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sexta-feira, 26 julho, 2024

O Brasil precisa olhar para a conservação ambiental no Cerrado

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Tão importante quanto os esforços empreendidos para combater o desmatamento na Amazônia, uma ação efetiva para a conservação e a recuperação do Cerrado é fundamental e urgente 

Le Monde Diplomatique

A notícia do recorde de desmatamento no Cerrado no primeiro quadrimestre deste ano pode parecer apenas mais um capítulo da emergência ambiental que vivemos, aqui e no restante do planeta. A dimensão da destruição, no entanto, é alarmante: 2.206 km², o equivalente a aproximadamente duas vezes o tamanho de Belém (PA). 

Cerrado é responsável pela água de quase 70% das bacias hidrográficas do Brasil. Estamos falando da savana mais rica do planeta, que ocupa 23% do país, abriga 5% da biodiversidade de todo o mundo e possui mais espécies de plantas com flores do que a própria Amazônia. 

Nesse sentido, tão importante quanto os esforços empreendidos para combater o desmatamento na Amazônia, uma ação efetiva para a conservação e a recuperação do Cerrado é fundamental e urgente. Esses dois biomas estão no centro dos esforços necessários para o cumprimento das metas globais de conservação e restauração de ecossistemas, acordadas por quase 200 países na Conferência da Biodiversidade da ONU (COP-15), em dezembro de 2022. 

Plangea Web, plataforma gratuita desenvolvida pelo Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS), pode auxiliar empresas, governos e o terceiro setor na tomada de decisões sobre ações de conservação e restauração. Aplicando, de forma inédita, programação linear inteira ao uso integrado da terra, a plataforma identifica os locais mais importantes para o alcance das metas, considerando redução do risco de extinção das espécies, integridade de ecossistemas, vulnerabilidade de ecorregiões, potencial de sequestro de carbono e custos de oportunidade e de implementação da restauração. 

A plataforma permite visualizar, por exemplo, que o Cerrado e a Amazônia abrigam 11,3% das áreas prioritárias para conservação no mundo, vislumbrando as metas globais da COP 15 para restaurar (Meta 2) e conservar (Meta 3) 30% dos ecossistemas até 2030. 

Com base nessas metas, as ações de conservação realizadas em áreas prioritárias podem reduzir em 65% as ameaças à biodiversidade, o que representa um ganho de 31% comparado a iniciativas desenvolvidas fora das áreas prioritárias. O potencial de dióxido de carbono armazenado chega a 1.600  gigatoneladas, mais que o dobro da quantidade de carbono que seria armazenada em áreas não prioritárias. 

Considerando o avanço da fronteira agrícola como uma das maiores ameaças aos ecossistemas, é necessário atingir um equilíbrio entre produção agrícola e conservação, identificando as áreas com maior aptidão para cada atividade. Nesse sentido, a plataforma do IIS também analisa critérios de minimização de custos, como o custo de oportunidade da terra, que pode variar de US$ 3.201 a US$ 291 por hectare a ser conservado. Isso representa uma economia de até 92% na renda que os proprietários rurais deixariam de abrir mão para garantir a conservação da natureza ao não usar a terra para a produção agropecuária. 

Colheita de milho no cerrado (Thomas Bauer/CPT BA)Colheita de milho no cerrado (Thomas Bauer/CPT BA)

No caso do Cerrado, é possível visualizar que, dentre os 341 municípios que compõem o bioma com alertas de desmatamento desde 2018, 273 estão em áreas globalmente prioritárias para conservação. Os municípios com as maiores taxas de desmatamento neste ano – São Desidério (BA), Alto Parnaíba (MA), Rio Sono (TO), Niquelândia (GO) e Balsas (MA) – aparecem no mapa de áreas prioritárias, indicando uma grande perda não apenas em vegetação natural, mas também em biodiversidade. Já na Amazônia, os alertas de desmatamentos em 288 municípios – do total de 324 – foram em áreas de particular interesse para biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas. 

As ameaças à biodiversidade e as alterações climáticas são apenas alguns dos impactos resultantes desse desafio. Afinal, o desmatamento do Cerrado e da Amazônia também extingue as culturas dos povos e comunidades tradicionais da região e a economia local. Portanto, combater o desmatamento e a degradação florestal é um passo estratégico na tomada de decisão de governos no caminho de um desenvolvimento sustentável. 

Contudo, temos que ir além do controle do desmatamento. Muitas áreas agrícolas podem ser melhor utilizadas com técnicas e manejo mais eficientes. Dessa forma, áreas poupadas – principalmente aquelas hoje ocupadas com pastagens degradadas – poderiam ser restauradas, gerando valiosos benefícios para a conservação da biodiversidade e a mitigação das mudanças climáticas. 

O planejamento estratégico do uso da terra deve ser trabalhado em diferentes escalas, pensando em integrar metas de acordos globais com estratégias subnacionais e aprimorando a aplicabilidade e os resultados das intervenções. Afinal, o território é um espaço coletivo que deve gerar benefícios e favorecer a todos, incluindo as pessoas e o restante da natureza. 

Bruna Pavani é pesquisadora, Paulo Branco é diretor adjunto e Rafael Loyola é diretor executivo do Instituto Internacional para Sustentabilidade (IIS). 

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