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segunda-feira, 9 dezembro, 2024

Legado de Hugo Chávez para Venezuela, América Latina e o mundo

(Prensa Latina) Amor, trabalho e estudo; e luta e compromisso, poderiam sintetizar o legado do comandante-presidente Hugo Chávez, em opinião de Víctor Rios, consultor em temas de geopolítica e economia internacional, especializado em América Latina.

Rios, que é investigador do Centro de Estudos sobre Movimientos Sociales de la Universidad Pompeu Fabra de Barcelona, aprofundou neste e em outros temas da atualidade latino-americana durante uma entrevista com a Prensa Latina nesta capital.

-PL: Nos momentos que a Venezuela e a América Latina e o Caribe vivem um palco complexo, quão importante você julga que é o legado do comandante-presidente Hugo Chávez?

-VR: Parece-me fundamental porque ainda que só tenham passado três anos de sua partida já há uma verdadeira perspectiva histórica para ver a importância de seu legado para Venezuela, América Latina e o mundo.

Para a Venezuela, pelos direitos restituídos a seu povo; pela dignidade e a consciência política como instrumento conquistado por seu povo graças ao empenho de Chávez e dos bolivarianos, com uma Constituição das mais avançadas, com direitos não reconhecidos em grande parte do mundo desenvolvido, direitos que fazem bastante falta aqui no norte.

Um legado à região, na construção de uma América Latina soberana, independente do império norte-americano. Chávez pôde encarnar as ideias de José Martí e Simón Bolívar de independência e soberania construindo o que poderíamos chamar anéis de proteção dos povos latino-americanos frente ao império.

Um primeiro anel: a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América e Caribe, que têm sido bem importante para a independência dos países caribenhos com respeito a sua dependência da América do Norte.

Um segundo anel: Mercosul e Unasul, também importantes para a reconstrução de uma América do Sul soberana; e um terceiro anel: a Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos.

Esse é o legado de Chávez, junto com outros líderes e povos como Cuba, Equador, Bolívia e Nicarágua. Tem mudado o mapa de América Latina e pegou de surpresa o império norte-americano ocupado em suas aventuras bélicas interessadas no Oriente Médio, por exemplo.

Também é um legado para o mundo em vários sentidos. Para os povos, porque retomou a atualidade do socialismo como alternativa ao neoliberalismo e ao capitalismo. Chávez teve audácia, coragem e integridade para propor a contra-corrente e atualidade, necessidade e possibilidade do socialismo.

Mesmo que ele propusesse assim claramente, Cuba estava sozinha na construção socialista em América Latina. Agora Cuba já não está sozinha, pois outros países da região têm empreendido caminhos para transcender ao neoliberalismo, e uma opressão política e cultural, e uma exploração econômica própria de um modo que está em crise.

Tudo isso, legado para Venezuela, América Latina e para o mundo, na construção de uma nova geopolítica, em pôr a atualidade do socialismo, em pôr ferramentas para uma multipolaridade, exigindo a reforma de Nações Unidas e, ao mesmo tempo, estabelecendo alianças com as chamadas economias emergentes, com países como China, Rússia e a Índia, entre outros.

Em momentos em que o império norte-americano quer desembaraçar sua aventura no Oriente Médio , que o levou a bastante derrotas e muita despesa, e quer recuperar o que sempre tem entendido como seu pátio , é importante que os povos latino-americanos sejam conscientes do valor desse legado e o defendam.

O legado de Chávez poderia ser sintetizado como amor pelos mais próximos, a seu próprio povo e à humanidade; trabalho e estudo como um binômio muito potente para entender e avançar; e luta e compromisso individual e coletivo, transformar-nos e melhorar como seres humanos, além de ajudar à transformação da sociedade.

PL: Qual atuação você espera da integração existente na América Latina e do Caribe para atuar frente ao complexo palco que nos propõe a região?

VR: Há que se atuar a partir dos governos e as instituições criadas nos últimos anos e desde os movimentos sociais e populares. Essa sinergia é imprescindível.

Acho que os governos têm de manter-se firmes e proteger o construído frente a ofensiva do império norte-americano que tem lançado um eixo econômico pelo Pacífico para contrapor-se aos mecanismos como a Aliança Bolivariana para os Povos de Nossa América, Petrocaribe e Mercosul.

Temos tido nestes últimos meses uma série de acontecimentos adversos. A vitória do neoliberal Mauricio Macri na Argentina. O povo argentino já está na rua defendendo os direitos que Macri quer roubar, direitos adquiridos durante todos estes anos.

Sobre o referendo da Bolívia eu considero um episódio menor e reversível que se aprende dos possíveis erros e insuficiências neste momento.

Em Cuba, tenho a impressão de que o império segue aplicando dois pesos, duas medidas, já que procura a normalização política, mas não acaba com um bloqueio que é extraordinariamente fracassado, doloroso para o povo cubano e que faz frente a toda a comunidade internacional.

Aí há uma dupla atitude do império norte-americano. Não hesito em seguir o qualificando de império porque, ainda que esteja em declínio, sua vocação tem sido e segue sendo imperial. Seu retrocesso no conjunto da geopolítica mundial é o que o está levando a uma ofensiva na América Latina para recuperar a posição nessa região.

Os povos devem ser mantido alerta. Os povos e os movimentos não podem delegar a participação, a ação política só aos governos que têm escolhido.

O governos precisam da mobilização popular, e elevar a consciência quer dizer perceber as ameaças antes de que se materializem como no caso de Argentina. Às vezes aprende-se por antecipação -é o desejável- e às vezes por choque. O povo argentino vai sofrer o choque das medidas que impõe Macri.

Se na Venezuela, a direita, que ganhou a Assembleia Nacional há três meses, conseguisse tirar do papel as privatizações e as medidas que propõe, também o povo venezuelano viveria em suas peles um retrocesso, mas duvido que a direita venezuelana esteja em condições e seja capaz de por em prática medidas que legisla, algumas delas, claramente inconstitucionais.

-PL: Como você percebe, enquanto estudioso, os acontecimentos recentes na região como o fato da direita ser a maioria na Assembleia Nacional na Venezuela, a chegada ao governo de Macri na Argentina e os resultados do referendo na Bolívia?

-VR: Eu não acho que a história seja linear nem creio em conquistas irreversíveis, mas sim acho que há lucros históricos que, apesar de se transitar por conjunturas adversas como a atual, podem ser mantido.

Os processos revolucionários não são lineares, têm fluxos e refluxos, como a luta popular. Depois de anos de claro avanço de políticas sociais e progressistas, ocorre um verdadeiro cansaço dos povos que têm obtido direitos que já consideram como outorgados e, por tanto, não se dão conta do valor desses direitos em muitos casos.

Olham e pensam que o que as revoluções têm conquistado é terreno ganho, irreversível. O povo está também mais exigente -porque a consciência política tem aumentado- e passa a pedir melhor gerenciamento dos governos. E aí saltam aos olhos as debilidades no gerenciamento de alguns dos governos progressistas latino-americanos. Também tem tido uma cobrança sem consciência política suficiente em muitos setores populares para ver os riscos de perder o que se tem e a necessidade de seguir mudando o sistema de valores e seguir avançando para um sistema de valores compatível com a ecologia, com a igualdade social.

Isso é todo um trabalho de luta cultural e de ideias; às vezes, inclusive vanguardas revolucionárias que se ocuparam do gerenciamento nos últimos tempos, têm deixado de lado esse campo da luta de ideias, da luta cultural.

-PL: Considera então que entre as principais lições que se desprendem desse proceso é não ficarmos desmobilizados, estar alerta e, como dizia Chávez, prezar pela unidade, unidade e mais unidade?

-VR: Absolutamente. Estou convencido de que a desmobilização trabalha em prol da perda dos direitos que se supõe já adquiridos, como irremovíveis. É desmobilização de força na rua e de consciência, cultural e social.

Há que seguir semeando no campo da luta de ideias e da mobilização social para poder seguir recolhendo no terreno político, no terreno institucional. Se seca-se a luta de ideias e a mobilização social, é muito difícil que sigam se mantendo vivos os processos de transformação nas instituições.

As instituições precisam de fôlego no cangote da vigilância moral, ética e dos desafios culturais para seguir avançando.

É importante nestes momentos de incerteza no contexto geopolítico internacional, não ser presos pela confusão interessada que semeiam os meios culturais do império, que os tem e são muito potentes.

*Corresponsal de Imprensa Latina no França.

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