29.8 C
Brasília
segunda-feira, 14 outubro, 2024

Há um golpe em marcha contra o presidente Lula?

Lula Marques/ Agência Brasil

Pedro Augusto Pinho*

Desde o golpe financista no Brasil, com roupas de “redemocratização”, como se houvesse um passado democrático a ser recuperado no País, que a sociedade brasileira vem sendo vítima de monstruoso processo de desinformação.

Se até a década de 1990 a influência dos sistemas virtuais era desprezível, hoje, ou seja, a partir da primeira década do século XXI, são fundamentais. Todos os veículos de comunicação cederam espaço para as redes virtuais. E estes sistemas são controlados por outros sistemas, fazendo com que haja um processo onde a inteligência humana é substituída pela reação emotiva, não racional. Poucos “think tanks” controlam multidões.

Por detrás deste sistema estão as finanças internacionais. A Primeira Grande Guerra ou Guerra Civil Europeia tirou do poder o sistema financeiro, fundamentalmente sob a condução da aristocracia inglesa, e nele colocou a industrialização estadunidense.

Desde a derrota de Napoleão Bonaparte, as finanças britânicas dirigiram o mundo. Foi mais de um século, de outubro de 1805, a Batalha de Trafalgar que deu a superioridade britânica nos mares, até abril de 1917, quando os Estados Unidos da América (EUA) entraram na I Grande Guerra e a decidiram em favor do seu poder industrial.

Porém, durante o período entre as I e II Grandes Guerras houve muito mais do que o florescimento de ideologias e mudanças nos comportamentos das sociedades ocidentais, além da primeira experiência do socialismo marxista no mundo. Houve o desenvolvimento de um pensamento e uma tecnologia que mudariam o curso da história, ainda em execução: a teoria de sistemas gerais e a teoria matemática da comunicação.

Curiosamente não foram os vencedores das guerras, mas a derrotada finança, então inglesa, quem melhor se apropriou destas inovações e construíram a ideologia neoliberal para encetar um novo controle, que em 1914 se estendia por cerca de 26 000 000 km² de território e 400 milhões de pessoas sob o Império onde “o Sol nunca se põe”.

Este é o pano de fundo para entender o ocidente do século XXI e as transformações no poder nacional brasileiro e no mundo, bem diverso daquele em 1946.

A religião como elemento cultural jamais saiu de cena, mas o catolicismo e as denominações protestantes tradicionais perdem lugar para os pentecostais e, mais precisamente, para os neopentecostais, criados nos EUA, em 1960, a princípio entendidos como evangélicos carismáticos e após pela Teologia da Prosperidade, que abrigou o financismo apátrida.

A DIREITA DIFERENTE

Ainda hoje, as pessoas mais idosas associam a direita ao conservadorismo, à preservação de tradições. Não mais. A direita atual é consequência da globalização, da homogeneidade mundial. Ela propugna por sua especificidade. Nos anos 1990, quando se discutiam o neoliberalismo, a globalização no Brasil, os membros do corpo permanente da Escola Superior de Guerra (ESG), formados em outras épocas, tendo vivido o nacionalismo de governantes, à esquerda e à direita, inclusive durante o período dos militares (1964-1985), e tendo o “comunismo” perdido sua nação mãe e exemplo, concluíram que uma direita, de cunho mais marcantemente fascista, ressurgiria com novas características para se opor à globalização. E esta direita encontraria nas comunicações virtuais seu modo de expressão.

Porém a questão da soberania não mais estaria subordinada à Questão Nacional, que desde Vargas vinha dando estrutura centralizada ao país que tentava ser federalizado. Parte das inconsistências políticas brasileiras está na exigência da centralização administrativa enfrentando a legislação pró-federativa.

Os militares, sempre associados a governos autoritários, não eram mais, no tempo neoliberal, globalizante, neopentecostal, de formação prática e teórica “tenentistas”, como do último ciclo militar. Eles se formaram no neoliberalismo e não tiveram participação política expressiva, até muito ao contrário, desde 1990 até 2019.

Esta direita militar que, impropriamente a designaremos bolsonariana, tem dificuldade e falta de informações para entender o mundo atual, o poder financeiro e neoliberal, com suas diferenças, o poder nacional da Federação Russa, em nada semelhante ao sistema soviético, talvez mais perto do tzarismo, e o poder laico e comercial dos chineses, buscando espaços para as trocas, como a fazem desde a Idade Média europeia. Para não tratar da emergência africana, onde há um vazio na cultura, na sociopolítica e na econômica em relação aos poderes atuais.

Leiamos o que escreve um coletivo de autores chineses, na edição bilíngue, da FGV, RJ, 2019: “Palavras-chave para conhecer a China A Governança da China”: “a democracia intrapartidária é determinada pelo caráter, objetivo e conceito de mundo”. Como se comporta o estado-maior das forças armadas? Qual seu conceito de mundo? Quais objetivos de curto e longo prazo da instituição e que meios pretendem utilizar para alcançá-los? Qual, finalmente, o caráter das forças armadas?  

As informações que estão surgindo, as que poderão surgir na Comissão Parlamentar de Inquérito, e as inconfidências que chegarem à imprensa nos levam a imaginar que o golpe nem mesmo tinha clara a conquista do poder. Mais parecia a birra de uma criança mimada. Sem qualquer noção das suas possibilidades.

 

O PODER EM 2023

A unipolaridade de 1991 se esvaiu. Não precisou inimigos, antagonismos, oposição; a própria arrogância euro-estadunidense deu cabo dela. As finanças buscaram se ressarcir das despesas para esta conquista do poder. Desde o custo sempre pouco elevado no Brasil, para sucessão do presidente Geisel, até a onerosa destruição da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Foram constituídas oito “crises” para transferir recursos públicos e privados, em moedas e bens facilmente realizáveis, para o sistema financeiro: em 1990, do Japão; em 1992, da Europa, do sistema financeiro público; em 1994, do México; em 1997, dos ricos países do sudeste asiático; em 1998, da Rússia, em 1999, do Brasil de Fernando Henrique Cardoso; em 2000, dos EUA, a crise da internet; e em 2001, da Argentina.

No entanto as finanças, em sua insaciável gula, emitiram bilhões de dólares estadunidenses sem lastros, para trazer dinheiro de incautos especuladores e mesmo ingênuos investidores pelo mundo. Disto resultou a insolvência e uma disputa interna entre capitais ilícitos e tradicionais dentro do sistema financeiro, que culminou na crise em 2008-2010, pelo mundo ocidental, com variáveis níveis de insolvência.

E as finanças não aprendem. A arrogância dos ingleses no século XIX persiste nos capitais apátridas do século XXI.

Hoje, de acordo com os analistas, existem de muitas centenas de trilhões a alguns quatrilhões de dólares estadunidenses em papéis sem lastro ameaçando a economia mundial. Mas esta impagável dívida é também motivo de chantagem e de 16 guerras (Afeganistão, Azerbaijão, Iraque, Bósnia, Kosovo, Líbano, Israel (Gaza), Líbia, Síria, Tunísia, Etiópia, Turquia, Ucrânia) que, por todo período de domínio financeiro, eclodiram no planeta.

No Brasil, o poder é o financeiro e a dominação é a estadunidense. Mas os golpistas militares e civis não percebem que Bolsonaro não atendeu nem mesmo à direita estadunidense, o que dirá às finanças apátridas, para receberem respaldo externo ao tramado golpe.

Por outro lado, a unipolaridade está sendo destruída pela multipolaridade que teve no presidente Lula um forte aliado nos oito anos de seus primeiros governos. O país líder desta multipolaridade é a República Popular da China (RPCh), para onde Lula fez a emblemática visita de muitos e importantes acordos para ambos países. A dimensão desta multipolaridade pode ser avaliada pelos 145 países da Nova Rota da Seda ou Iniciativa Cinturão e Rota (BRI), sendo 44 da África, 42 da Ásia, 29 da Europa, 20 da América Latina e Caribe e 10 da Oceania. Lembrar que a Organização das Nações Unidas (ONU) possui atualmente 193 países-membros.

As finanças têm apelado para suas máscaras e fantasias: as questões climáticas, as energias ditas limpas, as questões indígenas, dos negros, das florestas como se fossem ingênuas espectadoras das catástrofes que sempre produziram.

Antes de poluírem a Europa com o carvão, as finanças devastaram as florestas, antes de condenarem os combustíveis fósseis, construíram toda uma industrialização com o petróleo, por que inventar agora uma catástrofe, quando qualquer movimento tectônico provoca mudanças no Planeta Terra que nenhuma ação antrópica chegaria perto?

Porque o petróleo saiu da dominação euro-estadunidense, porque a multipolaridade está avançando no comércio com as moedas nacionais dos envolvidos, porque a tão celebrada tecnologia do primeiro mundo foi superada pela Rússia, pela China e outros países asiáticos da BRI. E porque a África está se libertando das colonizações ideológicas dos Europeus.

O professor beninense Honorat Aguessy (“Visões e Percepções Tradicionais”, em “Introdução à Cultura Africana”, INALD, Luanda, 1980) escreveu: “a definição do proprium africanum deve ter em conta os diferentes aspectos da cultura, motivados por essas três variáveis: físicas, socioeconômicas e históricas”. “O homem negro atribui um sentido ao universo total, às suas dimensões segmentares, aos fenômenos que nele acontecem. Humanizando, ou melhor, hominizando a natureza, sistema de intenções e de signos, afirma assim a ação do seu poder”. E a África, como vimos, é o continente onde mais países optaram pela Iniciativa Cinturão e Rota, pelo aprofundamento de suas raízes para crescer.

Nei Lopes e Luiz Antonio Simas, brilhantes intelectuais brasileiros, em “Filosofias Africanas” (Civilização Brasileira, RJ, 2021, 5ª edição), analisando a existência de um “Criador”, demonstram que o pensamento tradicional africano se afasta de sua existência, “a distância do criador pressupõe a centralidade da criatura e da comunidade em que ela se insere”. Forte passo no caminho da independência, da autonomia às pressões coloniais.

Este novo mundo impulsionará necessariamente o Brasil a exercer sua Soberania, a dispensar a submissão às finanças e às ideologias europeias. Um novo golpe será sempre entendido como retrocesso, e, assim, não haverá conservadorismo que o acolha.

*Pedro Augusto Pinho, administrador aposentado, foi membro do Corpo Permanente da Escola Superior de Guerra, é atual presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás – AEPET.

 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS