Paulo Emanuel Lopes/Adital
Eduardo de la Serna é um padre católico, conhecido por suas posições críticas, tanto na seara política quanto eclesiástica. Como coordenador do grupo “Sacerdotes na Opção pelos Pobres”, volta à mídia argentina e internacional após a celebração de uma missa, em plena Praça de Maio, coração político da nação argentina, em prol da libertação da ativista social Milagro Sala. Detenção esta que ele afirma tratar-se, “sem dúvidas”, de uma ação política.
No próximo dia 27 de fevereiro, o Papa Francisco deve se encontrar com o novo presidente argentino, Mauricio Macri, e há setores da Igreja solicitando ao Sumo Pontífice que não o receba, enquanto a ativista for mantida presa. Há dois meses de governo o mal estar entre Macri e a Igreja progressista argentina já ultrapassou o universo da especulação.
Padre Eduardo de la Serna, em conjunto com outros membros do grupo “Sacerdotes na Opção pelos Pobres”, celebram missa pela libertação da ativista presa Milagro Sala. Foto: Joaquin Salguero|Página12 |
Esta entrevista concedida à Adital pelo padre Serna trata também da figura do Papa Francisco e do momento pelo qual passa a Igreja Católica. Questionado, entretanto, o sacerdote prefere esquivar-se de uma avaliação mais profunda sobre quem é Jorge Bergoglio. “Pertenço a uma outra diocese”, desconversa. Entretanto, reconhece que “[como arcebispo de Buenos Aires], Bergoglio foi um bom pastor, tendo deixado para trás a auréola de ‘príncipes’ que mostravam os sacerdotes anteriores”.
Mudanças na Igreja? Ele defende a castidade, que deveria ser uma opção (“o celibato é um símbolo de plena dedicação às pessoas pelo Reino de Deus, mas, sendo obrigatório, não se torna visível para todos que se trata de algo que ‘se escolhe’”), e uma urgente reforma na Cúria Romana, “uma atitude que está ‘em débito’ pelos papados”.
Esta entrevista com o padre Eduardo de la Serna faz parte de uma série que a Adital publicará nos próximos dias, buscando refletir sobre o delicado momento político e social por que passa a nação argentina.
Padre Eduardo, o atual chefe da Casa Rosada, Mauricio Macri, vem implantando uma série de medidas impopulares, mas o que vem ganhando as manchetes internacionais é o encarceramento da ativista social Milagro Sala. Estamos diante de uma “prisioneira política”? Para o sim ou para o não, gostaria que você explicasse seu ponto de vista.
Sem dúvidas, creio que Milagro é uma prisioneira política, precisamente pelo fato do fato ter sido motivado por uma “denúncia não comprovada”. A indisposição do governador de Jujuy, Gerardo Morales com Milagro é histórica. A falta de independência do Poder Judiciário da Província se tornou visível, a partir das nomeações que o governador fez ao assumir [leia em Página|12: La independencia se quedó en el discurso]; e da decisão de reprimir os protestos sociais, como se viu com a ação dos guardas que morreram ao cruzar uma ponte quando se dirigiam a Jujuy precisamente para isto. Entretanto, o governo nacional vem se caracterizando especialmente pela repressão. Já há muitos casos de forças de segurança sem identificação, repressão com balas de borracha (Cresta Roja, La Plata, “murga”, em uma comunidade carente 1-11-14), declarações de “emergência de segurança”, possibilidade de parar ônibus e pedir identificação aos passageiros, entre outras ações.
A Argentina vive um momento de destaque na política latino-americana, após a eleição do seu atual mandatário, ligado à banca financeira internacional. Entretanto, há quem afirme que a eleição de Macri foi um “mal necessário”, para que fosse encerrado o legado “K”, em referência ao kirchnerismo. Na sua opinião, entre prós e contras, o governo de Cristina Fernández foi positivo para a nação argentina? Em que sentido?
Creio que o governo de Cristina foi o melhor que tivemos desde o regresso da democracia. Um governo caracterizado pela inclusão [social] e respeito aos direitos. Afirmar que [Mauricio] Macri “é um mal necessário” só pode ser dito por quem se desinteressa pelos pobres e a sua situação.
A Argentina possui um largo histórico de militância social. Citamos como exemplos: o Cordobazo e a guerrilha urbana dos anos 1960-1970. Pergunto: Macri não está mexendo em um “vespeiro”? Como deve ocorrer a resposta dos movimentos sociais argentinos diante da ofensiva autoritária?
Não creio que a resposta será violenta, embora não creio tampouco que seja indiferente. As guerrilhas já não têm nem razão de ser um “caldo de cultivo”, mas as mobilizações é possível que aconteçam, além de greves. Na verdade, já há uma [greve] convocada para o fim de fevereiro.
A Igreja Católica passou, nos últimos anos, por uma grande pressão midiática, envolvida em escândalos sexuais e de corrupção. Quanto ao primeiro tema, é hora da Igreja rever a imposição da castidade? O que o senhor diria aos católicos que são contra essa ideia?
Embora eu creia que o celibato deve ser optativo, não acredito que o aberrante caso dos abusos sexuais tenha a ver com isto. De fato, a imensa maioria dos casos de abusos (cerca de 90% se diz) ocorre no interior das famílias, onde não há celibato. Mas é certo que a obrigatoriedade do celibato funciona como uma espécie de “lente de aumento” para aqueles perversos que abusam de menores. Pessoalmente, acredito que a obrigatoriedade não torna visível o símbolo. Explico: o celibato é um símbolo de plena dedicação às pessoas pelo Reino de Deus, mas, sendo obrigatório, não se torna visível para todos de que se trata de algo que “se escolhe”, já que o que aparece é algo que “se impõe”.
Para além da castidade, se o senhor pudesse eleger um tema, qual seria a reforma que a Igreja Católica deveria buscar imediatamente? Por quê?
Creio que uma divisão de poderes no seio da Igreja poderia ser uma coisa boa. Que os poderes executivo, legislativo e judiciário não estejam encarnados em uma mesma pessoa, que é uma espécie de soberano absolutista. Creio que a Igreja está presidida pela caridade pelo sucessor de Pedro, e este é o Bispo de Roma. Demasiadas coisas foram acontecendo no decorrer da história que não são coerentes com Pedro e com Roma (por exemplo, por que o Bispo de Roma viaja para visitar igrejas particulares?).
Jorge Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, em visita a comunidades carentes. Foto: reprodução. |
O argentino Jorge Bergoglio, eleito o 266º líder da Igreja Católica, vem imprimindo uma visão teológica pastoral ao seu papado, inclusive, oferecendo apoio e visibilidade aos movimentos sociais latino-americanos. Entretanto, é acusado por alguns setores de ser, na verdade, conservador, e suas reformas “superficiais”. Pergunto: quem é Jorge Bergoglio? Como foi sua atuação como sacerdote antes de ser eleito Papa?
Não posso opinar sobre Jorge Bergoglio já que o conheci muito pouco. Comparado a outros arcebispos anteriores, de Buenos Aires, sem dúvidas, Bergoglio foi um bom pastor, tendo deixado para trás a auréola de “príncipes”, que mostravam os anteriores. Teve, como representante dos jesuítas, uma mancha em sua suposta relação com o desaparecimento de dois companheiros [durante a ditadura]. Entendo que ele pediu perdão por isso em uma reportagem a revistas italianas. Mas não tenho muito a dizer já que pertenço a uma outra diocese.
Francisco vem tentando dar uma “nova cara” à Igreja Católica, aproximando-se dos ideais propostos pelo Concílio Vaticano II. Estamos mais próximos de uma igreja “pobre e voltada para os pobres”? Como o senhor analisa esses primeiros anos do papado de Francisco?
Creio que depois do “inverno” que caracterizou o papado de João Paulo II e seu sucessor [Bento XVI] há muitas tentativas de revitalizar o [Concílio] Vaticano II. Penso, entretanto, que é muito pouco (basta olhar as atitudes de dezenas de episcopados, para perceber que não se trata de uma “primavera”). Pessoalmente, entretanto, espero que seja feita uma visível, clara e transparente reforma da Cúria vaticana, uma atitude que está “em débito” pelos papados.
Como a figura do Papa está influenciando a política argentina? Gostaríamos que o senhor fizesse uma relação entre o papado de Francisco e a realidade social atual da argentina.
Não sei se o Papa Francisco está influindo na política argentina atual. Penso não vemos isto acontecer. Especialmente porque se supõe que os bispos argentinos façam isto, mas que não parecem assumir grande parte das palavras e gestos do Papa. Acho que o episcopado argentino não passará para a história, ou se isto acontecer não será nas melhores páginas. E, nesye sentido, vejo que o Papa não tem muito apoio nesta região.
Paulo Emanuel Lopes
Colabora com ADITAL.