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sexta-feira, 26 julho, 2024

Integração da mídia contribuirá para consolidação do BRICS   

Palestra no 2º Fórum de Mídia do Brics sobre ‘Deveres e responsabilidade social das organizações de mídia’, na China
A mídia é vista, especialmente no Ocidente, como um Quarto Poder. Ninguém duvida da força que as organizações de mídia têm, mas existem muitos questionamento sobre seu controle, seus objetivos e suas responsabilidades com as sociedades em que estão inseridas.
Apesar das mudanças que ocorrem em todo o mundo, com ascensão de novas tecnologias e novas possibilidades de divulgação e interação entre as pessoas, ainda são os grandes meios de comunicação, especialmente as redes de televisão e a imprensa diária, as principais fontes de informação para a maior parte da população. Na internet, os sites de notícias mais acessados são ligados aos grandes grupos de mídia ou aos grandes provedores de informação da rede, como Google e Yahoo, que, por sua vez, utilizam como fontes a mídia tradicional.
Esse processo de concentração contribui para moldar a visão da população, com a opinião pública se confundindo, muitas vezes, com a opinião publicada. Recentemente, tivemos a notícia sobre uso de armas químicas na Síria. A informação mundialmente divulgada foi a de que o governo sírio teria sido o responsável pela utilização de gás contra a população, ainda que não houvesse investigações que comprovassem a afirmação. A comoção criada serviu de base para o ataque aéreo feito pelos Estados Unidos contra uma base militar síria.
É a grande mídia ocidental deixando de lado sua responsabilidade de informação, atendendo a interesses geopolíticos. Não é exagero traçar um paralelo com as armas de destruição em massa nunca encontradas no Iraque, mas que justificaram, perante a opinião pública norte-americana, a invasão do país pelos Estados Unidos.
Semana passada [final de maio], em Cannes, o cineasta Roman Polanski comentou que “não se pode confiar nem na fotografia como documento da realidade, porque pode ser falsificada em minutos. Existe uma ânsia pela verdade que não corresponde ao que a imprensa nos traz: o que era certo ontem, é completamente falso hoje”. Boa parte da informação que circula na imprensa mundial provém de poucas e mesmas fontes: agências de notícias e grandes redes de televisão mundial controladas por um grupo restrito de corporações.
Um tradicional jornal brasileiro escreveu sobre o assunto: “A tarefa primária da imprensa consiste em fornecer ao leitor informações que lhe permitam formar opinião acerca do mundo em que vive. Da qualidade das informações processadas pelos jornalistas depende, em grande medida, a formação de consensos em torno do que é realmente melhor para o país, muitas vezes a despeito do que querem aqueles que estão no poder ou que lá querem chegar. O jornalismo que, por açodamento, se baseia no que está apenas na superfície e se contenta com o palavrório de autoridades para construir manchetes bombásticas se presta a ser caixa de ressonância de interesses particulares e corporativos, deixando de lado sua missão mais nobre – jogar luz onde os poderosos pretendem que haja sombras.” A teoria é interessante, mas a prática ainda está distante.
‘Existe uma ânsia pela verdade que não corresponde
ao que a imprensa nos traz’ (Roman Polanski)
Harvey Molotch, professor de Análise Social e Cultural na New York University, e a socióloga Marilyn Lester formularam teorias em que mostram como as notícias são o resultado da necessidade social de se informar sobre fatos que não são observados por todos. A produção e o consumo de notícias, porém, refletem a estrutura da sociedade.
O impacto social das notícias produzidas pelos jornalistas é incomparavelmente maior do que o dos que criam notícias para seus círculos sociais mais chegados. Dessa forma, os meios de comunicação não são mero reflexo do mundo exterior, mas refletem as práticas dos que detêm o poder. A prioridade para os interesses dos que detêm o poder e o silêncio sobre acontecimentos fora dos círculos do poder ajudam a entender os propósitos da mídia.
Os promotores dos acontecimentos predominantes têm acesso rotineiro à imprensa. Eles procuram bloquear o acesso de rotina dos outros à mídia, para evitar que criem acontecimentos próprios. O acontecimento, em muitos casos, pode ser promovido pela própria imprensa.
Assim, temos diferentes gradações de acesso à mídia, no mundo ocidental, que contribuem para moldar o que será apresentado à população. Há os que têm acesso habitual, que integram o status quo, como presidentes, governadores, jogadores importantes, celebridades etc.
Há o acesso disruptivo: é preciso entrar em choque com o sistema, gerar surpresa ou quebrar a rotina. Vira notícia pelo seu potencial de causar problemas para os poderosos. Quase sempre o destaque é o potencial risco para o poder, e não as demandas dos “dissidentes”. Por exemplo: nas greves, o foco é nos problemas causados ao trânsito, não nas reivindicações.
Há o acesso direto, quando a própria imprensa gera a pauta.
Há o acesso acidental, quando um acontecimento escapa ao controle dos seus executores.
E, finalmente, o acesso se dá através de escândalos, quando uma ocorrência vira um acontecimento por ação intencional de indivíduos (informantes), geralmente localizados em estruturas do poder ou com acesso a informações relevantes. Um exemplo deste caso pode ser o de Edward Snowden.
Dessa forma, não é difícil entender a visão distorcida que chega ao público. Notícias da China e da Rússia, por exemplo, chegam ao Brasil e a outros países do Ocidente através das grandes agências de informação sediadas nos Estados Unidos e na Europa.
A despeito do esforço de se romper esse “consenso” montado, como ocorre com a crescente atuação de agências como a Xinhua, da China, e Tass e Sputnik, da Rússia, a informação que chega à maioria da população ainda é distorcida pelo filtro aplicado pela mídia das grandes potências. Chineses e russos são apresentados como “maus”, “atrasados”, “submetidos a um Estado opressor”.
Não é diferente do que ocorre com a Índia e com a África do Sul. Normalmente as notícias que chegam ao Brasil são sobre acidentes, agressões a mulheres ou fatos pitorescos. O mesmo ocorre com as notícias do Brasil que chegam aos demais parceiros dos Brics.
Em conversa com um chinês meu amigo, que está há cerca de três anos no Brasil, ele me contou sobre brasileiros que perguntam a ele se pretende voltar à China. Ao responder que sim, os interlocutores, com certeza, ficam surpresos: “Qual o motivo de querer voltar a um país tão opressor e atrasado”, já que não conhecem a verdadeira e pujante China, pois a visão que chega a eles é deturpada, correspondente à visão de “liberdade” da mídia ocidental.
Existem, claro, alternativas a este domínio. Não somente através de casos já citados, como as agências mantidas pelos governos para divulgação de notícias abrangentes de seus países, mas com os novos recursos possibilitados pela internet.
Sites, blogs e, principalmente nos dias de hoje, as redes sociais representam uma ruptura no modelo de distribuição e consumo de notícias. Fotos e vídeos podem ser feitos e postados por qualquer pessoa, instantaneamente, apresentando visões alternativas e, muitas vezes, quebrando o monopólio de comunicação, obrigando os grandes grupos hegemônicos a tratar de temas que normalmente seriam ignorados ou a responder questões que ganham força através da replicação nas redes sociais. São aqueles momentos, ainda que raros, em que a força dos fatos consegue se impor aos desejos de controle da informação pelos dos donos das mídias.
Esse movimento possibilita o surgimento de uma mídia alternativa, mais plural, abrangendo diferentes grupos sociais. Há ainda, porém, uma limitação no alcance e na influência desses meios alternativos junto à opinião pública. Há questionamentos sobre a veracidade das informações, o que é compreensível, em vista da facilidade de se forjar uma foto ou relatos não devidamente confirmados. As redes sociais trazem um poder maior, mas também são impactadas pela mídia tradicional ou por boatos não verificáveis. A técnica jornalística ainda é essencial para a comunicação. Os jornalistas dominam a técnica da notícia e têm necessidades diferentes daqueles que não profissionais.
As redes sociais, ainda que possibilitem a circulação de notícias fora da corrente dominante, reproduzem, em grande parte, a informação produzida pelos grandes grupos de comunicação, de grande abrangência e que se escoram em uma imagem de credibilidade moldada ao longo dos anos.
Na recente eleição presidencial norte-americana, ganhou destaque a circulação de notícias fora dos grandes grupos tradicionais. Boa parte desta informação foi tachada de “fake news” – e, realmente, era propositalmente falsa ou exagerada. Mas a reação dos grandes grupos ao desqualificar qualquer cobertura das eleições que não aquela apresentada por eles representou, antes de tudo, uma tentativa de manter o controle, muito mais do que responsabilidade em informar corretamente ao público.
Há, assim, limitações a serem superadas, e o que se consolidará ainda depende da evolução das redes e das novidades que são assimiladas especialmente pelas novas gerações. É claro que é possível e necessário um trabalho no sentido de ampliar as possibilidades trazidas pelas novas tecnologias. Este é um dos caminhos para se obter uma mídia mais abrangente e plural.
Para os países integrantes do Brics, há um grande campo aberto para maior troca de informações sem a intermediação de meios de comunicação de outros países. O grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul é um dos principais fatores para a mudança nas relações econômicas, políticas e sociais do mundo. Não à toa, o Brics enfrenta restrições de nações que compõem o grupo dominante no cenário internacional, notadamente os Estados Unidos. A integração da mídia dos Brics é um dos fatores que permitirá ao grupo estabelecer sua influência e ampliar a cooperação dentro do bloco e com países próximos.
Há algumas propostas que devem ser levantadas para apontar caminhos que devemos trilhar para esta maior integração, levando à frente o que foi debatido e proposto no 1º Fórum de Mídia dos Brics e neste 2º Fórum. Da mesma forma que o bloco conta com atividades intra-Brics e instituições como o Novo Banco de Desenvolvimento, devemos avançar para criar um espaço comum de mídia que integre notícias dos países do bloco, possibilitando um trânsito direto de informações.
Ainda em 2001, o MONITOR MERCANTIL publicava uma matéria em que falava da necessidade em se pensar nas bases de uma agência de notícias, com direção rotativa, que cuidasse dos acontecimentos destes quatro países (éramos quatro apenas, na ocasião), que abrangem quase 50% da população mundial, e que funcionasse como contraponto à difusão comprometida de notícias.
Também é importante estabelecer relações bilaterais entre os órgãos de comunicação aqui presentes, possibilitando o intercâmbio de notícias. Temos algumas barreiras a superar, como a questão da língua – somos cinco países com quatro línguas oficiais distintas –, a da distância cultural provocada pelos fatores mencionados anteriormente e as diferentes características que os órgãos de imprensa apresentam em cada país.
Tenho certeza de que, dando novos passos no caminho da integração, contribuiremos para a aproximação dos membros do Brics, o fortalecimento do grupo e, assim, a mídia cumprirá seu papel social e atenderá às expectativas dos povos dos países integrantes do bloco.
 Marcos de Oliveira
Diretor de Redação do MONITOR MERCANTIL.

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