Pedro Augusto Pinho*
O Brasil está preparado para a crise que se avoluma e se aproxima? Não, muito ao contrário. Que não se pense ser fruto de uma oposição desmedida e para “encher o saco”, como disse soturno tucano. É a única conclusão possível para quem acompanha as “crises” desde as desregulações da dupla Thatcher/Reagan, anos 1980, quando a banca passou a dominar o mundo.
Uma falha comum aos analistas globais, sejam ou não assalariados da Rede Globo, é a unicausalidade dos eventos: ocorre assim porque fulano é corrupto, ou por causa do déficit fiscal, ou pela má qualificação da mão de obra, ou por ação dos bolivarianos, petistas ou comunistas etc etc.
Conceituemos, para evitar equívocos, o que denomino “a banca” e o que são estas crises.
A banca é a designação dada ao sistema financeiro internacional que derrotou o sistema capitalista industrial. Observe que nem trato de opções socialistas. Apresento um mundo simplificadamente dividido entre o capital industrial e o capital financeiro.
Como se empoderou a banca no século XX? Por um conjunto de fatores, como o movimento ecológico, preservacionista, pelos recursos da informática, da teoria da informação, pelo acúmulo do capital industrial pós Plano Marshall e alguns outros vetores. O que seriam os resquícios do capital industrial estariam hoje, em princípio, nos BRICS, mas deles já se afasta o Brasil.
Coloco a primeira crise em 1987, dando por discutível quem tenha provocado as crises do petróleo, de 1968 a 1980, e outras crises, como as decorrentes da saída unilateral dos Estados Unidos da América (EUA) da moeda referência no Acordo de Bretton Woods (dólar ouro). Ainda que possamos ver o dedo da banca em todas elas.
O que é a crise provocada pela banca? Sucintamente é a distância entre o valor dos bens em papéis e daqueles efetivamente existentes, da realidade física. De modo geral eles constituem os derivativos. Lanço 1000 barris de petróleo para vender em papéis quando só disponho de um para entrega. Quando e se for cobrada esta diferença, explode uma crise. Ela se dá em toda e qualquer commodity, incluídas as moedas, em hipotecas e mesmo em empréstimos oriundos de captação por fundos financeiros.
Sumarizemos brevemente estas crises:
Crise de 1987 – “Segunda-feira Negra”. A Bolsa de New York despenca e os ativos são depreciados em 22,6%.
Crise de 1990 – A bolha japonesa. O sistema financeiro vive dos empréstimos, das dívidas. O Japão tinha depósitos que representavam quase o PIB do país. Para se ter uma comparação, nos EUA os depósitos representavam, na mesma época, cerca de um terço do PIB. E foi a área imobiliária quem pagou seu tributo ao capital financeiro.
Crise de 1992 – Sistema Monetário Europeu. Em 1992, o Índice da Taxa de Câmbio Nominal do USD, determinado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), estava no mais baixo patamar desde 1957. Logo estava pronto para um “ataque especulativo” das finanças internacionais. Foi o que ocorreu, em 16 de setembro de 1992.
Crise de 1994 – “El Horror de Diciembre” no México. O México inadimplente, sempre por dívida contraída no mercado internacional, resolveu desvalorizar o peso. Este modelo de geração de dívida que se avoluma até criar a bolha ou a crise que será paga por outros atores – ativos públicos e privados, rendas de outros setores econômicos, orçamentos públicos etc – é fundamental na análise destas crises pós 1980/1990, as chamadas décadas perdidas.
Crise de 1997 – Crise Asiática ou do Sudeste Asiático. Mais um exemplo clássico com desvalorizações cambiais, neste caso iniciada pelo Baht tailandês.
Crise de 1998 – Finanças da Rússia. Em vários aspectos semelhantes à crise de 1994, do México. Em 10 de julho de 1991, assume a presidência da Rússia Bóris Iéltsin, candidato da banca. Poderíamos dizer que ele cumpriu os compromissos com os financiadores da campanha. Em 1998 explode a economia, parte preponderante pelas dívidas, parte pela ascensão da economia marginal a segmentos do poder.
Crise de 1999 – Crise da reeleição de FHC. Esta conhecemos de perto; privatizações, usos de micos financeiros (Dívidas Agrárias) e o retorno do FMI..
Crise de 2000 – Ponto com ou da Bolha da Internet. Mas uma transferência de recursos aos que financiaram as ações especulativas.
Crise de 2001 – Argentina. Sabemos que até 2002 a Argentina foi dirigida por políticas econômicas neoliberais de Carlos Menem e Domingo Cavallo. Pode-se afirmar que esta crise foi a consequência direta das orientações de 12 anos do FMI naquele país.
Crise de 2008 – O subprime americano ou o terrorismo econômico em Washington. As melhores descrições desta “crise” estão no filme Inside Job (Trabalho Interno), documentário de 2010 de Charles H. Ferguson, e nas reportagens de Mike Whitney, jornalista residente em Washington.
Vou reportar apenas notícias de jornais e revistas especializados em economia e negócios, nos últimos 15 dias. Estas notícias darão a dimensão da crise que bate à nossa porta.
“Crise dos bancos europeus ainda não chegou ao fundo do poço”, “Em dois anos a atividade econômica despencou 7,2%”. “Demanda por crédito do consumidor cai 0,7% no semestre” “Desacelera a geração de emprego nos EUA”. “Financial Conduct Authority do Reino Unido anuncia multa de 117 milhões de libras ao Lloyds Banking Group por negócios de seguro”, “EUA crescerão menos que previsto, diz FMI” e seriam páginas e páginas que se consolidariam numa única conclusão: o capital financeiro não é capital que produza mas suga os ganhos dos setores produtivos da sociedade, resultando sempre em recessão e desemprego – na crise.
A mídia, quase integralmente, trabalha para banca. E por isso as informações otimistas, tranquilizadoras, a respeito dos governos pró banca e das ações que beneficiam a banca – redução de salários em favor do pagamento de juros, cortes de gastos em investimentos de toda natureza, redução ou extinção de programas sociais – colocando mais dinheiro para cobrir o buraco deixado pela banca.
Por que, após dez anos, uma nova crise do sistema financeiro é iminente?
Alguns motivos são evidentes. Porque os principais ativos e as reservas monetárias estão em baixa. A primeira falha, ou cobrança não paga, pode acender o estopim da explosão. Depois virá a inevitável cascata de falências e fraudes até que já não haja de onde sugar recursos. O golpe de 2016 objetivou exatamente isso: colocar à disposição do sistema financeiro, da banca, os recursos do pré-sal, o qual mês a mês bate recorde de produção, da riqueza agrícola e da pecuária brasileira; ou meu leitor é tão ingênuo que pensou ser a “Operação Carne Fraca” um lapso de funcionário público?
A crise de 2008 encontrou o Brasil sem dívida externa e com possibilidade de reverter a queda. Houve, eventualmente, um pouco de presunção toldando as consequências do derrame de dinheiro do Tesouro dos EUA para os bancos e empresas “privadas”. Mas agora, com uma dívida que só faz aumentar, comprando – melhor diria, prosseguindo a compra de parlamentares, magistrados e ministros – sem qualquer programa produtivo, só recessivo, esta crise, que muitos analistas apostam na ocorrência em 2018, será extremamente danosa para todos, rentistas e trabalhadores, mas, como sempre, pior para os que tem menos.
Há também uma razão que se encontra na nascente do empoderamento da banca: a informática. Está previsto, pelos profissionais da área, a entrada em comercialização, a partir de 2020, dos equipamentos quânticos, os computadores que terão capacidade muito maior de executar operações, em velocidades ainda maiores, e em espaços mais reduzidos. Este fatos corresponderão a novos sistemas e programas e, sem receio, diria uma nova era computacional. Ora a informática atual permitiu este grande salto de capacitação da banca; para se manter na vanguarda ela necessitará recursos para seus hardware e software. E onde buscá-los? com o know how acumulado por tantas crises? Em mais uma, com objetivo de “coletar todas as fichas do pano verde”. O caro leitor há de se lembrar que toda área econômico-financeira, no período de absoluto governo da banca no Brasil, 1995/2003, não se falava em projeto, programa ou objetivo, mas em “aposta”. Claro, a banca transforma toda economia num jogo de um vencedor e muitos perdedores. Como nesta crise que se anuncia e que, ao contrário daquela de 2008, encontrará o Brasil fragilizado, sem rumo, gastando o que tem e não tem para manter seus governantes, em todos os poderes, fora das grades e da repulsa física pela população, e, obviamente, agradando o patrão do Judiciário, do Legislativo e do Executivo: a banca.
Cuidado com seus parcos bens! Os grandes bancos expandirão suas plataformas de relacionamento, demitindo funcionários e fechando agências, os menores poderão fechar as portas, os investimentos serão ainda mais prejudicados e negócios industriais, comerciais e de logística verão reduzidos suas receitas e clientes, faltará dinheiro e os bancos centrais emitirão moedas ou títulos de dívida resultando em acréscimo da inflação, ao que se soma desemprego e escassez. Um belo fim para quem bateu panela e se vestiu de pato.
*Pedro Augusto Pinho, avô, administrador aposentado