Até tornar-se a potência global dos dias atuais, a China trilhou períodos históricos de muitas dificuldades político-econômicas, resultantes, sobretudo, de invasão, pilhagem, extorsão e chantagem praticadas pelo Reino da Inglaterra, que à época dominava a economia mundial e cobiçava o mercado interno chinês e riquezas do gigante asiático, tais como minérios e tecidos, além de rotas comerciais. Com apoio e participação de outros países que também aspiravam subjugar nações menos desenvolvidas economicamente, os ingleses invadiram territórios chineses para impor seu plano de dominação sobre o governo imperial e o povo daquela nação milenar.
Um dos métodos que a potência europeia utilizou para alcançar seu intento foi a disseminação de vício em ópio entre a população chinesa. No livro “As Guerras do Ópio na China e os Tratados Desiguais” – que acaba de ser lançado pela editora Observador Legal –, o jurista, professor e jornalista Durval de Noronha Goyos Jr. analisa os acontecimentos que marcaram a ação imperialista inglesa e o declínio do império chinês no período conhecido como a “grande humilhação”, ou “século da humilhação”, de 1840 e 1940. A obra traz uma perspectiva diversa daquela de historiadores ingleses e norte-americanos, que buscam justificar os crimes contra a humanidade então cometidos.
O vício em ópio na China era insignificante antes das ações da pirataria inglesa, quando o consumo da droga era combatido com medidas drásticas pelas autoridades locais. Como consequência da disseminação do entorpecente, associada à pressão demográfica e a desavenças religiosas causadas pela chegada de seitas missionárias, houve fragilização e empobrecimento da população chinesa, ao mesmo tempo que essa situação incensava nela revoltas contra o governo imperial. Cenário propício à desestabilização política e à ruína econômica, que abriam espaço para os negócios dos ingleses e seus sócios minoritários na região.
Aquela foi a época em que as autoridades chinesas, com pouco poderio militar, sem força para enfrentar as potências hegemônicas e presenciando sua população cair na miséria – sendo que uma parcela sucumbiu ao vício incentivado pelos ingleses –, viram-se forçadas a fazer dramáticas concessões políticas e territoriais, como ceder Hong Kong para o Reino Unido, diversos portos e entrepostos para aliados dos ingleses e áreas da Manchúria para o Japão, além de se submeter a uma série de acordos comerciais draconianos que favoreciam países ocidentais. As próprias alfândegas chinesas foram entregues aos ingleses.
O sucesso dessa política de agressão fez com que o ópio se tornasse a principal mercadoria do comércio mundial naquele período e proporcionasse uma grande afluência econômica à Inglaterra, cujo governo, para além de suas próprias forças, valeu-se não só das revoltas internas contra o imperador, mas de agentes privados e suas milícias para saquear riquezas do país asiático. A pirataria inglesa foi auxiliada por pastores evangélicos, acadêmicos liberais – que justificaram o tráfico de entorpecentes como livre comércio – e, ainda nos dias de hoje, por negacionistas históricos.
Especialista em direito do comércio internacional, Noronha aborda a evolução histórica do ópio, a chegada dos europeus à Ásia, no início do século 16, o tipo de comércio praticado antes da introdução criminosa da droga, os conflitos propriamente ditos, os tratados desiguais que os encerraram e suas consequências na história econômica mundial.
Após 15 anos de pesquisas e entrevistas, o jurista expõe como os tratados com a China, com todas as concessões extorquidas, se tornaram modelo para a espoliação de outros países em desenvolvimento. Da mesma maneira, princípios depurados com a exploração imperialista, como o da “cláusula da nação mais favorecida”, foram depois incorporados ao regime multilateral de comércio, para melhor dilapidação de economias mais vulneráveis.
A esse respeito, ele observa que “ali foram criadas, implementadas ou aperfeiçoadas práticas de política externa, regras comerciais e conceitos jurídicos posteriormente aplicados pelas potências hegemônicas, notadamente pelos Estados Unidos, para exploração de povos em várias partes do mundo”.
No prefácio, o professor Marcos Cordeiro Pires, do Departamento de Ciências Políticas e Econômicas da Unesp em Marília (São Paulo), escreve que a obra oferece ao leitor uma “aproximação com um tema central na construção da ordem mundial tal como a conhecemos hoje”, ao lembrar que os eventos daquela época foram sucedidos, em 1949, pelo advento da República Popular da China, sob a liderança de Mao Tsé-Tung, que anunciou que o “povo chinês estava novamente de pé”. Para o professor, que também é dirigente do Instituto Confúcio na Unesp, vale a pena se debruçar sobre o tema dos tratados desiguais, impostos pelas potências vencedoras, para se conhecer o modus operandi delas, ontem e hoje”.