução adequada em qualquer lugar do mundo seria a renúncia”.
Se Temer sobreviver, porém, Janot e seu grupo correm o risco de entrar para a história como “coveiros” da lista tríplice, aquela relação de três nomes eleitos em votação dos procuradores que serve de base para a nomeação do “xerife” desde 2003.
O peemedebista comentou em abril que a lista “tem sido respeitada nos últimos anos, mas não há nenhuma previsão constitucional que me obrigue a segui-la”. Furioso com a Procuradoria por estar à beira da degola, é bem provável que ignorasse a lista e tirasse alguém da cartola. Alguém dócil e de sua confiança.
O mandato de Janot termina em setembro. A campanha para sucedê-lo começou em maio, com a inscrição de candidatos à lista tríplice. Aguarda-se um número inédito de concorrentes, sinal de divisão interna e falta de hegemonia de Janot e seu grupo. Um interessado inesperado surgiu há pouco, o subprocurador-geral Eitel de Britto Pereira, filiado ao DEM e ex-secretário em um governo do PSDB na Paraíba. Um perfil com pinta de candidato das forças políticas pró-Temer.
A permanência de Temer na Presidência na condição de investigado criará uma situação inusitada, caso o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeite o pedido do peemedebista de suspender o inquérito comandado por Janot. Caberia a Temer, o investigado por obstrução da Justiça, corrupção passiva e organização criminosa, escolher seu investigador.
Essa situação, diz Claudio Fonteles, ex-procurador-geral, é suficiente para depor o presidente já. “O Temer não tem legitimidade alguma para nomear o procurador-geral”, afirma. “Ele está sendo investigado, como é que uma pessoa nessa condição vai escolher o chefe da instituição? Não tem condições morais. É mais um motivo para tirá-lo do cargo.”
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Fonteles: ‘Temer foi informado de vários fatos criminosos e não fez nada’ (Iano Andrade/D.A Press)
Para Fonteles, Temer merece ser cassado, caso não renuncie. “Ele foi informado de vários fatos criminosos e não fez nada. É gravíssimo”. E lembra que a mera nomeação do ex-presidente Lula, responsável por fazer dele “xerife” em 2003, para ministro de Dilma Rousseff custou aos petistas uma investigação em curso no STF, por obstrução à Justiça.
Subprocurador-geral, último ministro da Justiça de Dilma, Eugênio Aragão pensa diferente. Para ele, a gravação feita pelo delator Joesley Batista, da empresa JBS, de uma conversa tida com Temer não prova os crimes potenciais apontados no inquérito de Janot.
O mais grave na delação, diz Aragão, não é de natureza criminal, mas política. “Joesley confessou-se o tesoureiro de golpe. O impeachment foi comprado pelo Eduardo Cunha com dinheiro da JBS.”
Temer acredita ser vítima de uma conspiração, conforme se viu em um pronunciamento feito neste sábado 20. “Houve um grande planejamento para montar esse grampo”, afirmou, em referência à conversa tida em março com Batista e gravada de forma clandestina pelo empresário.
O presidente pediu ao STF a suspensão do inquérito, pois suspeita de que tenha havido manipulação da gravação. Uma perícia encomendada pelo jornal Folha de S. Paulo indica que teria havido ao menos 50 pontos de edição na gravação. Temer quer a suspensão até que seja feita uma perícia aceita pela Justiça.
Janot rebatou Temer logo em seguida. Em um ofício no sábado 20 ao juiz do Supremo Edson Fachin, o mesmo que autorizou a investigação contra o presidente, o “xerife” diz não se opor à perícia. Mas que isso não precisa ser feito mediante a interrupção da investigação. O inquérito, diz Janot, serve exatamente para isso: apuração de fatos e produção de evidências, perícia entre elas.
A julgar pelo ingrediente corporativista na guerra de Janot contra o presidente, e considerando-se a visão do “xerife” sobre as motivações da forças políticas que derrubaram Dilma e puseram Temer no poder, é possível que o peemedebista tenha de fato caído numa arapuca. Certos fatos alimentam a desconfiança.
Um ex-integrante da equipe de Janot em Brasília, Marcelo Miller, desligou-se da Procuradoria neste ano para trabalhar como advogado. Pertencia ao grupo de trabalho da Lava Jato criado pelo “xerife”. Sua saída virou notícia no dia 6 de março, véspera da conversa tida por Temer com Joesley Batista no Palácio do Jaburu.
Miller, segundo O Estado de S. Paulo do sábado 20, trabalha no escritório Trench, Rossi & Watanabe Advogados, do Rio de Janeiro. Que vem a ser a banca contratada pela JBS para negociar um acordo de leniência com o Ministério Público. O acordo de Joesley Batista é na condição de pessoa física e vale para crimes comuns. O de sua empresa é outro, para a área cível.
Dúvida: teria sido Miller uma espécie de elo de Janot com Joesley? Até agora não se sabe ao certo se as gravações clandestinas feitas pelo empresário foram uma iniciativa individual, antes de negociar com o “xerife”. Ou se a Procuradoria sugeriu ao empresário que “pegasse” Temer como condição para uma delação.
Conforme a papelada constante do inquérito aberto contra o presidente, as negociações entre o herdeiro da JBS e a Procuradoria começaram oficialmente apenas em 7 de abril. O acordo de Bastista com a Procuradoria também chama a atenção. É camarada como nenhuma outra delação na Lava Jato. O empresário recebeu imunidade total. Não será denunciado à Justiça por nada e, naqueles processos já existentes, será perdoado.
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Joesley Batista recebeu imunidade total da Procuradoria (Vanessa Carvalho/AFP)