Venezuela – Diário Liberdade– [Alejandro Acosta]
O chavismo, as pressões do imperialismo e a burocratização no contexto da brutal queda dos preços do petróleo.
Uma das principais características da guerra econômica é o estocamento de produtos básicos pelas grandes empresas. Foto: AVN
A propaganda do governo chavista tem colocado no centro da crise a “guerra econômica”, inclusive com a queda dos preços do petróleo como um componente específico contra a Venezuela e a Rússia. Esta última questão envolve vários outros elementos, a começar pelo aprofundamento da crise capitalista mundial, a produção de petróleo e gás nos Estados Unidos a partir do xisto e o aumento das contradições com a Arábia Saudita.
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A guerra econômica sempre foi enfrentada pelos governos chavistas, mas, no último período, ficou muito mais difícil de ser enfrentada por causa da brutal queda da renda petrolífera que representa 96% das divisas e 45% do PIB. É preciso considerar também a burocratização da cúpula e das camadas médias do chavismo que se distanciaram das bases, de maneira crescente e até reconhecida publicamente pelo presidente Nicolás Maduro. É preciso considerar as 50 grandes empresas nacionalizadas, prévias indenizações, e que não saíram do chão devido, principalmente, ao burocratismo. Os privilégios da cúpula do setor público que passou a receber 70% das divisas, enquanto no período anterior representavam apenas 30% do total. Boa parte do contrabando dos combustíveis e alimentos, da Venezuela para a Colômbia, era controlada pela oficialidade das forças armadas, até o governo ter declarado o estado de exceção em vários municípios da fronteira e ter expulso do país colombianos que moravam na Venezuela havia anos.
O descontentamento da população com o governo chavista foi às alturas por causa do desabastecimento, mas também pela burocratização do chavismo. O poder de contenção das Misiones, os programas sociais, que hoje consomem 42% do orçamento público, e dos subsídios que consomem mais de 15%, não têm sido suficientes para conter o crescente descontentamento social. No próximo período, veremos até que ponto o chamado de Nicolás Maduro poderá levar o chavismo a renascer. O problema central será como manter a economia funcionando em cima das políticas atuais.
A situação política atual da Venezuela lembra, em certa medida, a situação existente na década de 1980 na Europa Oriental, nos ditos países “socialistas”, quando as políticas sociais ficaram enforcadas pela pressão da crise capitalista que tinha se aberto em 1974. Da mesma maneira, o endividamento aos monopólios ocidentais era brutal; no caso da Venezuela, seria necessário incluir o endividamento com a China. A ineficiência da economia também era gigantesca.
O governo chavista no círculo vicioso do mercado negro
O ingresso atual de divisas da Venezuela é de aproximadamente US$ 30 bilhões anuais.
A dívida da indústria do setor alimentício está calculada em US$ 1,5 bilhões, por grandes empresas como a Canvidia. Para a indústria como um todo, a Conindustria a calcula em US$ 12 bilhões.
O governo mantém o congelamento dos preços básicos apesar da inflação galopante. O arroz e o leite em pó estão congelados há mais de um ano. As pastas, há oito meses. A farinha de milho pré cozida, há nove meses. O café, há mais de um ano e meio. No caso do preço do milho para a fabricação da farinha de milho pré-cozida, aumentou de 2,2 Bs (Bolívares) há um ano para 15 Bs. O preço da farinha de milho pré-cozida somente aumentou no período em 53%, de 12,40 Bs para 19 Bs, o que, obviamente, dificultou o abastecimento. Nesse preço, é vendida 70% da produção de farinha de milho; os 30% são vendidos a 120 Bs, que, obviamente, não enfrentam desabastecimento. O mesmo acontece com o arroz; a metade, vendida a preços regulados (25 Bs) enfrenta desabastecimento, enquanto a outra metade é encontrada sem problemas a 200 Bs. O governo obriga que 70% das massas sejam vendidas no mercado regulado a 15 Bs, o restante a 300 Bs.
A legislação determina que as empresas produzam com um lucro máximo de 30%. Mas os preços regulados trazem perdas ou, pelos menos, deixam de trazer lucros. As políticas públicas têm levado o próprio governo chavista a se converter num fomentador do mercado negro.
A Tetrapak declarou que não conta com resinas plásticas para os pacotes dos sucos, leites, margarinas e outros produtos. Na Venezuela, se consomem um milhão de toneladas mensais de alimentos. Aproximadamente 40% desse montante são alimentos frescos, como verduras, frutas e carnes. O restante são alimentos industrializados.
Os capitalistas pressionam pela liberação dos preços. Para conter a inflação, a empresa líder da indústria nacional, a Polar, recomendou a um deputado da direita a busca de um empréstimo do FMI por US$ 50 bilhões, que obviamente virá com as condições do ajuste.
A golpista Fedecamaras, ligada à direita, busca a derrogação das leis trabalhistas. Alega dados como o absenteísmo que chegaria a 30% do número de trabalhadores. Mas a principal reivindicação é que as dívidas com os fornecedores estrangeiros sejam pagas para aumentar o fluxo das importações e manter as empresas funcionando. Outras das reivindicações são acabar com a regulamentação dos preços, incentivar a produção nacional por meio da importações de insumos ao invés de produtos finais, e apertar ainda mais as condições de trabalho.
Em resumo, os mecanismos implementados pelo chavismo têm se convertido em entraves para as empresas capitalistas continuarem produzindo. O mesmo pode ser dito para as empresas públicas, como a PDVSA (petróleo) e a Cantv (telecomunicações), pois todas elas funcionam no mercado capitalista.
A ilusão de regular o capitalismo
O capitalismo não consegue ser regulado devido à ação das leis do próprio capitalismo, principalmente em países que são dependentes do imperialismo.
A burocracia chavista tem entravado o abastecimento, além da guerra econômica, em grande medida devido à perda da renda petrolífera. Os dois principais produtores de alimentos, além de participarem da guerra econômica, enfrentam a recorrente falta de produtos devido à não importação dos mesmos. Isso aconteceu, por exemplo, com a aveia que a Alimentos Polar e a Inproceca importam do Chile. A salsa de tomate também é importada, assim como também acontece com o trigo e o atum. A dependência do mercado mundial dos alimentos, dos medicamentos e de quase todos os componentes do consumo dos venezuelanos é monumental. E o mercado mundial é controlado por um punhado de monopólios.
Devido às dificuldades burocráticas e ao controle do mercado mundial pelos monopólios, em muitos casos, os custos são tão altos que devem ser subsidiados. O frango brasileiro é vendido a pouco mais de 100 Bs a Preço Justo (preços subsidiados pelo governo) e a quatro a cinco vezes mais no mercado paralelo. A dependência do mercado internacional tem levado o mercado interno ao estrangulamento, fato muito difícil de ser enfrentado com os preços do petróleo decadente.
A grande maioria das matérias-primas que as empresas consomem dependem das importações. As peças para consertar a frota não conseguem ser importadas por falta de divisas. As locadoras de veículos estão funcionando com metade da frota, em média, parada por esse motivo.
No caso do setor alimentício, além das próprias matérias-primas alimentícias, há o problema das matérias-primas destinadas aos insumos, peças, logística, empacotamento etc.
Até dois anos atrás, o governo destinava 70% das divisas ao fornecimento do setor privado e 30% ao fornecimento do setor público. Agora, por causa da crise, a equação se inverteu, o que se transformou numa das causas do desabastecimento.
As empresas acabam ficando paralisadas ou atuando no mercado paralelo, onde o dólar é cotado em torno a 800 Bs, ou 12.000% a mais que no mercado oficial.
Com a queda da renda petrolífera e o direcionamento do gasto público, em boa medida aos programas sociais, a economia capitalista na Venezuela entrou num círculo sem saída. O governo não consegue mais importar, de maneira ampla, matérias-primas, insumos e peças. A importação de produtos acabados impacta no preço final em pelo menos cinco vezes, devido aos baixos custos da mão de obra local.
Socialismo ou boliburguesia?
Todos os governos chavistas têm sido ótimos pagadores da dívida externa. Os empréstimos chineses superam os US$ 50 bilhões, com as riquezas nacionais como garantia.
Grandes empresas estrangeiras atuam no país, principalmente chinesas e brasileiras, como a Odebrecht. A PDVSA (Petróleos de Venezuela) para compensar a falta de recursos para investimentos, tem feito acordo com os monopólios, principalmente japoneses, sul-coreanos e chineses para que eles invistam. O retorno é obtido quando a refinaria ou o campo de petróleo produzir, mas será de várias vezes a média nacional e mundial.
Parte dos capitalistas nacionais tem ganhado muito dinheiro com o chavismo, como as empreiteiras que realizam obras a partir dos programas sociais. Uma parte desse dinheiro tem sido desviado.
Os importadores têm feito a farra com o dólar oficial a 6 Bs e no paralelo a 800 Bs. A cúpula do chavismo, principalmente os militares, têm aumentado os ingressos por meio do acesso privilegiado às divisas e aos produtos subsidiados. A Ilha Margarita, por exemplo, é um dos locais paradisíacos do turismo, apesar de muito sucateado. O número de cruzeiros passou de 360 para 30. O número de voos foi reduzido de dezenas para dois. O número de pousadas caiu pela metade e grande parte da população local migrou. Entre os principais compradores das melhores propriedades estão generais e membros da cúpula do governo.
Dentro do chavismo, há a burocracia do PSUV, a dos governadores, da PDVSA e do próprio aparato do Estado. As denúncias de corrupção interna e ultra burocratização são enormes. E não se trata só de uma campanha da direita, mas é tema comum entre os militantes de base, principalmente dos movimentos sociais. Aqueles setores buscam o acordo com a direita, em primeiro lugar com Henrique Capriles.
O problema principal, o temor dos capitalistas, inclusive dos ligados ao governo, passa pela brutal crise que tem provocado a queda dos lucros. O dono da Polar, a maior empresa de alimentos, já falou numa conversa que vazou com um figurão da direita, que após a vitória da MUD esperava um pacote de ajuda do FMI por US$ 50 bilhões para desentravar a economia. A situação é muito precária, os lucros dos capitalistas caíram. Uma parte do chavismo é favorável às reformas, que implicam principalmente no plano de ajuste, no corte aos programas sociais. Ao mesmo tempo, há a radicalização das massas, que no interior do chavismo é muito mais radical que o que os ex-ministros de Hugo Chávez, que criaram a Marea Socialista em abril, expressam. Boa parte da população está armada, particularmente, os Coletivos.
Alejandro Acosta é cientista social, colaborador do Diário Liberdade e escreve para seu blog pessoal.