Foto: Ricardo Stuckert/PR
César Fonseca
A propensão do Mercosul em ganhar um perfil mais asiático que ocidental, indo na linha chinesa, representou a afronta latino-americana e europeia ao presidente Donald Trump.
Adicionalmente, nada mais incômodo para o presidente americano que a visita de solidariedade política do presidente Lula à ex-presidenta argentina, Cristina Kirchner.
Esquerda x direita foi o que se viu na Argentina durante a reunião do “Mercosul Asiático”, ou Mercosul Chinês, para ficar mais claro, no contexto do BRICS, que se realiza no Brasil sob a presidência de Lula na próxima semana.
A declaração de Lula de que acredita na inocência de Cristina e que ela vencerá é a repetição do seu próprio exemplo.
Como Lula, Cristina é vítima de lawfare, arma política desenvolvida pelo império americano para criminalizar os candidatos de esquerda na América Latina.
A legislação penal americana é extensiva a todos os países que comercializam com os Estados para proteger os interesses americanos.
O judiciário latino-americano é monitorado pelo império, como se vê em relação a Cristina, como se viu relativamente a Lula.
Trata-se exorbitância imperial ilegal.
Imposição do direito da força sobre a força do direito.
NACIONALISMO INCOMODA WASHINGTON
Do ponto de vista do império, dominado pela Doutrina Monroe, lulismo e kirchnerismo-peronismo são adversários dos Estados Unidos por defenderem interesses nacionalistas.
Miley, pró-Monroe, é como Bolsonaro: abraça a bandeira americana, agindo, opostamente, ao peronismo e ao lulismo.
Está com Donald Trump e não abre.
Fechou a cara na foto oficial dos integrantes do Mercosul, que abominou o discurso pró-Trump, ao pregar que o norte do Mercosul é a Ásia, ou seja, a China, não os Estados Unidos.
Os europeus querem desovar seus produtos na China por meio do Mercosul para driblar o protecionismo americano.
O imperador papai Trump detestou o novo protagonismo do Mercosul, à esquerda dos Estados Unidos, na terra de Miley, de extrema direita, no coração de Monroe.
Trump, portanto, vê esvaziar-se o interesse americano, enquanto se amplia o interesse chinês na América Latina.
Poderá colher outra decepção no Brasil, porque seu aliado, Bolsonaro, inelegível por oito anos, deverá ser preso por comandar golpe de Estado.
Ele viria ao Brasil solidarizar-se com Bolsonaro, como Lula foi à Argentina solidarizar-se com Cristina Kirchner?
CHINA, A INIMIGA
Para Trump e Miley, Lula e Cristina têm um aliado firme e feroz que precisa ser combatido pelos Estados Unidos: Xi Jinping.
O líder chinês anuncia, no Global Time, que a China quer a modernização da América do Sul ao modelo chinês: desenvolvimento com distribuição da renda.
Trump promete o oposto: política econômica de tripé neoliberal que inviabiliza desenvolvimento econômico sustentável com protecionismo que barra a industrialização na América do Sul.
Por isso, os adversários do trumpismo, como Lula e Cristina, precisam ser combatidos pelo império, com todas as armas, como a do lawfare, cassação e cadeia, se for doméstica, com tornozeleira.
Criminalizá-los e prendê-los, se possível enviá-los para Guantánamo, cercado de jacarés, conforme determina a imperialista lei penal americana com abrangência universal.
A arma kirchnerista-peronista-lulista é o alvo a ser exterminado pelo trumpismo na América Latina.
Lula, na Argentina, reforça a arma popular da mobilização, assim como começou a acontecer na Bahia no Dia da Independência baiana, com a gigantesca mobilização contra o domínio do Congresso dominado pelos ricos que não querem pagar imposto.
Com o mesmo discurso, na Argentina, antes de ser presa, Kirchner estava mobilizando milhares de argentinos contra Miley, num crescendo, para se tornar candidata à próxima eleição.
MEDO DA POLARIZAÇÃO
A polarização pobre x rico assusta as elites brasileiras e latino-americanas, aliadas de Donald Trump, candidatas à derrota eleitoral, devido às decisões do Congresso de caráter anti-popular.
A guerra do IOF mostra a polaridade, a luta de classe.
Na Argentina, idem: guerra contra o pacote neoliberal de Miley, que taxa os pobres para favorecer os ricos.
Aqui, como lá, os ricos não querem pagar impostos, mas, sim, receber subsídios, quanto mais empobrece a população, cuja insuficiência crônica de consumo joga a taxa de lucro do capital no chão.
Sem subsídios compensatórios, a burguesia morre de sede.
OPÇÃO NACIONALISTA
Cristina-Lula acelera a opção sul-americana pelo nacionalismo chinês e foge da geopolítica trumpista, inimiga da industrialização.
A opção Lula-Cristina fragiliza o dólar diante do yuan chinês que, aliado do Mercosul, aumenta a desdolarização.
A ampliação comercial Mercosul-China-Ásia desdolariza a América do Sul, instaurando troca de moedas locais nas relações de trocas comerciais.
A hegemonia comercial chinesa dita a moeda referencial chinesa para executar as relações de troca.
Os europeus querem o Mercosul aliado à China para fugirem do protecionismo trumpista que detona a industrialização europeia.
PROJETO ARRISCADO
Já Miley quer sair do Mercosul para realizar acordo de livre comércio com Trump, para barrar a entrada total da China na América do Sul.
A reunião do BRICS, no Rio de Janeiro, é capítulo extensivo da América do Sul pró-China que Trump e Miley querem destruir mediante acordo de livre comércio.
Se naufragou o livre comércio que os Estados Unidos fizeram com os vizinhos Canadá e México por conta do protecionismo, muito mais incerto seria o livre comércio EUA-Argentina, com os portenhos cercados pelos chineses.
Trump, com sua geopolítica e geoeconomia global de guerra agressiva, ficou incompatível com o livre comércio.
Os 3,5 trilhões de dólares que o Trump conseguiu no Congresso é para a guerra, aumentando dívida pública, e para os ricos, diminuindo seus impostos.
Aos pobres, cortes de programas sociais.
Zero de cooperação.
A madrasta americana joga a América do Sul e o Mercosul no colo da China.