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quinta-feira, 28 março, 2024

‘Lutar também é uma forma de diálogo’, diz a nova presidenta da UNE

Foto: Bruno Bou/Cuca da UNE
Marianna DiasMarianna Dias
Segundo ela, essas reformas, que não cria empregos, os torna mais precários e afastam a possibilidade de aposentadoria preocupam os estudantes que estão se preparando para entrar no mercado de trabalho. Além disso, a emenda à Constituição que estabeleceu teto para os gastos públicos, primeira medida do mandato de Temer, representa um ataque frontal à educação. “Assumo, sem dúvida, o maior desafio da minha vida”, diz Marianna.
Em entrevista à RBA, a nova presidenta da UNE diz também que programas como o Prouni e o Fies correm riscos de serem desmontados a qualquer momento, e que não há diálogo possível com a atual gestão do ministério da Educação, a não ser o diálogo das ruas. “Para nós, lutar também é uma forma de diálogo.”
Militante da União da Juventude Socialista (UJS), a estudante afirma que, nesse cenário nebuloso para os rumos de democracia no Brasil, há de se comemorar o aniversário de 80 anos da UNE, em agosto. E a comemoração, segundo ela, vai ser com “mobilização, passeatas e muita irreverência, que é uma marca dos estudantes.”
Suas antecessoras na presidência da UNE viram a eclosão das manifestações de junho de 2013 e a crise do impeachment, em 2016, entre os principais eventos. O que esperar para os próximos dois anos?
 Busco sempre carregar a esperança de que, mesmo com tantas dificuldades, a gente consiga presenciar no próximo período grandes mobilizações de toda a população para resistir e não permitir que o atual governo ilegítimo retire os direitos dos trabalhadores.
Houve as Jornadas de Junho, depois as mobilizações contra o impeachment, agora a nossa expectativa é que, nesses próximos dois anos, a gente consiga protagonizar grandes manifestações de rua, de pressão da população, contra a retirada dos direitos, que tem sigo algo muito acelerado no Brasil.
 Em menos de um ano, Temer já conseguiu fazer um estrago nas conquistas históricas da população, dos estudantes, como a aprovação da PEC 55, colocando em pauta no Congresso projetos que visam apenas à retirada de direitos. Nosso grande esforço é para que a gente consiga mobilizar os estudantes e a população.
O primeiro desafio em sua gestão é a greve geral do dia 30?
Sem dúvida nenhuma. No dia 30, já vamos ter condições de meter a mão na massa para fazer a nossa gestão mostrar a que veio. Nossa intenção é que, no dia 30, a gente consiga construir, junto à rede do movimento estudantil – centros acadêmicos, DCEs e UEEs – grandes paralisações nas universidades, para que a gente conscientize os estudantes a entrarem na greve geral não só para apoiar, mas para protagonizar, como atores da greve, paralisando aulas, que permitirão que a gente tenha uma mobilização cada vez mais forte.
Essa costura avança, sobretudo, porque, no nosso congresso, aprovamos uma carta mobilizadora, em unidade com todo o campo democrático popular que compõe a UNE, para os estudantes entrarem na greve, no dia 30, para que, em agosto, a gente consiga construir a jornada de luta da juventude estudantil. É uma jornada tradicional. A UNE sempre escolhe o mês do seu aniversário para comemorar com luta. Em especial, neste ano, os estudantes estarão nas ruas.
Como é estar à frente da entidade às vésperas de completar 80 anos?
A gente comemora muito. No momento político que o Brasil vive, a UNE completar 80 anos, com tanta autoridade e fortalecimento, com 15 mil estudantes participando do maior congresso da nossa história, sem dúvida nenhuma comprova a força dos estudantes e o quanto a UNE está viva e o quanto ela é importante para o processo político que o Brasil tem vivido. Vamos comemorar, sim, mas vamos comemorar nas ruas. Com mobilização, passeatas e muita irreverência, que é uma marca dos estudantes.
Assumo, sem dúvida, o maior desafio da minha vida, compreendendo todas as responsabilidades que a nossa geração tem, bem como todas as dificuldades. Mas costumo dizer que essa é uma geração preparada. Os estudantes que compõem a UNE e a rede do movimento estudantil são estudantes preparados para dar conta de toda a dificuldade que a nossa geração enfrenta.
Nesse momento, as pautas mais gerais do combate às reformas do governo Temer se sobrepõem às lutas estudantis mais específicas? Como se articulam?
A gente sempre busca conversar com os estudantes sobre como barrar as reformas da Previdência e trabalhista, é uma pauta nossa também. Os jovens que estão hoje concluindo a sua vida acadêmica têm pouca perspectiva de ter uma aposentadoria na vida. Os que estão nas universidades buscando aprimorar sua mão de obra, buscando uma formação acadêmica para ir para o mercado de trabalho mais capacitados vão deparar com a lei da terceirização, que precariza, de forma exagerada, os postos de trabalho no país.
 A gente tem tido preocupação muito grande por conta de uma ação concreta do governo, quando aprovou a PEC 55, que impõe um teto para os gastos públicos, e que coloca em risco a educação pública. Vai comprometer o orçamento das universidades e, quando isso acontece, a alternativa sempre apresentada para vencer a crise de orçamento é a cobrança de mensalidade. Temos feito uma grande campanha, ao lado dessas questões centrais como as reformas, em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade, bem como a defesa do Fies e do Prouni que, na nossa opinião, também podem estar em risco.
O governo Temer pode desmontar o Fies e o Prouni?
O que a gente percebe é uma tentativa de desmonte geral do Estado. Essa proposta de desmonte, que se contrapõe ao projeto político que esteve em curso durante 13 anos – representado por Lula e Dilma – coloca em risco grandes conquistas desse período.
Sem dúvida nenhuma, a valorização da educação não é prioridade desse governo. Não se quer gastar dinheiro nem energia ou dedicação para pensar uma educação cada vez melhor para o Brasil. Por isso, a gente tem alertado para a necessidade de defender esses programas.
É possível algum tipo de negociação com o Ministério da Educação ocupado por Mendonça Filho?
Temos um governo fechado ao diálogo com os movimentos sociais. A UNE carrega uma irreverência muito grande na sua forma de agir. Para nós, lutar também é uma forma de diálogo. Quando a gente apresenta grandes passeatas de rua pedindo a retirada de tantos projetos que colocam em risco os nossos direitos é uma forma também de dizer que o nosso diálogo é feito nas ruas. Não se dialoga apenas em uma mesa de negociações.
Enquanto houver tentativas de retirar direitos, resistiremos. E essa também é uma linguagem, uma forma de interlocução, com as nossas vozes ecoando não só através de uma reunião, mas principalmente através de milhares nas ruas.
Quando assumiu a presidência, em, 2015, Carina Vitral afirmou à RBA que “a direita ainda não ganhou a juventude”. Como a UNE analisa o avanço do conservadorismo entre os mais jovens e qual o seu papel?
A direita não ganhou a consciência da juventude, e está distante de ganhar, inclusive. A cena do Congresso da UNE, o maior da história, que conseguiu mobilizar 98% das universidades do país, o fortalecimento da entidade em reconhecimento às suas posições políticas, são sinais de que conseguimos dialogar com a juventude e que ela tem dado respostas.
Se pararmos para observar a faixa etária das manifestações que aconteceram durante a crise do impeachment, tinham muito mais jovens contra o afastamento da presidenta Dilma que a favor. Agora, os movimentos da direita, ligados ao governo Temer, tiveram a obrigação de tentar dialogar com a juventude, por conta do seu grande potencial. O fato de a direita querer disputar a UNE, de dedicarem enorme tempo nas redes sociais, demonstra quanto o campo democrático-popular tem uma maior inserção na juventude e o quanto eles estão atrasados nisso.
A gente percebe que tem um setor da juventude apoiando diversos posicionamentos contraditórios e muito perigosos de certos políticos. Tem jovens que apoiam esses pensamentos. O nosso papel é disputar a consciência da juventude. Mas a UNE não começou a disputar a consciência da juventude só agora. Começamos há 80 anos. É um processo histórico que gera frutos, e o nosso papel é honrar essa trajetória.
O que significa uma estudante de Pedagogia à frente da UNE?
Significa que a UNE fica ainda mais ligada à educação, ao poder que a educação tem de libertar as pessoas. A UNE existe para disputar o movimento estudantil porque a gente acredita que a educação é um caminho rápido para transformar a vida das pessoas. Quando as pessoas têm mais acesso, mais oportunidades, mais informações, elas ficam mais perto de transformar suas realidades. A gente mudou muito a vida das pessoas nesses últimos 13 anos. Ter alguém ligada à área da Educação representa essa luta por resistência.
Quando a gente organiza o movimento estudantil, é porque a gente acredita que a educação liberta as pessoas. Quando se quer retroceder e destruir uma Nação, a primeira coisa que se mexe é na educação, no cerceamento das informações, no poder de adquirir conhecimento. Durante muito tempo, o Brasil fez isso. Por outro lado, a gente percebeu que mudou a cara do país, nos últimos 13 anos, porque mudou a educação.
Agora, a primeira coisa que fizeram foi aprovar um teto de gastos que inviabiliza o Plano Nacional de Educação. A primeira ação desse governo foi a PEC do teto. “Gasto” público é educação, é saúde. Todas essas medidas, como a reforma do Ensino Médio, a “Lei da Mordaça” – projeto chamado Escola Sem Partido – e todas essas ações de tentativa de enquadrar a educação e cercear o pensamento crítico é também uma disputa de projeto de sociedade.
Com esse cenário nebuloso, como imagina entregar o cargo, em 2019?
Espero que, daqui a dois anos, eu passe o bastão com a democracia restabelecida através do voto popular, com o povo podendo eleger o presidente da República e, assim, vencer todo esse processo de resistência, para passarmos a um processo de pressão por avanços, para mudar cada vez mais. É um horizonte ousado. Mas essa é a cara da juventude.Leia também:
Os 80 anos da UNE – ampla e unitária
Rede Brasil Atual

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