por Edmilson Costa [*] Com a presença de mais de 1.200 delegados das mais diversas regiões do País, incluindo os guerrilheiros das montanhas, os milicianos e os militantes das cidades, além de delegações de organizações políticas e movimentos revolucionários de mais de 20 países, foi criado, durante o histórico primeiro Congresso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-Exército do Povo, em Bogotá, o novo partido político das FARC-EP, chamado de Fuerza Alternativa Revolucionária del Comum – FARC. A partir de agora a organização guerrilheira, que lutou nos últimos 53 anos nas montanhas, se transforma em partido político e se incorpora à vida civil. O Congresso durou cinco dias e foi aberto oficialmente por Timoleón Jimenez, dirigente máximo das FARC, mais conhecido como comandante Timochenko, que saudou os delegados e os conclamou a deixar o passado para trás. “Estamos dando um passo transcendental. Nos transformaremos a partir deste evento em uma nova organização exclusivamente política, que exercerá suas atividades por meios legais. Mas isso não significa que renunciamos aos nossos fundamentos ideológicos e o projeto de sociedade. Seguiremos sendo revolucionários como os marquetalianos. Nossa missão fundamental será ganhar as massas, sem as quais o adversário fará o que quiser conosco. Sem elas não conseguiremos lograr nada”, disse Timochenko. Ainda na abertura do congresso ocorreu uma saudação em vídeo, desde Quito, do comandante do Exército de Libertação Nacional (ELN), Pablo Beltrán, que saudou a formação do partido político das FARC e destacou a necessidade da unidade do povo, das forças revolucionárias e a unidade das forças alternativas. “Contem conosco nesta tarefa de construir a paz, pois a paz é de todos e para todos. Esperamos que avancem muito como força política”, enfatizou o comandante do ELN. Também falou, como representante da nação que sediou as negociações entre o governo e as FARC, o representante do Partido Comunista Cubano. O informe político ao Congresso ficou a cargo do comandante Ivan Marquez, que ressaltou que as armas nunca foram um fetiche para a guerrilha. “Nos impuseram a guerra. No entanto, nunca consideramos a resistência armada uma finalidade em si mesma. Sempre buscamos uma solução política, o diálogo e a negociação, como desde a primeira vez nos acordos da La Uribe, nas posteriores iniciativas fracassados de Caracas, Tlaxcala e San Vicente de Caugán, sem deixar de lado os permanentes contatos com diferentes governos. Todas essas experiências finalmente renderam frutos: primeiro nos diálogos e negociações de Havana e depois no acordo final consumado em 24 de novembro de 2016”, disse o comandante Marquez. O comandante também afirmou que, apesar de as FARC estarem cumprindo tudo que foi acordado, o governo não está respeitando vários itens dos acordos de paz. Por isso, é necessário que o governo cumpra tudo que foi definido no acordo. Um debate intenso Ao longo de cinco dias os delegados debateram sete temas fundamentais: política, organização, finanças, eleições, estatuto e programa, política internacional. Aprovaram um programa político e a nova direção do novo partido político, composta por 111 membros, incluindo todos os antigos componentes do Estado Maior das FARC-EP, além dos nomes dos cinco senadores e cinco deputados a que o novo partido terá direito pelos Acordos de Havana. O Congresso foi realizado num clima de grande alegria, animação e entusiasmo, pois era a primeira vez que aqueles guerrilheiros se apresentavam num evento legal; muitos deles nunca sequer tinham visitado Bogotá, uma vez que se incorporaram à guerrilha muito jovens e passaram o tempo todo nas montanhas lutando. Por isso, a cada discurso, vinham as palavras de ordem típicas das montanhas: “Por Bolívar, pelo povo, nenhum minuto de silêncio, toda uma vida de combate”. Entre os pontos programáticos aprovados está a resolução de que os antigos guerrilheiros trabalharão por um processo social e político que permita construir uma sociedade alternativa, em que impere a justiça social, a democracia real e avançada, a superação de toda exclusão, discriminação ou segregação por razões econômicas, sociais, étnicas, religiosas ou de gênero; que se garanta uma vida e uma existência digna, o bem estar dos indivíduos e da comunidade; que se construa uma nova economia política que garanta a realização material dos direitos humanos, permita a relação harmoniosa com a natureza e assente as bases para uma nova ética de relações sociais, de cooperação e solidariedade. O ato de lançamento do novo partido foi realizado na Praça Bolívar, a principal do País, com a presença de cerca de 15 mil pessoas, delegados internacionais e representantes dos países garantidores do acordo e de outras organizações que defendem a paz, além de shows de artistas do país simpáticos à causa da paz e da guerrilha. O ponto alto do evento foi o discurso do comandante em chefe das FARC, camarada Timochenko, que afirmou: “Estou seguro que os colombianos querem a paz e estão dispostos a defendê-la como o mais precioso direito. Por isso, o novo partido trabalhará por meios pacíficos e seu compromisso é com a paz, a democracia e a justiça social”. Um dos momentos mais emocionantes do ato público foi quando um grupo de povos originários, entre anciãos, xamãs e pajés, em ritual com trajes típicos. entregaram o cachimbo da paz à direção do novo partido, sendo aplaudidos efusivamente pela multidão. Principais pontos do acordo do Havana Esse processo de formação do novo partido e reincorporação das FARC-EP à vida civil é resultado dos Acordos de Havana, entre as FARC-EP e o governo colombiano. Esses acordos envolvem seis pontos, aqui muito resumidos (em breve farei um artigo mais amplo sobre o assunto): Ponto 1) Reforma agrária integral, pelo qual as partes se comprometem a contribuir para a transformação estrutural do campo, de forma a contribuir para erradicar a pobreza, promover a igualdade e assegurar os direitos de cidadania. Ponto 2) Participação política e abertura democrática para a paz: ampliação democrática que permita que surjam novas forças no cenário político para enriquecer o debate em relação aos grandes problemas nacionais, de forma a fortalecer o pluralismo e a representação de diferentes visões e interesses da sociedade, o que implica no desarmamento e fim da violência como método de ação política para todos e todas colombianas, de forma a transitar para um novo cenário em que impere a democracia, com garantias plenas para quem queira participar da política.
Ponto 3) Cessação de fogo e hostilidade bilateral e definitiva e abandono das armas. Tem o objetivo de terminar definitivamente as ações ofensivas entre a Força Pública e os guerrilheiros, incluindo as populações, de forma a preparar a institucionalidade e o país para reincorporação das FARC-EP à vida civil, do ponto de vista político, econômico e social, de acordo com seus interesses. Esse ponto também estabelece garantias contra organizações criminosas que cometeram crimes e massacres, sucessoras do paramilitarismo e suas redes de apoio. Ponto 4) Solução dos problemas das drogas ilícitas: solução definitiva desses problemas, incluindo o cultivo de uso ilícito e sua produção e comercialização. As partes se comprometem a dar um tratamento distinto e diferenciado ao problema do consumo, ao problema do cultivo, à criminalidade organizada associada ao narcotráfico, assegurando um enfoque baseado nos direitos humanos e na saúde pública. Ponto 5) Em relação às vítimas do conflito: o ressarcimento das vítimas deve estar no centro do acordo. Por isso, será criado um sistema integral de verdade, justiça, reparação e não repetição que contribua para a luta contra a impunidade, combinando mecanismos judiciais que permitam a investigação e sanção de graves violações dos direitos humanos e graves infrações ao direito internacional humanitário, com mecanismos que contribuam para esclarecimento e buscas dos desaparecidos e reparação dos danos causados a pessoas, a coletivos e territórios inteiros. Cria também uma Comissão de Esclarecimento da Verdade, unidade especial de busca dos desaparecidos em função do conflito armado. Ponto 6) Mecanismo de implementação e verificação dos acordos: criação de uma comissão se seguimento, implementação e verificação dos acordos, integrada por representantes do governo e das FARC-EP com o objetivo de avaliar a implementação dos acordos e servir de instância para resolução de controvérsias e diferenças. Também cria um mecanismo de acompanhamento para que a comunidade internacional possa contribuir também para a implementação dos acordos. Outras informações Os delegados internacionais participaram apenas da abertura e do encerramento do Congresso, mas tiveram uma intensa programação política e cultural. Uma das coisas que chamou a atenção foi o grande aparato de segurança montado em torno do hotel onde estavam os delegados, bem como no Congresso. Do lado de fora a segurança era da Polícia. Do lado de dentro a responsabilidade era dos guerrilheiros. Pelas informações que colhemos, cerca de 1.200 guerrilheiros participaram da segurança do evento, ressaltando-se que em cada andar do hotel em que estávamos tinha segurança das FARC. Todo esse aparato teve como objetivo evitar provocações por parte tanto da extrema-direita quanto dos paramilitares. Os delegados internacionais visitaram um acampamento guerrilheiro, chamado de Zonas de Transição, onde ficam os guerrilheiros que desceram das montanhas, entregaram as armas e que agora preparam sua incorporação à vida civil. Vale ressaltar que as armas não foram entregues para o Exército, mas ficaram sob custódia da Organização das Nações Unidas e do ferro fundido dessas armas serão feitos três monumentos: um nas Nações Unidas, outro em Havana, capital dos acordos, e outro na Colômbia. Nesses acampamentos pudemos sentir de perto a vida dos guerrilheiros nessa nova fase, tanto o que aprenderam na guerrilha quanto as dificuldades da vida sem armas. Uma das comandantes do acampamento nos contou que nas FARC-EP havia uma formação política permanente, fato que se pode observar nas conversas com os guerrilheiros e guerrilheiras. Também havia uma estratégia cultural, de forma a criar uma cultura comunista e fariana entre os guerrilheiros e guerrilheiras. Todos tinham aulas de canto, coral e eram estimulados a desenvolver algum tipo de atividade cultural. Uma das comandantes do acampamento, a guerrilheira Luzero, era também cantora e nos foi brindado um espetáculo folclórico com temas típicos da cultura nacional. Mas também as dificuldades são muito grandes. Como o governo não está cumprindo plenamente os acordos, pois deveria entregar material para que os guerrilheiros pudessem fazer suas casas e construir barracões, e sementes para as plantações de grãos árvores frutíferas, os acampamentos ainda têm funcionamento precário. Não têm luz elétrica, nem água encanada, nem banheiros: as pessoas fazem suas necessidades fisiológicas no meio do mato. No acampamento que visitamos já havia alguns projetos embrionários produtivos, como criação de porcos, coelhos, alguns grãos e verduras. Como me disse uma guerrilheira, esses acampamentos, quando estiverem concluídos, deverão se transformar em estabelecimentos agropecuários, tanto para sustentar a vida dos guerrilheiros e sua incorporação à vida civil, mas também para se transformarem em estabelecimentos de sustentabilidade econômica social e política. Muitos militantes especializados estão contribuindo tecnicamente para o desenvolvimento de vários projetos nas diversas áreas. Os guerrilheiros acreditam que a solidariedade internacional tem um papel importante para forçar o governo a cumprir plenamente os acordos e por isso é dever de todos nós incrementar a solidariedade para que Acordos de Havana sejam plenamente cumpridos. Abaixo segue a mensagem do PCB ao Congresso das FARC-EP. Saudação do PCB aos camaradas das FARC-EP Rio de Janeiro, 23 de agosto de 2017 Camaradas das FARC-EP Recebam uma saudação fraterna, combativa, internacionalista e revolucionária da militância, dos nossos coletivos de luta e do Comitê Central do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por ocasião deste histórico congresso de fundação do partido político das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo. Desde o Brasil sempre estivemos na linha de frente da solidariedade com os e as camaradas, que na época estavam em armas nas montanhas e agora, neste novo momento, estão buscando os mesmos objetivos pela via política. Queremos expressar nossa solidariedade militante a todos e todas as camaradas e desejar que este congresso seja realizado com pleno êxito e que aponte alternativas para os trabalhadores e trabalhadores, a juventude e o povo pobre da Colômbia em busca de sua libertação. Queremos reverenciar também neste momento todos os guerrilheiros que tombaram em seus postos de combate para que este momento pudesse ser alcançado. O sacrifício, a valentia e a generosidade desses combatentes revolucionários honram todos os colombianos, enchem de orgulho os revolucionários de todo o mundo e, especialmente, os comunistas. Não poderemos esquecer que estes mais de 50 anos de luta demonstraram que nenhuma força, por mais brutal e poderosa que seja, é capaz de derrotar um povo quando este está decidido a lutar por sua liberdade e emancipação de todos os oprimidos e explorados. Vocês escreveram uma das mais belas páginas da história revolucionária da América Latinas e agora, neste novo momento, esperamos grande êxito nesta nova empreitada politica. Sabemos das imensas dificuldades que os camaradas enfrentarão nesta nova etapa. Os inimigos da paz e do progresso social tramam diariamente para o fracasso dos acordos e buscam de maneira permanente criar condições para retrocessos, aplicar a violência contra dirigentes políticos e sindicais, perseguir e criminalizar os dirigentes políticos e as lutas sociais. Mas nós temos confiança que os trabalhadores e a juventude da Colômbia, que resistiram bravamente nas cidades e nas montanhas, saberão conduzir de maneira firme e exitosa esse novo momento na vida do País. No Brasil, também estamos passando por um momento bastante grave, fruto de uma ofensiva geral da burguesia contra os direitos, salários e garantias dos trabalhadores, da juventude e dos pensionistas. Estamos diante de um governo odiado pelo povo, que se assemelha mais a uma quadrilha, um governo puro sangue da burguesia constituído para assaltar os cofres públicos, reduzir os salários dos trabalhadores, cortar gastos sociais e as aposentadorias. Mas os trabalhadores brasileiros estão também resistindo bravamente, mediante dezenas de manifestações de ruas, greves gerias e lutas nos locais de trabalho, moradia e estudo. Ainda não conseguimos reunir força suficiente para derrubar o governo e construir o poder popular, mas o enorme descontentamento da sociedade brasileira com a corrupção e com as medidas brutais contra os trabalhadores, a juventude e o povo pobre dos bairros em algum momento se transformará em luta organizada para conquistarmos uma nova sociedade no Brasil. Sabemos que esse movimento do grande capital não está sendo realizada apenas no Brasil. Faz parte da ofensiva mundial da burguesia para sair da crise que a vem castigando há mais de 10 anos e que até agora o sistema capitalista não encontrou saída para recuperar a economia e realizar a estabilidade política. Em seu desespero, aprofunda a política imperialista, fomenta guerras contra países que se contrapõem aos seus interesses, mesmo que para isso tenham que violar o direito internacional e contratar mercenários para realizar o trabalho sujo. Tudo isso para se apoderar das riquezas minerais estratégicas dessas nações. Mas é importante observar que em nenhuma dessas guerras o imperialismo conseguiu obter êxito pleno, especialmente na Síria onde está sendo derrotado. Em nossa América Latina, após um período em que governos progressistas tomaram um conjunto de medidas para a integração regional, reduzindo o papel dos Estados Unidos na região, o imperialismo retomou a ofensiva, reativando a IV Frota, ampliando as bases militares em diversas regiões, promovendo golpes, utilizando-se dos meios de comunicação monopolistas, de suas agências de inteligências e das oligarquias locais para manipular as informações, satanizar dirigentes políticos que não lhe agradam, sabotar a economia, provocar o desabastecimento, como na Venezuela, e financiar a violência e o caos para tornar possível uma intervenção militar. Temos confiança que os nossos povos, que no passado já deram mostras de heroísmo em defesa dos seus interesses, saberão resistir às investidas do imperialismo, do grande capital e das oligarquias locais. Por isso, é fundamental que estreitemos os laços entre os revolucionários, realizemos de maneira mais coordenada nossas ações na região, de forma a dar combate mais organizado aos nossos inimigos históricos. Temos confiança na força dos trabalhadores e da juventude para alcançarmos a nossa emancipação. Viva o novo partido político das FARC-EP Viva o internacionalismo revolucionário Partido Comunista Brasileiro (PCB) O original encontra-se em pcb.org.br/portal2/16020 Este artigo encontra-se em http://resistir.info/ . 07/Set/17 |