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quinta-feira, 10 outubro, 2024

Gastos em defesa crescem ao redor do mundo, mas caem no Brasil: estamos ficando para trás?

Sputnik – Na última semana, os líderes das Forças Armadas do Brasil foram ao Congresso pedir mais fundos para a Defesa, destacando a tendência mundial de aumento em gastos militares e, ainda, alertando que o Brasil pode estar ficando para trás até mesmo de seus vizinhos sul-americanos.

Durante sua apresentação, o ministro da Defesa, José Mucio, ressaltou que o Brasil é um dos países da América do Sul que menos aplicam recursos em defesa quando vistos a partir da proporcionalidade do PIB. Colômbia, Equador, Uruguai, Chile e Bolívia têm um percentual maior que o 1,1% brasileiro.

Para remediar essa lacuna orçamentária, vem sendo defendida a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 55/2023, de autoria do senador Carlos Portinho (PL-RJ), que aumenta os gastos com defesa nacional em 0,1 ponto percentual por ano até que se atinja a taxa mínima de 2% do PIB.

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Para os analistas entrevistados pela Sputnik Brasil, no entanto, há questões que devem ser investigadas antes que se bata o martelo sobre o que é melhor para a Defesa brasileira, como a efetividade do atual orçamento, que neste ano foi de R$ 126 bilhões.

“Para um país que não está em guerra e nem está em perspectiva de se envolver em uma, é um volume satisfatório dentro do PIB brasileiro”, afirmou Guilherme Frizzera, doutor em relações internacionais pela Universidade de Brasília (UnB) e coordenador de relações internacionais do Centro Universitário Internacional Uninter.

“No entanto, quando utilizamos os índices de 2023, quase 80% do orçamento foi gasto apenas com despesas de pessoal.”

Segundo Frizzera, isso cria um déficit em relação a investimentos em equipamentos e suprimentos militares, projetos de inovação “e afeta até mesmo as academias militares, como o IME e o ITA”.

André Carvalho, doutorando em ciências militares, membro do grupo Minerva de pesquisa em conflitos, estratégia e inteligência, e do Instituto Sul-Americano de Política e Estratégia (ISAPE), diz que ainda que pouco representado percentualmente, há “uma série de programas em que há um investimento sério por parte do Brasil”, como o Programa Forças Blindadas, do Exército, o Programa de Desenvolvimento de Submarinos (Prosub), da Marinha, e o desenvolvimento do KC-390 e a produção dos caças F-39 Gripen, pela Aeronáutica.

“Isso mostra que, mesmo enfrentando uma série de desafios na alocação estratégica do seu orçamento, a pasta da Defesa não está atrás em termos de investimento.”

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A PEC 55/2023 seria uma das formas de contornar essa queda orçamentária que o setor vem enfrentando nos últimos dez anos, quando seu orçamento caiu cerca 47%, segundo informações do Ministério da Defesa apresentadas durante a reunião de 17 de abril da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN) da Câmara dos Deputados.

Proporcionalmente ao PIB, o Brasil tem hoje um orçamento de defesa abaixo da média mundial, “que gira em torno de 2,3%”, sublinhou Frizzera. A legislação, então, engancharia esse número à proporção de 2% do PIB, valor que ficou famoso ao ser estabelecido como meta pelos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN).

Contudo, o aumento do orçamento não foi a principal reinvindicação das Forças Armadas na reunião da CREDN, mas, sim, a previsibilidade orçamentária.

Para Carvalho, ambos os pontos estão conectados, uma vez que a PEC estabelece um percentual mínimo para a pasta. “Isso permitiria não apenas ‘desafogar’ a Defesa em relação aos gastos com pessoal, como também proporcionaria uma maior capacidade de planejamento orçamentário a longo prazo.”

Mas “é preciso distinguir quantidade e qualidade”, alertou Frizzera.

“Se for atribuir 2% do PIB ao orçamento da área de defesa, mas continuar gastando quase 80% do valor com despesas de pessoal, será indiferente destinar 1,5%, 2% ou 2,3%.”

“Chegar a 2% do PIB”, diz o professor da Uninter, “fará com que o Brasil alcance uma média orçamentária compatível com seu território e seus desafios, mas o problema continuará existindo se não melhorar a qualidade com que se gasta.”

Os gastos militares na América do Sul

Os gastos militares têm crescido ao redor do mundo e, na nossa região, não fogem à regra. Ao longo de sua fala, Mucio alertou para o fato de que o Brasil é “um dos países da América do Sul que menos aplicam recursos no setor [de defesa]”.

Por um lado, em termos relativos, a exposição do ministro está correta, uma vez que a Colômbia aplica 3,1% do PIB; o Equador 2,2%; o Uruguai 1,9%; o Chile 1,8%; e a Bolívia 1,5%. Por outro, em termos absolutos, “o Brasil segue como o principal ‘gastador’ da América do Sul”, afirma Carvalho.

“Mesmo que em termos de percentual do PIB nosso orçamento de defesa seja ‘menor’ que o dos nossos vizinhos, em termos de montante seguimos em primeiro lugar.”

Esses números também devem ser analisados conforme o contexto particular de cada país. O Chile, por exemplo, tem “tradição de vincular uma porcentagem dos valores obtidos com a venda de cobre, principal produto de exportação, aos gastos em defesa”, destaca Frizzera.

Já a Colômbia tem um histórico de combate ao narcotráfico e está em guerra civil há pelo menos 50 anos, recebendo auxílio militar dos Estados Unidos pelo Plano Colômbia. “Além disso, até a chegada do presidente Gustavo Petro, os colombianos tinham rusgas sérias com os seus vizinhos venezuelanos, justificando esse gasto militar como uma espécie de balança de poder”, destacou.

O Uruguai, por sua vez, de fato possui um orçamento elevado para a defesa em relação ao PIB, mas quase todo esse dinheiro corresponde a gastos com pessoal, enquanto seu arsenal é de “segunda ou terceira categoria”, o que leva a “críticas constantes da população”, sublinhou Frizzera.

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Proporcional ao PIB, o padrão OTAN é, antes de tudo, uma convenção adotada pelos países-membros da aliança militar. Esse valor de 2% funciona a partir do fato de que países com economias e geografias díspares, como Portugal e Alemanha, estão inseridos em “uma construção coletiva de defesa”, diz Frizzera, que, além de tudo, “possui os EUA como fiador”.

Da mesma forma, a questão orçamentária individual de cada país da América do Sul deve ser avaliada de forma secundária a “um amplo projeto de aliança e cooperação com nossos vizinhos”. “O Brasil precisa retomar essa pauta com os países da América do Sul.”

Iniciado na Unasul, projeto de integração sul-americana abandonado durante os governos dos ex-presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro, o Conselho de Defesa Sul-Americano buscava construir uma política comunitária de defesa entre todos os países da região.

“Ela não visava se tornar uma aliança militar, uma espécie de OTAN da América do Sul, mas criar uma visão estratégica comum de defesa”, explicou Frizzera.

Historicamente, a região passou por poucos conflitos armados entre Estados, com a maior parte das ameaças se originando de grupos internos transnacionais ou de potências externas, como na Segunda Guerra Mundial e na Guerra das Malvinas.

Uma política compartilhada de defesa, portanto, funcionaria em dois âmbitos. Em primeiro lugar, a partir da criação de soluções criativas para ameaças “que ultrapassam fronteiras nacionais”, destaca Frizzera. E, em segundo, a partir do fomento conjunto de pesquisas, tecnologias e inovações militares, “o que diminuiria a nossa vulnerabilidade e assimetria perante os países desenvolvidos”.

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