© Sputnik / Aleksandr Kryajev
Palco do Fórum Econômico do Oriente, a Universidade Federal do Extremo Oriente oferece bolsas de estudos para estudantes brasileiros. Quem já estuda por aqui decora não só a matéria dos livros didáticos, mas também os mapas com as praias mais bonitas de Vladivostok.
No dia 7 de setembro, imagens da Universidade Federal do Extremo Oriente rodaram o mundo, em função do discurso do presidente russo Vladimir Putin no Fórum Econômico do Oriente, em Vladivostok. A universidade recebe anualmente o evento, que é um dos principais da região da Ásia-Pacífico.
Encerrado o fórum, dezenas de estudantes brasileiros da universidade vão iniciar mais um ano letivo. Apesar de parecer uma opção heterodoxa, muitos brasileiros escolhem a Rússia como destino para cursar o ensino superior.
Saulo Senna, empresário brasileiro residente em Vladivostok e ex-aluno da Universidade Federal do Extremo Oriente (FEFU, na sigla em inglês), revela que veio para a Rússia por ser “uma pessoa politizada e que gosta muito de história”.
Participante do Fórum Econômico do Oriente, na Universidade Federal do Extremo Oriente, em Vladivostok, Rússia, 7 de setembro de 2022
© Sputnik / Grygory Sisoev
“A sociedade russa é complexa e ligada às questões políticas, históricas e sociais. É um país que nos ajuda a compreender a sociedade mundial como um todo”, disse Saulo à Sputnik Brasil.
Estudantes também apontam o custo-benefício da Rússia como um fator determinante. A estudante Luiza Ottoni conta que o curso de Medicina em Vladivostok atendeu às suas expectativas financeiras.
“A escolha de vir estudar na Rússia está relacionada à qualidade do ensino e com o preço bem mais razoável do que no Brasil”, disse Luiza à Sputnik Brasil. “O custo-benefício foi determinante.”
Localizada a menos de 300 quilômetros da fronteira com a China e 600 quilômetros da Coreia do Sul, Vladivostok é uma cidade caracterizada pelo multiculturalismo.
“Vladivostok é a capital do Extremo Oriente russo e tem ligações muito fortes com a Ásia”, explica Saulo. “A cultura aqui é bem diferente da do restante da Rússia, que é um país com muitas diferenças regionais, assim como o Brasil.”
Participantes do Fórum Econômico do Oriente passeiam a beira mar, Vladivostok, Rússia, 7 de setembro
© Pavel Benyakov
A Sputnik Brasil conversou com o pró-reitor de Relações Internacionais da FEFU, Evgeny Vlasov, para compreender quais as oportunidades disponíveis para brasileiros nessa cidade oriental.
“Temos mais de 300 instituições parceiras, em mais de 46 países. Claro, 60% delas estão no Leste Asiático, mas o nosso interesse pela América Latina só aumenta”, disse Vlasov à Sputnik Brasil. “Os estudantes brasileiros, do ponto de vista educacional, atendem totalmente aos requisitos da universidade. Eles têm muita motivação e sabem o que querem.”
Vlasov relata que a FEFU conta com mais de 100 programas de mobilidade acadêmica, principalmente com países asiáticos.
“Todos os nossos estudantes podem estudar de graça por um ou dois semestres em países como Coreia do Sul e China. Isso amplia a cultura e o conhecimento sobre outras tradições acadêmicas”, declarou o pró-reitor.
A interação da FEFU com a China é um grande atrativo para estudantes brasileiros do curso de Relações Internacionais, como Douglas Lima.
Pavilhão do Fórum Econômico do Oriente, Vladivostok, Rússia, 7 de setembro
© Vitaly Ankov
“A interação entre China e Vladivostok se reflete tanto na culinária da cidade, como na presença de chineses que trabalham e vivem por aqui, gerando uma troca cultural entre as sociedades”, disse Douglas à Sputnik Brasil.
Douglas também optou pela FEFU em função da presença massiva de estudantes internacionais na universidade.
“Aqui tem muitas oportunidades de interação entre diversas culturas, pontos de vista diferentes, que faz com que a sua experiência de formação seja um pouco mais ampla”, declarou o estudante.
Vlasov atesta que os cursos mais procurados pelos brasileiros são, de fato, os de Relações Internacionais e Medicina.
Estudante de Relações Internacionais da Universidade Federal do Extremo Oriente, Douglas Lima, em Vladivostok, Rússia (foto de arquivo)
© Foto / Douglas Lima
“No caso da área da saúde, essa é uma tendência mundial: profissões da saúde são muito demandadas e diversos países não formam médicos suficientes para atender à sua demanda interna.”
O pró-reitor Vlasov acredita que “os brasileiros têm muita determinação e vontade para se tornarem bons médicos” e surpreendem pela sua empatia.
“Fiquei muito emocionado quando, no início da pandemia, um estudante de medicina brasileiro veio me pedir para formar um grupo de voluntários e ir trabalhar na zona vermelha, com pacientes infectados pelo coronavírus”, relatou Vlasov. “Foi muito comovente.”
Segundo ele, a FEFU “procura exatamente esse tipo de estudante”, que “esteja interessado no seu desenvolvimento pessoal, a partir do desenvolvimento de seus iguais”.
A universidade fornece bolsas de estudos para estudantes brasileiros através da agência federal Rossotrudnichestvo. Bolsas adicionais para mestrado e doutorado também são fornecidas pelo programa Open Doors, inclusive para cursos em língua inglesa.
Corveta de série do projeto 20380, Aldar Tsydenzhapov, na doca flutuante de transporte e lançamento Zeya ao largo da costa de Vladivostok
“Pleitear uma bolsa na Rússia não é tão burocrático quanto as pessoas pensam”, disse o ex-estudante Saulo, que toca uma assessoria para estudantes brasileiros.
Para os próximos anos, o pró-reitor gostaria de atrair mais estudantes brasileiros para as disciplinas de oceanografia e segurança da informação.
“A Rússia tem uma boa experiência em segurança cibernética. Temos empresas como Kaspersky, Sberbank, InfoWatch e InfoTechs presentes no campus da FEFU, compartilhando seu know-how”, relatou Vlasov. “A Rússia não esconde suas tecnologias dos países que considera amigos. E o Brasil, para nós, é um país amigo.”
A atmosfera na universidade é aprimorada pelo seu campus: localizado em uma ilha bastante arborizada, os alunos contam até com uma praia particular pertinho da sala de aula. O estudante Douglas conhece as praias da ilha como a palma de sua mão, e coloca vídeos com as melhores imagens em seu canal no YouTube.
Campus da Universidade Federal do Extremo Oriente, em Vladivostok, Rússia (foto de arquivo)
© Sputnik / Aleksandr Kryajev
“Nossa cidade é linda. Temos praia no nosso campus e nosso outono é mais quente. Claro que de vez em quando temos um tufãozinho ou ciclone na cidade”, brincou o pró-reitor da universidade.
Dificuldades
Os tufões dessa cidade portuária mostram que nem tudo são flores, e os brasileiros que optaram por Vladivostok passam por um período de adaptação cultural e climática desafiador.
“Uma das principais dificuldades que tive aqui foi com o clima. Eu sempre fui muito fã de calor, então vir para um país que atinge menos 40 graus no inverno é bem puxado”, contou Luiza. “Em segundo lugar, o idioma russo, que não é um idioma fácil. Se você não dedicar muito do seu tempo, você poderá ter problemas no início.”
Saulo concorda que o clima e o idioma são os principais fatores de adaptação, mas comemora que a culinária em Vladivostok é melhor do que a do restante da Rússia.
Estudante de Medicina da Universidade Federal do Extremo Oriente, Luiza Ottoni, em Vladivostok, Rússia (foto de arquivo)
© Foto / Luiza Ottoni
“A comida não foi um problema tão grande, porque Vladivostok tem uma cultura asiática muito profunda, penetrada na sociedade”, relata o empresário.
Para Douglas, aprender a se virar na cidade não foi difícil, e em menos de uma semana ele já dominava o sistema de transporte público da cidade.
“O difícil é entender como os russos pensam, que é muito diferente da maneira brasileira”, considerou Douglas. “Eles têm uma maneira de agir mais direta do que nós brasileiros, e isso foi um tanto difícil de se aprender.”
O pró-reitor da universidade aposta no humor dos brasileiros para temperar o caráter mais fechado dos russos.
“Acho que os brasileiros podem trazer pra cá abertura e positividade, que é uma característica deles. Para os russos, que vivem nesse clima rigoroso, isso é um aprendizado”, concedeu Vlasov.
Participantes do Fórum Econômico do Oriente visitam pavilhões de exposição, Valdivostok, Rússia, 6 de setembro de 2022
© Sputnik / Pavel Bednyakov
Por outro lado, o pró-reitor relata que os brasileiros aprendem russo rápido, e são mais parecidos com seus colegas do norte do que imaginam.
“Acho que a nostalgia e profundidade retratada nos livros de Dostoievsky são muito próximas do significado daquela palavra especial da língua portuguesa: saudades”, disse Vlasov. “Brasileiros e russos estão próximos nesse sentido existencial.”
Conflito ucraniano
Desde fevereiro de 2022, o conflito ucraniano vem colocando novas dificuldades para os brasileiros residentes na Rússia, principalmente para os que dependem de dinheiro enviado do exterior para arcar com os custos de moradia e alimentação.
“O conflito entre a Ucrânia e a Rússia dificultou bastante a vida dos estudantes estrangeiros, principalmente depois do corte do sistema [de pagamentos] SWIFT, que dificulta as transações financeiras do Brasil para cá”, relatou Luiza.
Douglas também passou por essa dificuldade, mas revelou que “é, sim, possível receber dinheiro de fora”.
“Agora todo mundo já se estabeleceu e encontrou a sua forma de transferir recursos […], mas no começo foi difícil”, revelou Luiza.
Desembarque de uma companhia de fuzileiros navais da Frota do Pacifico usando veículos blindados de transporte de pessoal BTR-82A de bordo do navio de desembarque Peresvet em Vladivostok, 2018
No entanto, o pró-reitor relata que os alunos que tiveram mais dificuldades foram justamente os oriundos de países que impuseram as sanções econômicas contra a Rússia.
“No final, eles foram os que mais sofreram. A ideia era prejudicar a Rússia e os russos, mas acabaram prejudicando mais os seus próprios cidadãos”, declarou Vlasov. “Tivemos que colocar muita energia para ajudar esses alunos a lidar com os efeitos deletérios das ações empreendidas pelos seus próprios governos. Talvez por isso muitos deles optaram por permanecer conosco.”
Apesar das sanções econômicas e retórica acalorada por parte de alguns países, Vlasov relata que o número de estudantes internacionais na FEFU não diminuiu.
“Nosso contingente de alunos internacionais segue praticamente o mesmo, e isso mostra que a política de sanções é insustentável”, disse o pró-reitor. “Se no ano passado contávamos com estudantes de 74 países na universidade, nesse ano temos 79, inclusive da América Latina.”
Apresentação artística em trajes tradicionais durante o V Fórum Econômico Oriental em Vladivostok, Rússia
Os escritórios da universidade em capitais internacionais como Tóquio, Nova Deli e Pequim, assim como a sua filial na ilha japonesa de Hokkaido, também continuam funcionando.
“A FEFU não vai fechar suas portas, vai manter todos os seus contatos e programas educacionais, assim como os nossos parceiros, inclusive de países que impuseram sanções, mantiveram os planos de trabalho. Os estudantes seguem estudando, as pesquisas continuam sendo feitas e nossos escritórios continuam abertos”, concluiu o pró-reitor da universidade.
Entre os dias 5 e 8 de setembro, o campus da FEFU recebe o Fórum Econômico do Oriente, evento anual que reúne especialistas e autoridades de países asiáticos. No dia 7 de setembro, o fórum contou com a presença do presidente russo, Vladimir Putin.