24.5 C
Brasília
sexta-feira, 26 julho, 2024

Constitucionalização da proteção aos mais pobres

Fotos: Tuca Vieira, Rovena Rosa/Agência Brasil, Roberto Parizotti/CUT, Aline Massuca/Metrópoles, Érica Dezonne/AAN e Normando Sóracles/Agência Miséria

Metas sociais, já!

Emiliano José*

O noticiário da mídia empresarial é inundado a cada segundo pela preocupação com as chamadas metas fiscais, nome pomposo para definir como proteger os juros dos capitalistas ou, dito de outra forma, garantir possa o Estado assegurar a rentabilidade do capital, a sobrevivência dele num modo de existir obsceno, a desconsiderar a maioria da população e a garantir interesses da ínfima parcela rentista-dominante.

A leitura de artigo de Paulo Nogueira Batista Jr., em “Carta Capital” (7 de junho de 2023) introduz uma novidade: por que não pensar, e logo, no estabelecimento de metas sociais? Por que não tirar tais metas do pantanoso terreno da boa vontade, no território do meramente vago?

Afinal, a mídia, os economistas do mercado financeiro, os intelectuais neoliberais, só se preocupam, a rigor, com o estabelecimento de regras fiscais, constitucionalizadas, de modo, insista-se, a proteger o mundo financeiro.

Não, não o imaginem capturado por visões doutrinaristas, incapaz de compreender esse quadro de hegemonia do capital financeiro na maior parte do mundo, à exceção daqueles territórios sob dominação do chamado socialismo de mercado, onde desponta vigorosamente a China, a ameaçar o Império americano. Sabe da conjuntura e da estrutura, para fazer uma síntese.

Conhece os meandros do capitalismo, por ter sido vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, conhecido como Banco dos Brics e, também, diretor-executivo no FMI pelo Brasil e mais dez países. Ele propõe mexer nesse quadro, no caso brasileiro, encontrar no território da política, caminhos de proteção das classes dominadas, especialmente dos mais pobres, os mais profundamente atingidos pelas cruéis metas fiscais.

Tem convicção de que Lula não desistiu. Continua determinado a cumprir, a honrar os compromissos assumidos na campanha, compromissos afinal de toda a vida dele. Nada é fácil, especialmente se consideramos o cerco em torno do presidente, tentando demovê-lo de quaisquer políticas voltadas aos mais pobres.

Mais ainda, cerco promovido pelo Legislativo, sobretudo pela Câmara, cujo presidente esmera-se no papel de protetor dos interesses dos parlamentares identificados com as classes dominantes, e protetor, como evidente, dessas mesmas classes dominantes, sobretudo do mundo financeiro.

Lembra, no artigo, o quadro dramático da maioria da população brasileira nesse País de renda e riqueza das mais concentradas do mundo. Com isso, o Parlamento, a maioria dele, não se preocupa. É de deixar qualquer um estupefato o fato de a mídia naturalizar as propostas do chamado Centrão de ocupar o Ministério da Saúde sob o argumento de que tal pasta tem sob sua guarda “muito dinheiro”.

Não há preocupação com políticas públicas, mas com os recursos do ministério, a indicar se pretenda utilizá-los em favor de apetites meramente eleitorais, pequenos, muito distantes de quaisquer objetivos visando à saúde da população. Insisto: e a mídia empresarial trata tal visão como trivialidade.

Lula sabe: entregar a Saúde ao chamado Centrão significará entregar à raposa os cuidados com o galinheiro. É o chamado ministério inegociável. Ali está uma das chaves da proteção social do povo brasileiro. Nele, esteve o centro da política genocida do antigo presidente. Nesse semiparlamentarismo vigente, há de negociar. Lula sabe, no entanto, até onde pode ir.

Volto a Paulo Nogueira. Acredita, e creio tenha razão, ser necessário o estabelecimento de metas sociais, capazes na opinião dele de orientar com precisão a ação do governo. Constitucionalizar tais metas.

O capital não considera essencial o tal “arcabouço fiscal”? Porque não seria fundamental o estabelecimento de metas sociais, destinadas a enfrentar com rigor e eficiência a miséria, o abandono de populações inteiras, confrontar a fome, a falta de serviços básicos adequados na educação, na saúde, no saneamento?

Se ao governo se obriga, na Constituição, a guarda dos interesses do capital, por que não assegurar o cumprimento rigoroso de metas destinadas a proteger a população mais pobre, submetida às intempéries de um orçamento voltado, sobretudo, à garantia dos interesses dos rentistas? Tais metas sociais equilibrariam um pouco a balança, fazendo-a pender um pouco para os despossuídos.

Lula, conforme o economista, já começou a busca da responsabilidade social. Desde janeiro, intensificou a volta da política de valorização do salário mínimo, aumentou o limite de isenção do imposto de renda na fonte, retomou com vigor o Bolsa Família, entre tantas medidas.

Metas sociais devidamente quantificadas dariam força a medidas destinadas à distribuição de renda, à criação de melhores condições de vida aos mais pobres. Metas, como diria Paulo Nogueira Jr., a serem cumpridas obrigatoriamente pelo governo, de agora até 2026, sem que os ultraconservadores tivessem condições de a elas se opor, porque constitucionalmente estabelecidas, tais e quais as metas fiscais.

Não haveria dificuldade, comenta o economista, em selecionar indicadores. O governo tem gente competente para tanto. Fixar, por exemplo, a quantidade de famílias abaixo da linha de pobreza e miséria, número de domicílios com insuficiência alimentar, índices de escolaridade, de acesso à saúde e saneamento básico, indicadores de distribuição de renda, a maior parte de tais indicadores já de domínio da administração pública federal.

As metas fiscais não seriam não seriam de um ministério, mas de todo o governo. E seriam anunciadas, quando aprovadas, pelo presidente da República. Lula não se cansa de dizer: tal guerra, contra a fome, a exclusão, a miséria, o abandono da população pobre, é a única legítima, da qual ele quer, e nós todos, participar. Garra, não lhe falta. Para tanto, ele tem revelado sangue nos olhos.

Penso que a proposta de Paulo Nogueira é muito própria, oportuna. Tira o chamado problema social do território da boa vontade, do bem-querer, das boas intenções, e dá a ele estatuto constitucional. Embora se possa dizer já estar bem posto na Constituição, não tem até agora o mesmo tratamento dos interesses do capital financeiro, capaz sempre de buscar proteção, como agora, o do arcabouço fiscal. Necessário ter ousadia. Dar o passo. Como propõe Paulo Nogueira. É a hora do arcabouço social. Urgente. Metas sociais, já.

*autor de “O cão morde a noite”, “Balança mas não cai”,  “Marighella, o inimigo número um da ditadura militar”, “A última clandestina em Paris e outras histórias” e “Lamarca, o Capitão da Guerrilha”, este em co-autoria com Oldack Miranda, entre vários livros.

ÚLTIMAS NOTÍCIAS