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sexta-feira, 26 julho, 2024

‘Interessadas nos nossos bens’, diz Aldo Rebelo sobre ONGs que tentam ‘sabotar’ soberania nacional

Sputnik – As organizações não governamentais (ONGs) no Brasil, especialmente no âmbito ambiental da região da Amazônia, são percebidas ou como defensoras do meio ambiente e dos direitos humanos, ou enquanto possíveis sabotadoras dos interesses nacionais, em prol de agendas estrangeiras.

Durante sua presidência na França, de 1981 a 1995, François Mitterrand defendeu a ideia de que o bioma amazônico era um “patrimônio da humanidade”. Tal visão foi posteriormente retomada pelo atual presidente francêsEmmanuel Macron, que ao criticar os incêndios na floresta recentemente, descreveu-a como “nosso bem comum”.
Macron também já destacou a ligação da França com a Amazônia através da Guiana Francesa, território francês que faz fronteira com o Brasil, ainda que tenha dito respeitar a soberania dos países amazônicos.
O ex-ministro da Defesa brasileiro Aldo Rebelo, em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, destaca a necessidade de distinguir os diferentes tipos de ONGs.
Entrevista com Aldo Rebelo
Por um lado, para ele, há aquelas que realizam um trabalho filantrópico e humanitário, muitas vezes preenchendo lacunas deixadas pelo Estado na prestação de serviços básicos a comunidades carentes.
Segundo o atual secretário municipal de Relações Internacionais de São Paulo, tais organizações devem ser “protegidas, devem ser acolhidas, porque são um bem para a sociedade e para o país”.

“Quando falamos de organizações não governamentais, se faz necessário que separemos o joio do trigo, porque há organizações não governamentais filantrópicas, humanitárias, que muitas vezes subsidiam o seu trabalho no atendimento a comunidades pobres, diante da omissão ou da ausência do Estado.”

Por outro lado, Rebelo levanta preocupações sobre as ONGs que recebem financiamento estrangeiro com o objetivo de minar os interesses nacionais, especialmente no contexto ambiental. “Elas são distintas daquelas organizações não governamentais que recebem financiamento do exterior para sabotar o interesse nacional, que praticam a verdadeira guerra híbrida contra o Brasil e contra a soberania brasileira.”

“Essas são pagas para sabotar o desenvolvimento do Brasil. E elas atuam principalmente na Amazônia. Você não encontra uma organização não governamental dessa preocupada com a poluição do rio Tietê, com a situação quase que de desastre que alcança o rio São Francisco, por exemplo. Elas estão na Amazônia. E na Amazônia elas não estão interessadas no nosso bem. Elas estão interessadas nos nossos bens.”

Ele argumenta que tais organizações, muitas vezes concentradas na Amazônia, não estão preocupadas com o desenvolvimento sustentável do país, mas sim com seus próprios interesses econômicos.
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Segundo ele, essas ONGs atuam dentro das próprias instituições governamentais, como Ministério do Meio Ambiente, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), para minar os esforços de desenvolvimento e explorar os recursos naturais da região.
Rebelo destaca as contradições na região amazônica, que apesar de possuir vastas riquezas naturais, enfrenta altos níveis de pobreza e negligência, especialmente entre as populações indígenas.
Ele atribui parte dessa situação ao que chama de “Estado paralelo” das ONGs na Amazônia, que coexiste com o narcotráfico e exerce influência crescente na região, muitas vezes em detrimento das políticas oficiais do Estado.
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Greenpeace, conhecido como uma das maiores organizações ecologistas do planeta e que possui ações em território amazônico, afirma ser financiado por doações voluntárias, feitas anualmente. E, segundo seus estatutos, a fim de “manter sua total independência”, “não aceita dinheiro procedente de empresas, governos ou partidos políticos”.

“Levamos isso muito a sério e controlamos e devolvemos os cheques quando são provenientes de uma conta corporativa. Dependemos das doações de nossos simpatizantes para levar a cabo nossas campanhas não violentas para proteger o meio ambiente”, diz a entidade.

No entanto, segundo dados do projeto Activist Cash, divulgados pelo Center for Consumer Freedom em 2010, entre as principais fontes de financiamento do Greenpeace estavam pessoas ligadas ao Rockefeller Brothers Fund, que à época havia doado à ONG cerca de US$ 1,15 milhão (cerca de R$ 6,04 milhões), além das americanas Marisla Foundation e Turner Foundation.
A fortuna dos Rockefeller, por exemplo, vem de negócios petrolíferos — da Standard Oil, que foi dividida em 34 empresas, com participação da família, incluindo a Exxon Mobil Corporation, uma das maiores multinacionais petrolíferas do mundo.
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Soberania no Brasil ameaçada?

A preocupação com a soberania é compartilhada por alguns militares brasileiros, que se veem como sucessores dos colonizadores na Amazônia, de acordo com a visão da pesquisadora Adriana Aparecido Marques em sua tese de doutorado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
No texto, ela observou que tais grupos acreditam que a região precisa ser ocupada por não indígenas para evitar que o Brasil a perca.
No entanto essa ocupação histórica, marcada pela abertura de estradas, construção de hidrelétricas e expansão da agropecuária e mineração, tem alimentado a controvérsia internacional sobre o status da Amazônia, segundo ela.
A controvérsia remonta ao século XX, quando várias comissões parlamentares foram criadas para investigar o tema, conforme publicou o cientista social João Roberto Martins em artigo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
O potencial econômico da região, segundo ele, especialmente na produção de borracha, atraiu o interesse de governos estrangeiros e investidores. Projetos como Fordlândia e Jari, liderados por empresários americanos, receberam apoio governamental, por exemplo.
Amazonia (imagen referencial) - Sputnik Brasil, 1920, 01.03.2023

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A sensibilidade da questão amazônica é evidente até mesmo em registros diplomáticos, como um telegrama revelado pelo WikiLeaks em 2009 que descreve a preocupação dos militares brasileiros com as atividades de ONGs na região. Nesse ano, o governo dos Estados Unidos tratou a política brasileira como “paranoica”, conforme outros vazamentos.
Tais organizações são vistas como uma ameaça à soberania nacional, alimentando a percepção de que a Amazônia deve ser protegida como um “bem comum” da humanidade, segundo a tese de doutorado de Marques.
Seu estudo descreve como os militares brasileiros temem a desnacionalização da Amazônia e veem os indígenas como potenciais instrumentos da influência estrangeira.
Além disso, há o receio de que reservas minerais em terras indígenas demarcadas possam atrair a exploração de empresas estrangeiras.
No entanto, conforme descrito por Manuela Carneiro da Cunha no livro “Os índios na Constituição”, houve uma aliança entre geólogos e indígenas durante a Constituinte de 1987 para garantir que as terras demarcadas coincidissem com as reservas minerais, visando proteger o meio ambiente e os direitos indígenas.
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante seminário que discute estratégias para a Amazônia Azul. Brasília (DF), 25 de setembro de 2023 - Sputnik Brasil, 1920, 18.04.2024
A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, durante seminário que discute estratégias para a Amazônia Azul. Brasília (DF), 25 de setembro de 2023 © Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Agenda internacional brasileira

A recente visita de Emmanuel Macron ao Brasil colocou em destaque a agenda internacional do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para além de questões domésticas, como a economia e a segurança pública.
Questionado sobre a possibilidade de o Brasil mudar o cenário de dependência de ONGs e garantir sua soberania, Aldo Rebelo entende que “o governo brasileiro está imobilizado pelos seus compromissos internacionais”.

“Por que é que o governo brasileiro colocou no Ministério do Meio Ambiente uma ministra cujo partido não tem nenhum deputado federal e nenhum senador? Com toda a autoridade e com todo o poder que tem. De onde vem esse poder? Do Congresso não é. Da política não é. Vem do exterior. Esse poder é legitimado exatamente por aqueles que não querem o desenvolvimento do Brasil e que não querem o desenvolvimento da Amazônia”, afirma.

O secretário critica a atual política externa brasileira, descrevendo-a como “ornamental” e “para efeito de propaganda”, em contraste com o papel de liderança que o país deveria desempenhar na defesa de seus interesses nacionais.
Ele aponta a necessidade de uma abordagem mais assertiva, semelhante à adotada pelo embaixador Araújo Castro na década de 1970, que defendeu o direito ao desenvolvimento como precondição para a proteção do meio ambiente. “Proteção do meio ambiente? Sim, mas com direito ao desenvolvimento. Porque o direito ao desenvolvimento é uma precondição para a própria proteção do meio ambiente.”

“Você precisa de prova, de testemunha do fracasso dessa agenda? O fracasso dessa agenda, dos organismos internacionais, das ONGs e do governo brasileiro para a Amazônia está retratado na situação da população da Amazônia. Essa agenda não conseguiu gerar nenhuma esperança para a população da Amazônia. Nenhuma melhoria da sua condição de vida.”

Rebelo afirma que grupos do Sul e do Sudeste brasileiros questionam “se a Amazônia é brasileira ou deve ser internacionalizada”.

“A Amazônia é brasileira antes de a Califórnia ser americana. Quando a Califórnia, o Novo México ou o Texas ainda pertenciam ao México, a Amazônia já era brasileira. A Amazônia já estava como parte do Brasil desde a nossa independência.”

Por fim, ele defende o direito ao desenvolvimento, à soberania, à proteção da natureza e à proteção das populações indígenas, por meio da garantia de “infraestrutura, saúde e educação”. “Nós temos na Amazônia muito mais do que a Europa inteira consegue proteger para o meio ambiente.”

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