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segunda-feira, 9 dezembro, 2024

Milei aprofunda um consenso para a dependência

Por Júlio Gambina

O consenso sobre a política de liberalização do governo de Javier Milei é muito preocupante, especialmente face à deterioração das condições de vida resultante da perda do poder de compra dos rendimentos populares, sejam eles salários, pensões ou planos sociais. Isto explica a queda do consumo e, portanto, da produção, confirmando as tendências económicas para a recessão e a depressão.

Claro que o consumo de luxo continua e há expectativas de crescimento da produção exportável, razão pela qual se procuram investidores internacionais para o sector primário de exportação, seja no complexo agrícola, mineiro, energético e até em determinados sectores industriais. Este conjunto de problemas com tendências contraditórias, crescimento e declínio, alimenta a mensagem optimista do governo quanto a uma perspectiva de melhoria macroeconómica, relativa aos investimentos e à evolução expansiva da actividade económica. Ao fazê-lo, contesta consensos e fá-lo com base no fracasso de políticas anteriormente assumidas que não geraram “soluções” de emprego e rendimento para a sociedade como um todo.

Este crescimento macroeconómico induz uma melhoria na qualidade de vida da população, especialmente dos mais empobrecidos? Obviamente não. A economia poderá crescer, se esses investimentos externos chegarem em setores estratégicos e por isso há tanta pressão de Milei e seu gabinete para que haja o RIGI (Regime de Incentivos aos Grandes Investimentos) e a Lei de Bases. São instrumentos jurídicos essenciais para garantir a estes investidores internacionais melhores condições para as suas apostas económicas, garantindo rentabilidade e possibilidade de remessa de lucros para o exterior, juntamente com segurança jurídica durante 30 anos. Um estatuto de dependência completo. É lucro puro para os investidores de capital e sem possibilidade de repercutir no grupo social que, descrente dos resultados das promessas passadas, espera na fantasia liberal.

Com essa mensagem, Milei viaja repetidamente para o exterior, principalmente para os Estados Unidos. Seu objetivo é convencer os investidores internacionais a basearem seus investimentos na Argentina. Esta semana ele insistirá diante de grandes empresários norte-americanos. A fantasia é oferecida localmente para obter consenso, mas também no exterior ao capital que procura rentabilidade face à tendência de desaceleração da economia mundial após a crise global de 2007/09. É uma fantasia que sob os governos constitucionais alimentou o consenso nos anos 90. , com Menem e De la Rúa, e depois com Macri. A liberalização foi e é a proposta. Agora aparece dotado de uma expressão sem tradição de organização política anterior, embora baseada em apoios essenciais no segundo turno e agora com uma oposição parlamentar “diáloga” (macristas, direita radical, entre outros).

Podemos assegurar que esta nova ronda de liberalização não trará alívio à maioria empobrecida que exige soluções imediatas e confia ingenuamente na nova direcção que Milei oferece, mas a nossa certeza não é suficiente face à subjectividade esperançosa de milhões.

Deveríamos esperar o fracasso da política libertária ao longo do tempo? Não, o que é preciso é gerar, com a crítica ao capitalismo realmente existente, uma nova proposta baseada em soluções colectivas conscientemente assumidas por uma maioria social. Na realidade, é uma tarefa de séculos, que alimenta o caminho da “utopia” no alvorecer da acumulação original do capitalismo, que envolve gerações de criadores e pensadores de um novo tempo de “revolução” contra o regime do capital.

O governo e a expectativa no libertário Milei não podem ser explicados sem associá-lo à ofensiva capitalista “neoliberal”, há meio século, desde o terrorismo de Estado das ditaduras no sul da América. É claro que houve um histórico de resistências e tentativas na direção oposta, na região e no mundo, mas o que prevaleceu foi a ofensiva capitalista. A luta de classes é implacável e tem vencedores e perdedores, o que não é imutável. A história é construída e coloca desafios civilizacionais, na teoria e na prática, por isso o presente exige a recriação da crítica ao capitalismo e a partir daí propor novos cursos de acção e prática para os grupos sociais para restabelecer a perspectiva do socialismo no centro da crítica de Milei. seus escritos e discursos.

Não se trata de uma fantasia, mas de construção de imaginários culturais em defesa e promoção da soberania – alimentar, energética, financeira – numa dinâmica de integração não subordinada com outros povos da região e do mundo. Essa é a luta pelo socialismo hoje. Pensar e agir com base nesta proposta é menos utópico do que recriar receitas de um capitalismo “reformista” que funcionou, tema de debate, aliás, em tempos de bipolaridade global entre 1945 e 1991.

O que estou dizendo é que não se pode repetir receitas para reiterar outros momentos memoráveis ​​da história local, regional ou mundial; mas sim experimentar novos rumos de crítica ao que existe e nos é proposto, ao mesmo tempo em que transitamos por novos imaginários e práticas programáticas da sociedade socialista a ser construída. É algo que está em experiências variadas de organização comunitária, autogerida, cooperativa, social, sem fins lucrativos, desmercantilizada e nos propósitos de resolver a reprodução da vida para além da lógica do lucro e da acumulação capitalista. São realidades existentes que animam os programas dos movimentos sociais, sindicais, feministas, ambientalistas e diversas organizações populares que lideram a resistência à liberalização extrema e constroem novos imaginários de uma perspectiva alternativa que requer sistematização num novo projecto político popular.

Aqui há uma discussão sobre o que e como fazer para construir consensos alternativos à proposta libertária. Sem um consenso social anti-capitalista maioritário, é impossível modificar a correlação de forças construída pelo liberalismo actualmente dominante. Não é uma tarefa simples, a rigor, nunca foi, e é por isso que o capitalismo, apesar das suas crises, renova o seu projecto civilizacional, apelando reiteradamente à crítica e à procura de uma alternativa.

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