Foto: Gustavo Moreno/STF
Pedro Augusto Pinho*
“Como de hábito na Terra de Santa Cruz, a conspirata golpista envolveu os “homens de bem”, tal como os parlamentares do Centrão. Esses senhores, eleitos pelos ressentidos, patrocinam o Projeto Lei da Anistia. Assim como em 1964, a galera golpista deita falação sobre democracia” e “Bolsonaro não tem empatia, sua personalidade de homem humilhado e fracassado exige confronto permanente com tudo e com todos. Com a cabeça no travesseiro ele sofre as dores do sentimento de inferioridade cevado nos baixios de sua ignorância” (Luiz Gonzaga Belluzo, “O STF e a defesa da democracia”, Carta Capital, Edição Especial, Ano XXXI nº 1379, 17 de setembro de 2015).
“UM DIVISOR DE ÁGUAS NA HISTÓRIA DO BRASIL”, LUÍS ROBERTO BARROSO
O professor da Universidade de Yale, Roberto Sabatino Lopez, em sua “Naissance de l’Europe” (1962), escreve no Prefácio: “O termo “Idade Média” deve ser o mais desastrado de todos esses inúmeros rótulos que nós, historiadores, continuamos por hábito a opor a cortes arbitrários do passado. Porque toda época é, se quisermos, uma “idade média”, uma transição entre passado e futuro. Aquela a que chamamos medieval – o milênio entre o IV e o XIV séculos – só foi transição verdadeira entre a agonia da civilização mediterrânea clássica e a gestão da civilização europeia moderna”.
O que constituía a civilização mediterrânea clássica senão a Respublica Romana, quando toda a população, inclusive as classes trabalhadoras, participavam da administração de Roma e qual a agonia que não outra do que a sujeição de uma imensa nação a uma religião onde o homem era servo e o Senhor estava nas nuvens, era uma criação antiga para dar identidade específica e continuidade ao povo judeu. Barbárie, respublicas, impérios são modos de descrever as transformações das sociedade construída pelas cabeças e mãos dos que lá habitavam.
A História do Brasil é de uma sequência de subordinações ao colonizador europeu, para onde se voltavam e prosseguem voltando os brasileiros quando precisavam dar qualquer solução a questões de diversas naturezas e amplitudes. Quão diferente da França que François Guizot contou a seus netos (“L´histoire de France racontée a mes petits-enfants”, 1869), onde se lê:
“Vocês habitam, minhas crianças, um país há muito civilizado e cristão, e, apesar de imperfeições assim como misérias sociais, trinta e oito milhões de homens vivem em segurança e em paz, sob leis iguais para todos e eficazmente mantidas. Vocês têm razão de grandes desejos para nossa pátria e de a querer cada vez mais livre, gloriosa e próspera; mas é necessário ser justo com nosso tempo e apreciar todo valor dos bens já conquistados e do progresso alcançado”.
UMA AÇÃO PENAL COM INEDITISMO HISTÓRICO
A ação penal 2668 teve desfecho surpreendente, não apenas pela quase unanimidade dos votos da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), como pela presença do decano daquela instituição, Ministro Gilmar Mendes, que compõe a 2ª Turma do Tribunal, como do Presidente do STF, Luís Roberto Barroso, na última sessão que estabeleceu a pena dos réus por quatro dos cinco votos daquela Turma.
Realmente quiseram demonstrar às mídias, nacionais e estrangeiras, e ao povo que havia ampla maioria da mais alta corte de justiça do Brasil para condenação da cúpula golpista, composta de um ex-presidente e quatro oficiais militares da mais alta patente.
Como houve diversas intervenções do atual governo dos Estados Unidos da América (EUA) durante o decorrer do processo em favor dos golpistas, em sua curta fala, o Presidente Barroso afirmou que aquele episódio era “um divisor de águas na História do Brasil” e nas suas palavras “espero que tenha sido encerrado o ciclo do atraso, marcado pelo golpismo”.
Lançado em abril de 2025, “Utopia Autoritária Brasileira”, do historiador Carlos Fico, enumera como “os militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até hoje”. No entanto, os conceitos de democracia têm variando ao longo da história da humanidade desde a composição grega de governo do povo. Neste século XXI temos as representativas e as diretas, estas últimas aquelas que toda população, a partir de idade determinada, participa das decisões.
Porém, para que se entenda o sentido do “povo no poder”, é fundamental que se conheça quem é o poder. De modo geral, no ocidente, desde 1980, o poder tem sido das finanças apátridas que se tornam dominantes a partir de 1991. Se as finanças estadunidenses são mais fortes ou poderosas do que as europeias, não significa que as europeias não dominem determinada economia ou processo de movimentação monetária, real ou virtual.
Por conseguinte é necessário, diria mesmo imprescindível, que a instrução não apenas a escolar, que é básica e insubstituível, mas a que chega a todas as pessoas pela comunicação de massa e pelas plataformas virtuais sejam formadoras da consciência da soberania nacional e da permanente construção da cidadania.
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A INSTRUÇÃO NO BRASIL
Os 400 anos de escravidão no Brasil impediram até a Proclamação da República que houvesse a instrução universal, laica, integral, pública e, consequentemente, gratuita. A Doutora em Educação, professora e escritora Ana Maria Gonçalves, no livro organizado por ela, do qual participam 22 outros Doutores em Educação, “Estado e Igreja” (2020), escreve na “Apresentação”: “a organização da educação escolar no Brasil teve início no período colonial. Esse processo contou com a colaboração da Igreja Católica através da ação de diferentes ordens religiosas”.
Prossegue Ana Maria Gonçalves: “Uma dimensão que não se pode perder de vista é o fato de que o Estado brasileiro por um longo período optou por investir em um determinado nível de ensino, deixando os demais, a chamada educação básica, sob iniciativas diversas: instituições particulares, especialmente de credo cristão, estados e municípios. Desse modo, o ensino secundário, por exemplo, até a década de 1960 foi dominado pela esfera privada”.
Doutor Wolney Honório Filho, que prefacia a obra “Estado e Igreja”, alerta para a conjuntura que atravessávamos nos primeiros seis meses de 2020. “Marcada pela pandemia provocada pela propagação do Coronavírus (Covid-19)… agrava-se no Brasil, quando assistimos à atuação desastrosa do Governo Brasileiro para enfrentar a situação e, de modo especial, com a desorientação do Ministério da Educação, incapaz de propor uma política nacional de educação que respeite o humano”. Neste Ministério fazia-se notar a presença de ministros que, além de mentirem sobre suas formações acadêmicas/intelectuais, defendiam a privatização da educação no Brasil. Note-se que a análise se refere ao período em que Jair Bolsonaro presidiu o País: 1º de janeiro de 2019 a 31 de dezembro de 2022, sendo ministros Ricardo Vélez Rodriguez (1/1 a 8/4/2019) e Abraham Weintraub (9/4/2019 a 19/6/2020).
A primeira vez que a Instrução ganhou a cúpula administrativa brasileira durou 17 meses e 11 dias, quando Benjamin Constant Botelho de Magalhães foi Ministro da Instrução Pública, Correios e Telégrafos (19/4/1890 a 17/1/1891) e o período restante ficou sem registro até que fosse incorporada nas atividades do Ministério da Justiça e Negócios Interiores (30/10/1891).
Foi Getúlio Vargas quem, onze dias após ser designado Presidente do Governo Provisório, criou o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública (14/11/1930). O primeiro ministro foi Francisco Campos que conduziu a educação de 6/12/1930 a 15/9/1932. Até o Golpe de 1964, o Brasil teve 20 ministros da educação, no período dos governos militares, onze, e desde março de 1985, 23, incluindo os quatro designados por Bolsonaro, e o atual ministro.
A Justiça como instituição do Estado existe desde Tomé de Sousa (1549) com a designação de Ouvidor-mor. Após a Proclamação da República o Brasil já teve 110 Ministros da Justiça.
Portanto a euforia do Ministro Luís Roberto Barroso é perfeitamente compreensível e está mais coerente com nossa história. Mas seria a Justiça a garantidora do encerramento do ciclo do atraso? Quer nos parecer que a resposta é negativa. Quem pode alijar do futuro do Brasil o golpismo é a instrução.
E não é por outra razão que desde Benjamin Constant Botelho de Magalhães, passando pelas iniciativas de Getúlio Vargas, de Leonel Brizola, e dos grandes educadores, pedagogos que tivemos desde o Império, a educação cabe no “Teto de Gasto”, mas não os juros das dívidas não auditadas. A única auditoria em nossa história foi determinada por Getúlio Vargas, em 1931, resultando na industrialização e nos benefícios trabalhistas e sociais.
A PRIORIDADE NACIONAL CONTRA O GOLPISMO
Precede qualquer medida de ordem política ou jurídica no Brasil a formação do povo. E nisso não estará sendo original a não ser na estruturação do sistema educacional, que obviamente deve estar coerente com a cultura e o espírito do povo, ou seja, com a formação do povo brasileiro. Episódio como do 7 de setembro na avenida Paulista, em São Paulo, onde se estendeu a bandeira dos EUA ao invés da brasileira, apenas demonstra o espírito golpista do governador do Estado, coronel Tarcísio de Freitas, que dirigia a manifestação.
Enquanto a manifestação em Brasília, em honra ao dia da Pátria, iniciava por nove jovens portando as letras que compõem a palavra SOBERANIA.
O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi lançado em 1932. Redigido por um grupo de intelectuais liderados por Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira e Lourenço Filho, o documento propunha reforma profunda na educação brasileira. Defendia a educação pública, laica, gratuita e obrigatória, como direito de todos os cidadãos e dever do Estado. Aparentemente, exceto Getúlio Vargas, apenas Leonel de Moura Brizola recebeu o recado, pois Governador do Rio Grande do Sul e, por duas vezes no Rio de Janeiro, a educação pública foi sua principal ação governamental.
Todas as matizes políticas se uniram, dos comunistas aos golpistas de extrema direita, para inviabilizar o êxito do projeto de Anísio Teixeira e, com Brizola, daquele de Darcy Ribeiro, que pelo curto período de 18 de abril de 1962 a 23 de janeiro de 1963 fora Ministro da Educação.
Por que esta maioria oposicionista? Porque o Brasil, como já assinalamos, tem sido uma colônia, de portugueses, espanhóis, ingleses, estadunidenses, além de ter referências europeias para organização de instituições de toda natureza, substituídas pelos EUA após a II Grande Guerra.
Esta subserviência que levou Donald Trump a punir o Brasil e membros do STF com impedimentos e tributação e leis estadunidenses. Sabia que a falta de instrução no Brasil não faria levantar o nacionalismo, a soberania, pois falta ao povo a cidadania que tem início nos bancos escolares e por toda vida prossegue com as comunicações de massa que devem ser atribuídas em partes iguais ao poder público, às organizações sindicais, associações profissionais e outras associações populares e aos capitais nacionais. Infelizmente, em nossos dias, a participação de plataformas estrangeiras, de Mark Zuckerberg (Meta), Elon Musk (X), Jeff Bezos (Amazon), Larry Ellison (Oracle), Bill Gates (Microsoft), Larry Page e Sergey Brin (Alphabet), Jensen Huang (NVidia) e de Warren Buffet com sua Berkshire Hathaway dominam as comunicações eletrônicas e virtuais no Brasil.
*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado e membro do Conselho Editorial do Pátria Latina.