O presidente Jair Bolsonaro gosta de copiar o seu ídolo americano, Donald Trump – da suposta inofensividade do coronavírus até os poderes de cura de medicamentos como cloroquina e hidroxicloroquina, passando pela teoria da conspiração de que o vírus foi uma criação da China para atacar o mundo ocidental.
Ao mesmo tempo, as igrejas neopentecostais brasileiras seguem a mesma linha sobre o novo coronavírus que os pregadores evangélicos da televisão dos EUA.
O vírus é uma estratégia de satã, anunciou Edir Macedo, o fundador da poderosa Igreja Universal do Reino de Deus, em um vídeo nas redes sociais. Quem nada teme não precisa se preocupar, pois o vírus nada poderá lhe fazer, acrescentou o milionário dono da Record. Já Valdemiro Santiago, o líder da Igreja Mundial do Poder de Deus, considera o vírus uma vingança divina.
Nos últimos dias, o mais agitado de todos foi Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo e tido como o guru religioso de Bolsonaro. Assim como o mandatário, Malafaia também criticou o isolamento social.
“Vai morrer gente pelo coronavírus? Vai. Mas se houver caos social, vai morrer muito mais. As igrejas são essenciais para atender pessoas em desespero, angustiadas, depressivas, que não serão atendidas nos hospitais”, afirmou Malafaia.
Na última quinta-feira (26/03), Bolsonaro alterou um decreto que define os serviços públicos e as atividades essenciais em meio à pandemia do novo coronavírus, incluindo na lista as atividades religiosas. No dia seguinte, a Justiça Federal do Rio de Janeiro suspendeu o trecho referente às igrejas do decreto, mas nesta terça-feira, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) derrubou a decisão, voltando a permitir as atividades religiosas.
Vários templos das grandes igrejas neopentecostais permanecem abertos. A maioria, porém, está vazia. Malafaia e Santiago celebram seu cultos em templos vazios e os transmitem pela internet.
“O declínio é geral em todas as igrejas. Há uma redução enorme da frequência das pessoas nas igrejas”, analisa o sociólogo Clemir Fernandes, do Instituto de Estudos da Religião (Iser). “Pois, quanto mais a imprensa fala e as pessoas têm informações qualificadas e percebem os riscos, mais as pessoas tomam previdências. Afinal, as mortes estão aumentando.”
Além das grandes igrejas, existe um universo aparentemente infinito de pequenas igrejas, que encontram fiéis sobretudo nas comunidades pobres.
“A pessoa vai no mercado, onde tem muito mais gente do que na igreja que fica na esquina da casa dela. E lá na igreja, ela não se sente insegura”, diz Fernandes. Para ele, as pessoas se protegem e “não são irresponsáveis”.
Mesmo assim, há relatos de pastores que minimizam os riscos do vírus ou querem derrotá-lo com a ajuda de Deus. Uma igreja em Porto Alegre prometeu até mesmo a imunização contra o vírus.
“Isso é muito folclórico e caricatural, não é representativo do universo evangélico em geral”, comenta Fernandes. “No geral, as pessoas são mais racionais.”
Segundo ele, o mundo evangélico é bem mais receptivo à ciência do que outras confissões. “As igrejas evangélicas na tradição do protestantismo não negam a ciência. Os evangélicos, em geral, tomam a pílula da ciência, mas também fazem suas orações; não abrem mão nem de uma nem da outra coisa.”
Episódios bizarros relatados pela imprensa brasileira têm muito mais que ver com a projeção que os evangélicos obtiveram depois da eleição de Bolsonaro, diz o sociólogo.
“Fundamentalismo do excluído”
Assim como ocorreu com Trump nos EUA, os evangélicos neopentecostais ajudaram a eleger Bolsonaro. Eles são cerca de um terço da população de 210 milhões de brasileiros, mas são muito mais bem organizados do que a maioria católica.
Bolsonaro, que oficialmente é católico, deixou-se batizar por um pastor evangélico no rio Jordão em 2016. Ele costuma frequentar cultos neopentecostais ao lado da esposa, que é evangélica.
Para o professor Francisco Borba Ribeiro Neto, coordenador do Núcleo Fé e Cultura da PUC-SP, Bolsonaro representa uma espécie de “fundamentalismo do excluído”, que ecoa sobretudo entre setores da população “que se orientam pelos valores tradicionais e se sentem excluídos e marginalizados no atual processo de desenvolvimento econômico”.
Esse setor cultiva também um inimigo imaginário, aponta Ribeiro Neto. “O fundamentalista enxerga o mundo preenchido por perigos e inimigos ocultos e acredita que sua observância estrita a um conjunto de normas e doutrinas é sua única salvação contra o mal do mundo.”
“A pandemia reforça essa imagem aterrorizante do mundo atual. Existe uma forte associação entre negar a necessidade de isolamento social, para não atrapalhar a economia, e negar o perigo do aquecimento global, que também atrapalha a economia. O problema de fundo não é a economia, como pode parecer, mas a necessidade de se distinguir do adversário e transformá-lo num ‘espantalho ideológico’, perigoso e ridículo”, diz Ribeiro Neto.
Para Fernandes, a demonização do isolamento social por líderes evangélicos como Malafaia é apenas faro para os negócios, semelhante ao de muitos empresários que também se manifestam contra o isolamento e fechamento de lojas.
“A relação de Malafaia com Bolsonaro é semelhante à de muitos empresários. Eles não querem abrir mão dos seus lucros e dos seus crescimentos. Silas Malafaia é um empresário da religião, que, junto com esse outros empresários, defende os seus interesses.”
Do ponto de vista político, negar os riscos do novo coronavírus não é sustentável, avalia Fernandes. Entre os evangélicos, o apoio a Bolsonaro recua, assim como em toda a sociedade brasileira. Isso inclui também a bancada evangélica no Congresso Nacional. Pois também entre eles há médicos e deputados com conhecimentos científicos, lembra.
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