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Empresas estrangeiras empregaram 17% de pessoas (cerca de 553 mil) em Portugal em 2019, divulgou o Instituto Nacional de Estatísticas nesta semana. O Brasil se destacou com 10,4% do controle de capital no setor imobiliário e de construção entre firmas internacionais com maior número de trabalhadores.
Os brasileiros ficaram atrás apenas de espanhóis (22,9%) e franceses (18,1%) no ramo de construção e atividades imobiliárias. No total, o setor congregava 1.675 empresas estrangeiras em 2019, com crescimento de 13,5% em relação ao ano anterior, de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatísticas (INE). O número de pessoas empregadas na área cresceu 11,9% no período, chegando a 17.220 postos de trabalho no ano passado.
O empresário carioca Marcelo Marotta contribui para esse crescimento. Ele deixou o Brasil no segundo semestre de 2017 descontente com a carga tributária elevada e com a violência do Rio de Janeiro. Mudou-se para o Barreiro, na Margem Sul de Lisboa, onde familiares moravam. Com dificuldades para se recolocar na sua área no mercado português, ele começou a trabalhar como consultor imobiliário numa agência da Century 21 próxima à sua casa. Com seu talento comercial, logo se destacou, chegando a ser o quinto maior vendedor da multinacional na Península Ibérica e o primeiro da rede em volume de negócios e faturação da Margem Sul e Alentejo.
O sucesso fez com que Marotta criasse sua própria marca, abrindo a agência imobiliária Quality Real Estate. Hoje, ele emprega quatro funcionárias (gestora processual, coordenadora, especialista em recrutamento e gerente administrativa), além de ter mais de 20 consultores que trabalham para sua empresa, a maioria de portugueses, como ele conta em entrevista à Sputnik Brasil.
“Para mim, é uma satisfação fazer o caminho inverso, poder retribuir aos portugueses o que eles fizeram por mim e fazem para muitos outros brasileiros quando chegamos aqui, que é abrir portas e dar oportunidades. Continuo atuando e gerindo a empresa. Não deixo de fazer negócios, mas com clientes mais próximos, que fazem questão de que sejam atendidos por mim. Tenho por volta de 20 a 25 consultores, a maior parte deles produzindo, fazendo negócios, comprando e vendendo. Se tudo correr bem, até o fim do ano, já vamos ter realizado próximo de 100 negócios, o que está bem dentro do esperado principalmente num ano complicado para todo mundo em função da pandemia”, prevê Marotta.
Ele também ramificou sua empresa para atuar na construção, especificamente na área de reforma de imóveis, muito comum em Portugal, para renovar apartamentos e casas muito antigos. Atualmente, a Quality Real Estate toca cinco obras, com equipes de portugueses e brasileiros.
“A partir do ano passado passei a investir em compra e venda de imóveis. Tenho feito bastante negócios: compra, venda, remodelações [reforma], arrendamentos. Tudo isso tenho feito enquanto empresa e acabo empregando, indiretamente, fornecedores de materiais de construção, de janelas, portas, cozinhas, equipamentos etc. Com tudo isso, também fomentamos a economia portuguesa”, ele explica.
Ex-dono de uma lavanderia no Rio, Marotta nunca havia trabalhado no setor imobiliário, mas não se arrepende de ter deixado a cidade com a mulher e os dois filhos. Ele acredita que, apesar de Portugal ter um salário mínimo considerado baixo (635 euros), o país oferece oportunidades paras que pessoas empreendedoras e que se esforçam consigam prosperar, sobretudo no ramo em que atua. O empresário diz que o jeito brasileiro contribui para o sucesso dos negócios.
“Estava cansado do clima de violência do Rio. Tive, inclusive na minha empresa, episódios graves de assalto e arma na cabeça. Gostei do ambiente de trabalho aqui e me identifiquei bastante com o ramo, pois é algo muito motivante poder ajudar pessoas e ganhar bem acima do mercado com isso. Acho que os portugueses se encantam com a forma do brasileiro. Nós, acostumados a vender o almoço para comprar o jantar, a ter que nos virar, conseguimos fazer a diferença num ambiente mais estável como é o português, apesar de não ser um país muito rico. Fazer uma transação e ganhar 1,5 mil, 2 mil, 5 mil, 10 mil, com percentuais variáveis do valor do imóvel, é algo que atrai bastante”, diz Marotta.
Economista atribui crescimento a brasileiros em busca de imóveis em Portugal para investir
Segundo o INE, o Valor Acrescentado Bruto (VAB), calculado a partir do valor bruto da produção deduzido do custo das matérias-primas e de outros consumos no processo produtivo, teve taxa de crescimento de 29,2% em firmas estrangeiras do setor imobiliário e de construção em 2019, a segunda mais elevada por atividade econômica, perdendo apenas para alojamento e restaurantes (+30,4%).
O economista brasileiro Eduardo Fortes explica que, além de gerar empregos e movimentar a economia portuguesa com o mercado imobiliário e o pagamento de impostos, o sucesso brasileiro no setor é explicado não apenas pelo talento na venda, mas também pelo interesse de brasileiros na compra de imóveis em Portugal. Conforme dados do INE, o Brasil ocupa o terceiro lugar dos países com maior número de imóveis comprados (992) em 2019, pelo montante total de mais de 265 milhões de euros, com média de 268.127 euros por imóvel.
Os brasileiros ficaram atrás apenas dos franceses, que compraram 5.405 imóveis, e dos britânicos, com 2.615. Fortes, que faz doutorado em Economia na Universidade de Lisboa, diz que há uma tendência no Brasil de gestores de fundos indicarem a diversificação de investimentos com a formação de carteiras globalizadas, inclusive com imóveis no exterior. Segundo ele, isso é compreensível em decorrência do ambiente criado pelos eventos econômicos no Brasil.
“Observamos, em primeiro lugar, a queda acentuada, nos últimos anos, da taxa de juros da economia brasileira (a mais baixa da história no Brasil), da remuneração dos títulos públicos e os reflexos sobre alguns fundos de renda fixa, que até pouco tempo eram as estrelas para investidores mais experientes e iniciantes. Só para lembrar, a SELIC estava no patamar de 14% ou 14,25% ao ano em 2016, e hoje está em 2%”, detalha Fortes à Sputnik Brasil.
Ele acrescenta que, associado a esse fato, a renda fixa foi afetada pela volatilidade da economia e perda de valor do título de crédito privado de muitas empresas no Brasil, levando os investidores a demandarem um maior prêmio para se arriscarem e comprarem esses papéis em um cenário econômico marcado pela incerteza política e econômica. Segundo o economista, nesse panorama nacional e internacional, a indicação e/ou interesse pelos ativos físicos como imóveis ou fundos imobiliários surgiram no radar dos investidores como uma alternativa, mirando novas oportunidades.
“Investimentos imobiliários nos EUA e na Europa para aluguel ou de curta temporada (AirBnb) foram e são alternativas que podem ser consideradas. No caso específico de Portugal, identificamos ainda um investidor diferenciado e atento não apenas ao retorno financeiro em si, mas que observa as opções que um investimento imobiliário pode proporcionar, tal como o visto Gold e o acesso a mercados europeus. Nessa modalidade, o Brasil surge como uma das principais nacionalidades, atrás da China. Do outro lado da operação, vemos diferentes localidades portuguesas que percebem a injeção de recursos no setor de construção civil, na reabilitação urbana, na geração de empregos, o que também impulsiona o turismo, elemento chave para a economia portuguesa”, ele explica.
Empresa carioca abre filial no Porto com braços na construção e na atividade imobiliária
Os cariocas Fernando Hora e Wagner Ceulin perceberam esse movimento e, em 2018, abriram, no Porto, uma filial do Grupo AWANTT, fundado em 1971 no Rio de Janeiro pelo avô de Ceulin. Em solo português, começaram como construtora e, em julho de 2019, criaram o braço imobiliário AWANTT Prime. Hora conta que a empresa cresceu aos poucos e, desde o primeiro, ano já foi lucrativa.
“Estamos realizando quatro obras distintas no momento, gerando empregos na parte de construção civil para aproximadamente dez pessoas, de diversas nacionalidades, incluindo portugueses, brasileiros e colombianos. Nosso foco é a busca por investidores internacionais, para aquisição e reabilitação de imóveis em todo Portugal continental, e temos contatos com representantes de fundos na Suíça, Rússia, Inglaterra e Brasil”, exemplifica Hora.
Mesmo durante a pandemia de COVID-19, o sócio da AWANTT diz que a empresa sofreu pouco no ramo imobiliário, continuando a realizar negócios de compra e venda de imóveis, com uma equipe de dois profissionais no Porto e um profissional na Área Metropolitana de Lisboa. Para o início de 2021, contarão com mais um profissional em Lisboa, que virá da Alemanha em dezembro.
O também carioca João Moraes chegou ao Barreiro no início de 2018, começou a trabalhar como consultor numa agência imobiliária e, há um ano e meio, fundou a sua própria, a EXP Real Estate. Atualmente, sua equipe conta com nove consultores, fora os 13 funcionários em obras de reabilitação de imóveis. Ele reconhece que houve uma pequena queda em decorrência da pandemia, mas ressalta que o mercado segue aquecido.
“Chegamos a vender 10 casas por mês. Agora, deu uma caída com COVID-19, mas o negócio continua bom e não para. Esse mercado não tem crise, tem sempre oportunidades porque é barato, e moradia é uma necessidade. Não é artigo de luxo nem de requinte. Desde então, viemos expandindo alguns setores de casas para arrendamento, de obra e revenda”, diz Moraes.