Primeiramente, cabe ressaltar que Israel tem o direito de existir. E Israel tem o direito de se defender. Obviamente, contudo, mesmo em conflito armado deve haver proporcionalidade e excessos são condenáveis, e tem de ser averiguados e eventualmente punidos. É também necessário apontar como condenável e condenar qualquer ato terrorista. Como também são condenáveis quaisquer ataques contra população civil, quer palestina ou israelense.
É oportuno lembrar o parecer da Corte Internacional de Justiça, sobre as consequências jurídicas da construção do muro em território palestino ocupado, de 9 de julho de 2004, onde, dentre outras conclusões, foi apontado: que Israel não pode invocar a necessidade de defesa – como a construção do muro – porque esta não existiria, se não tivesse havido a anterior ocupação de território palestino; e no Direito internacional vigente, a ocupação militar não criar título jurídico sobre território.
Portanto, território ocupado (por forças israelenses) continua a ser território ocupado (palestino). A potência ocupante não pode pretender legitimidade nem exercer soberania sobre este. E assinalou ainda que a construção do muro avança sobre território palestino, além de criar obstáculos à vida normal e circulação da população palestina. Diante do grave quadro, desde 7 de outubro de 2023, não se pode esquecer a situação de mais de 2 milhões de civis palestinos na faixa de Gaza, concentrados em território de 365 quilômetros quadrados – fazendo desta uma área com densidade populacional superior às cidades de Tóquio e de Londres –, que tem sido sujeitos a sistemáticos bombardeios, por mais de cem dias.
Alegadamente, são avisados para se deslocarem: faltou dizer para onde. Dado que o território é isolado, por terra, por mar e por ar, pelas forças militares israelenses. E a fronteira com o Egito tem sido mantida fechada, exceto para entrada de ajuda humanitária e saída de algumas pessoas, previa e meticulosamente controladas.
Há indícios de genocídio – e tem de ser investigado o eventual cometimento do crime internacionalmente tipificado pela Convenção das Nações Unidas para a prevenção e a repressão ao crime de genocídio (1948, em vigor desde 1952) – na medida em que o primeiro ministro de Israel declara a intenção de “transformar Gaza em uma ilha deserta”, o ministro da defesa declara estar Israel lutando contra “animais humanos, que têm de ser tratados como tais”. Além de contraditória em seus termos (‘animais’, ‘humanos’) é odiosa, pela intenção de desumanizar os oponentes e justificar qualquer medida contra estes adotada. E outro ministro de estado israelense declara que se deveria jogar uma bomba atômica em Gaza!
Depois de iniciado o procedimento, junto à Corte Internacional de Justiça, para averiguação de prática de genocídio, começa a ser dito que referidas declarações foram “tiradas de contexto”!? São necessárias averiguações de eventual cometimento desse grave crime internacional. E não se pode, previa e imotivadamente condenar a África do Sul, por pleitear junto à Corte a sua averiguação. Teve também motivo o governo do Brasil em manifestar apoio a essa iniciativa junto à Corte Internacional de Justiça. Usar como arma de guerra em relação à população de mais de 2 milhões de civis palestinos, – configura crime de guerra – bloquear acesso à comida, a água, tanto para beber, quanto para higiene –, a medicamentos e suprimentos médicos, bem como a energia e combustível – necessário para movimentar as usinas de dessalinização de água e movimentação de ambulâncias e acesso à internet.
Obviamente essa estratégia de guerra configura tratamento desumano e degradante, deliberadamente infligido a toda essa população civil palestina, como tipifica a Convenção das Nações Unidas contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes (1984, em vigor desde 1989).
Poderia ainda ser feita ‘reconvenção’ – modificação do pedido de investigação do cometimento de crimes – junto à Corte Internacional de Justiça, para incluir a averiguação de cometimento de outros crimes internacionalmente tipificados, tais como a discriminação racial, nos termos da Convenção das Nações Unidas para a eliminação de todas as formas de discriminação racial (1969), bem como a eventual prática de apartheid – segregação racial, como política pública –, nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre a repressão e punição do crime de apartheid (1973), tipificado como crime contra a humanidade, como ulteriormente confirmado pelo Estatuto de Roma (1998, em vigor desde 2002), que criou o Tribunal penal internacional.
Não se trata de imputação de genocídio para discutir controvérsias jurídicas relacionadas à aplicação do direito humanitário e aos problemas da situação humanitária prevalecente em Gaza – que são graves problemas, de generalizada preocupação. Não se trata de instrumentalização do direito internacional. Trata-se de solicitar à Corte Internacional de Justiça, como principal órgão judiciário da Organização das Nações Unidas, que averígue e declare se existem indícios de violações em curso do direito internacional.
Nenhum estado pode se pretender acima da lei internacional, nem pretender excluir qualquer averiguação, liminar e imotivadamente, de suas condutas.
—
*Paulo Borba Casella é professor titular de Direito Internacional Público da Faculdade de Direito da USP e autor da coleção Tratado de Direito Internacional (Almedina Brasil)
Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checkbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.