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quinta-feira, 27 novembro, 2025

G20: nações do BRICS tentam alterar ordem internacional para além de temas tradicionais, diz analista

© Palácio do Planalto / Ricardo Stuckert

Sputnik – Pela primeira vez na história, o continente africano foi palco de um dos maiores fóruns internacionais: a cúpula de chefes de Estado do G20. Apesar da ausência dos Estados Unidos, que sequer enviaram um representante, especialistas afirmam que o encontro mostrou mais uma vez a força do Sul Global na defesa do multilateralismo.

Enquanto em Belém aconteciam os últimos dias da intensa agenda da COP30, que levou ao avanço de temas como transição energética justa e financiamento climático, Joanesburgo, na África do Sul, recebia no último fim de semana a cúpula de chefes de Estado do G20. Assim como na conferência sobre as mudanças climáticas, o encontro também foi marcado pela ausência dos Estados Unidos, em que o presidente Donald Trump decidiu não participar.
Sob o tema “Solidariedade, Igualdade e Sustentabilidade”, os líderes aprovaram a declaração final com foco na necessidade de investimentos nos países em infraestrutura de resiliência aos desastres causados pelo aquecimento global. Além disso, o texto trouxe temas como transição energética justa, ampliação do acesso mundial à eletricidade, exploração dos minerais críticos em prol do desenvolvimento e ainda a defesa à sustentabilidade da dívida internacional de países de baixa renda.
Para o professor de relações internacionais da Universidade Anhembi Morumbi João Estevão, o encontro na África do Sul marca mais uma vez o protagonismo do Sul Global como agente da redefinição da atual ordem internacional, em que a hegemonia de uma única potência dá cada vez mais lugar à voz de vários centros de poder no cenário global — no ano passado, a cúpula do G20 ocorreu no Rio de Janeiro.
Mundioka #755 - Sputnik Brasil, 1920, 24.11.2025

Mundioka

Como foi o G20 em Joanesburgo?

“Por um lado, nós tivemos a COP30, que aconteceu em um país em desenvolvimento, também membro do BRICS, que tratou de questões climáticas e financiamento sobre a questão. Logo em seguida, temos o G20, que também aconteceu em um país que é potência regional e faz parte do BRICS. E também há uma outra importância que é uma espécie de clivagem que já começamos a ver desde os anos 2000 e volta e meia aparece nos principais fóruns multilaterais, que é uma certa divisão entre o Norte e o Sul Global”, destaca ao podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
Conforme o especialista, as potências médias como Brasil e África do Sul são cruciais por colocarem no centro do debate a necessidade de criar novos “mecanismos de concertação e cooperação internacional”, inclusive como forma de contornar a “incapacidade ou falta de vontade” dos Estados Unidos em participar de forma ativa desses encontros.

“Não que isso não tenha acontecido em outros momentos, mas é uma reafirmação da tentativa desses países, particularmente do BRICS, de se colocar como um polo de nações que consiga alterar o ordenamento internacional para além de temas tradicionalmente tratados, como segurança, comércio e economia, mas outros bem atuais, a exemplo da crise climática e a governança sobre a inteligência artificial“, explica.

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EUA e a tentativa de esvaziar espaços políticos

Aliado a isso, o professor avalia que a completa ausência de Washington em um encontro tão importante sintetiza a agenda internacional do país: forçar definições na base “da força bruta”, sem apreço pelos canais diplomáticos e de cooperação. Para isso, os Estados Unidos tentam esvaziar esses espaços políticos importantes como a COP30 e o G20.

“O que se tem no governo Trump é, de fato, uma tendência de não só reforçar um unilateralismo, como durante o governo [George W.] Bush, mas de tentar forçar as negociações internacionais, se é que podemos chamar disso, na base da força bruta e no convencimento de um lado só. E isso acaba buscando esvaziar espaços políticos importantes, não só a COP ou o G20, mas instituições multilaterais, como temos visto na Unesco, OMS [Organização Mundial de Saúde] e o próprio Acordo de Paris”, cita, ao exemplificar também o caso das tarifas de importação que foram marca da gestão nos últimos meses.

Apesar da tentativa de boicote, Estevão diz que uma das consequência disso é justamente o reforço da cooperação multilateral entre os países em desenvolvimento, com temas que poderiam não ganhar tanta força se a situação fosse outra. Além disso, o especialista lembra que a presidência rotativa do G20 passou para os Estados Unidos, que vai receber a próxima cúpula de líderes em 2026.

“Essas questões que são tradicionalmente tratadas pelas potências médias certamente vão ter muita oposição por parte do governo norte-americano. Por outro lado, talvez teremos a tentativa de tratar de temas como comércio internacional, para buscar legitimar as barreiras que o país tem colocado, principalmente nas disputas com a China. Me parece que esse é o principal campo de disputa que está em jogo”, afirma.

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Conflitos internacionais fora das prioridades do G20

Já o professor de relações internacionais do IBMEC de Brasília Ricardo Caichiolo afirma que questões como os conflitos na Ucrânia e na Faixa de Gaza não ganharam destaque nas discussões do G20, apesar de terem sido citados de forma branda na declaração final. Conforme o especialista, a situação é resultado da dificuldade de consensos nessa área dentro do grupo.
“O G20 tem uma série de atores que têm percepções bem distintas, estrategicamente, em relação aos conflitos que estão ocorrendo, além de interesses também muito divergentes. Podemos citar, de um lado, os Estados Unidos e seus aliados ocidentais. E no outro, obviamente, a Rússia e a própria China. Os países do Sul do planeta, digamos assim, acabam priorizando uma certa neutralidade, já que pensam na questão dos princípios da soberania […]. Então, chegar a um denominador comum é muito improvável”, argumenta.
Como consequência, acrescenta Caichiolo, questões mais sensíveis acabam sendo citadas nas declarações do G20 de forma rasa.

“Politicamente, essa divisão acaba expondo esses problemas, não só a uma questão de sensibilidade do tema, mas a própria característica que a gente percebe hoje em dia em fóruns como o G20, em instituições globais e multilaterais, que já têm um problema para traduzir essa autoridade dessas instituições nesse mundo que a gente percebe multipolarizado. Você não tem mais um mundo bipolar entre Estados Unidos e China, mas um mundo em que existe uma série de atores que brigam por espaço e por influência”, finaliza.

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