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As sanções impostas contra a Rússia tinham o objetivo de gerar uma crise cambial, hiperinflação e o colapso econômico. Com o rublo recuperado, o Banco Central russo pode cantar vitória contra as sanções ocidentais?
Nesta terça-feira (10), o diretor do Comitê de Relações Internacionais da Câmara de representantes do Congresso dos EUA, Gregory Meeks, declarou que novas sanções contra a Rússia serão implementadas em breve por Washington e seus aliados.
“Tem mais sanções vindo por aí”, disse Meeks, após reunião com o presidente Joe Biden sobre a crise na Ucrânia. “Vamos fortalecê-las e trabalhar juntos de forma multilateral com nossos aliados.”
O anúncio vem após a economia russa dar sinais de resiliência perante as fortes sanções ocidentais impostas desde fevereiro de 2022. No início de maio, a moeda russa recuperou o seu valor pré-crise e, no dia 6, atingiu sua melhor cotação anual.
Artigo recente da revista The Economist ainda revela que o consumo de energia elétrica e o gasto dos consumidores na Rússia não apresentam sinais de queda.
De acordo com economistas ouvidos pela Sputnik Brasil, as sanções econômicas ocidentais tinham como objetivo provocar uma forte desvalorização cambial, gerando hiperinflação e colapso da economia russa.
“A questão-chave é a cotação do rublo, porque quando a moeda se desvaloriza muito, os produtos importados sofrem uma alta de preço explosiva”, disse à Sputnik Brasil o professor de economia da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP), Paulo Gala. ” Então o importante é controlar o nível da taxa de câmbio.”
Segundo ele, caso o Banco Central russo mantenha a estabilização da moeda no médio e longo prazo, “metade do problema está resolvido”.
A expectativa era que a Rússia seguisse os passos de outros países duramente sancionados, como a Venezuela. Mesmo com grandes reservas de hidrocarbonetos, Caracas sofreu forte depreciação da moeda local e entrou em processo hiperinflacionário, até hoje fora de controle.
Uma mulher passa por uma tela de uma casa de câmbio exibindo as taxas de câmbio de dólar americano e euro para rublos russos, em Moscou, Rússia, 9 de março de 2020
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“A economia russa é muito mais sofisticada e complexa do que a da Venezuela. Ela tem capacidade de fazer uma reindustrialização na área de produtos básicos, o que aliás já está acontecendo”, considerou Gala. “Isso é diferente da Venezuela, que não consegue produzir praticamente nada.”
Segundo o economista, além da indústria básica, capaz de suprir a demanda interna, a Rússia ainda conta com grande entrada de dólares oriundos da venda de hidrocarbonetos.
“A economia russa é muito superavitária na parte de commodities, eles têm várias empresas de porte equivalente à Petrobras”, notou Gala. “Com a alta do preço das commodities, eles estão realmente ricos do ponto de vista de petróleo, minérios e fertilizantes.”
Para anular essa vantagem russa, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, pediu para que os países do bloco imponham embargo às importações de petróleo e gás russos.
Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen
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De acordo com o professor de economia da UNICAMP, Bruno De Conti, sanções aplicadas aos hidrocarbonetos poderão gerar grandes prejuízos à Rússia.
“Há forte dependência do PIB e das exportações russas em relação aos hidrocarbonetos”, disse De Conti à Sputnik Brasil. “As finanças públicas também dependem em grande medida dos impostos relativos ao gás e ao petróleo.”
Apesar da disposição da União Europeia de prosseguir com o embargo, países do bloco sem saída para o mar e altamente dependentes dos combustíveis russos, como República Tcheca, Hungria e Eslováquia, são reticentes quanto à viabilidade da medida.
Mão visível do Banco Central russo
A revista britânica The Economist sugeriu que uma combinação de altas taxas de juros e controle de capitais impostos pelo Banco Central russo teria evitado uma crise cambial.
De acordo com Bruno De Conti, a elevação da taxa de juros tem dois objetivos principais: atrair capital estrangeiro e incentivar o capital local a investir dentro do país. Em função das sanções internacionais, a alta taxa de juros russa não gerou atração de investimentos estrangeiros.
“Mas a elevação da taxa de juros foi bem-sucedida em fazer com que os investidores locais preferissem investir na Rússia a investir no exterior”, apontou De Conti.
Entre fevereiro e março, o Banco Central russo elevou significativamente sua taxa de juros, que passou de 9,5% para 20% entre fevereiro e março.
Na época, a presidente do Banco Central russo, Elvira Nabiullina, havia dito que “a alta na taxa de juros é uma medida anticrise temporária. Quando a situação se estabilizar, a taxa será reduzida”.
Presidente do Banco Central da Federação Russa Elvira Nabiullina.
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De fato, em 29 de abril, a taxa de juros russa foi reduzida a 14%, o que, segundo a The Economist, seria “um sinal de que o pânico financeiro que começou em fevereiro arrefeceu levemente”.
O Banco Central russo também impôs restrições para evitar a fuga de capitais. Por exemplo, a realização de saques bancários em dólares por pessoa física na Rússia está restrita a US$ 10 mil (cerca de R$ 51 mil) até o dia 9 de setembro de 2022.
“O estabelecimento de cotas para saques em dólares, associado a uma taxa de juros bem alta, fez com que os residentes mantivessem o seu dinheiro em rublo, sabendo que estavam sendo bem remunerados”, considerou De Conti. “Isso acalmou a fuga de capitais e, portanto, conteve a depreciação do rublo no momento inicial, e depois inclusive gerou apreciação.”
Paulo Gala alerta que, apesar das benesses de curto prazo, o controle de capitais pode coibir investimentos estrangeiros na economia russa no longo prazo.
“O controle de capital é bom porque você estanca a desvalorização da moeda no curto prazo, mas a consequência negativa é que afugenta totalmente os investidores privados“, disse Gala.
Desafios à frente
Apesar do otimismo em relação à recuperação do rublo, a economia russa ainda tem grandes desafios pela frente, acredita Gala.
“A Rússia terá que se reindustrializar, e o mais difícil disso é a parte tecnológica”, considerou o economista. “Apesar da Rússia ter um domínio tecnológico bélico muito forte, ela ainda tem dificuldades em tecnologia de fronteira.”
Segundo ele, a reativação da indústria de base já está em curso na Rússia, puxada sobretudo pelo processo de substituição de importações gerado pelas sanções.
“Parte da reindustrialização já está acontecendo porque, quando o câmbio desvaloriza e os bens importados ficam mais caros, a indústria começa a produzir domesticamente”, explicou Gala.
Funcionária de fábrica produz roupas médicas e máscaras de proteção na região de Novossibirsk, na Rússia, 20 de março de 2020
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No entanto, o economista acredita que Moscou terá que arregaçar as mangas para desenvolver setores como o de chips, semicondutores, química fina e mecânica de precisão.
“Então sim, a economia está se recuperando um pouco por conta da reindustrialização e desvalorização cambial. Mas a dependência tecnológica continua”, concluiu Gala.
Nesta quarta-feira (11), a Câmara dos Representantes dos EUA aprovou uma série de projetos de lei destinados a isolar a economia russa da comunidade global, incluindo uma legislação para excluir a Rússia de reuniões internacionais e reforçar as sanções existentes.