Opinião é de Matias Capeluto, membro do Gruupo de Puebla; ministra Diana Mondino deve chegar ao Brasil neste domingo
Leandro Melito
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
Milei após disrcurso em congresso ultraconservador em Washington (EUA), no sábado 24 de fevereiro – Mandel NGAN / AFP
A chanceler da Argentina, Diana Mondino, deve chegar ao Brasil neste domingo (14) em visita oficial ao país no momento em que a política externa do presidente Javier Milei está marcada pelo distanciamento dos interesses regionais na América Latina e a preferência pelo estreitamento de laços com países como Estados Unidos e Israel.
Além disso, a visita da ministra ocorre dois dias depois da viagem de Milei aos EUA para se reunir com o bilionário conservador Elon Musk, proprietáro da rede social X e da empresa Tesla. Após o encontro, o mandatário argentino disse que apoiaria Musk na disputa do empresário contra a sistema Judiciário brasileiro. Na última semana, Musk passou a integrar a investigação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a atuação de milícias digitais, depois de atacar o ministro Alexandre de Moraes.
O apoio de Milei ao bilionário foi anunciado pelo porta-voz da Presidência argentina, Manuel Adorni, embora ele não tenha especificado quais ações serão tomadas por Milei.
“Não soa da melhor maneira para a visita da chanceler ao Brasil”, opina Matias Capeluto, um dos coordenadores do Grupo de Puebla, fórum progressista da América Latina formado por representantes políticos e acadêmicos que pensam a integração regional.
“[Principalmente] depois do conflito que houve esta semana entre o governo do Brasil e a rede social X. A visão que temos sobre as relações internacionais do governo é que Milei ainda não entendeu que ele representa uma nação, um Estado e que, portanto, suas declarações e ações devem se adaptar a isso”, disse ao Brasil de Fato.
Para ele, Milei “é um presidente que não tem agenda de integração regional, mas uma agenda de submissão aos EUA e a Israel”. “Ele vem romper com os dois principas sócios comerciais [da Argentina] que são o Brasil, em primeiro lugar, e a China, em segundo, a quem Milei também cansou de ofender, tanto o país quanto sua sociedade”.
O pesquisador ainda aponta como exemplo de ausência de cooperação a “epidemia de dengue que estamos vivendo nessa região”. “Gostaríamos que existisse uma coordenação dos sistemas de saúde, que não há, que tívessemos maiores investimentos de ambos os países para aumentar e melhorar nossas passagens de fronteira, melhorar nosso comércio”.
Relações ruins enttre Brasil e Argentina
Em 2023, o comércio bilateral entre a Argentina e o Brasil totalizou US$ 28,7 bilhões. As exportações brasileiras registraram US$ 16,7 bilhões em 2023, enquanto as importações de origem argentina acumularam US$ 11,9 bilhões. A Argentina é o terceiro principal destino de exportações brasileiras e a quarta origem de importações.
“Nosso maior parceiro comercial requer maior atenção. Gostaríamos que Milei pedisse desculpas a Lula por tudo que ele disse e tivesse um relacionamento normal política e comercialmente. O trabalho de Mandino agora no Brasil vai ser de lidar com a solução desses problemas. Mas não vejo, pelo menos politicamente, que as coisas vão melhorar”, analisa Capeluto.
O direitor-executivo do Grupo de Puebla aponta que a política externa de Milei é marcada pelo rompimento das tradições diplomáticas e democráticas do país em relação a posições históricas, como a defesa da soberania das Malvinas, assim como a defesa e a proteção dos direitos humanos na América Latina.
Enquanto fez questão de visitar Israel em meio ao maior massacre promovido pelo governo de Benjamin Netanyahu contra a população palestina, o posicionamento de Milei em relação ao Brasil e a América Latina tem sido marcada pela ausência e pelos ataques, desde a campanha eleitoral.
No episódio mais recente, a Colômbia expulsou diplomatas argentinos após Milei se referir ao presidente do país, Gustavo Petro, como “assassino terrorista”. As relações entre os países foram retomadas no início do mês, após intervenção da chanceler Diana Mondino que se prontificou a fazer uma visita ao país, em data ainda não definida. O papel de Mondino na região tem sido principalmente de apaziguar as hostilidades regionais provocadas pelo presidente argentino.
“Ela cotidianamente se vê obrigada a explicar que a declaração do presidente Milei não é a declaração do Estado argentino, está constantemente ligando para ministros e países ofendidos, visitando países onde Milei se ausenta, rompendo com outra tradição histórica de nosso país que é a integração regional”, aponta Capeluto.
Abandono de blocos regionais
Na próxima terça-feira (16), os presidentes da América Latina e do Caribe discutirão o principal incidente diplomático na região, a invasão da embaixada mexicana em Quito pelo governo do Equador. A Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), bloco regional composto por 33 países pode decidir sanções ao Equador por violação do espaço diplomático e do asilo político concedido pelo México ao ex-vice-presidente Jorge Glas.
A Celac, assim como a Unasul e o Mercosul, são espaços dos quais o governo argentino, sob o comando de Milei, tem se ausentado. Além da crise no Equador, as eleições presidenciais venezuelanas, o conflito pelo Essequibo entre a Venezuela e a Guiana são temas regionais que não contam com o apoio da Argentina para resolução.
“Com os diferentes temas que hoje ocupam a nossa agenda, a Argentina não só está fora da discussão e não apoia a liderança de Lula, mas também, há uma decisão que não está expressa, porque o presidente nunca o disse assim, mas está implícita e muito clara: a Argentina não quer acompanhar nenhum processo de união e integração regional, nem mesmo buscar posições comuns em nosso continente para nos inserirmos na discussão global”.