Bolsonaro, ao lado da primeira-dama Michelle, com os pastores evangélicos no Planalto. Foto Orlando Brito/Os Divergentes
Por Jair de Souza
Nestes dias em que nosso país foi assolado por uma enorme tragédia climática que alagou vastas áreas do estado do Rio Grande do Sul, arrasando moradias, campos de produção e ceifando a vida de muita gente, fomos surpreendidos com a circulação nas redes sociais de um vídeo no qual uma mulher neonazista, cujo nome não merece ser evidenciado, procura atribuir a culpa por toda essa desgraça que se abateu sobre nós às religiões de matriz africana.
Em condições normais, seria tão somente mais uma das expressões corriqueiras próprias da indecência do racismo de nazistas-bolsonaristas e seus similares. Afinal, da escrotidão do nazismo-bolsonarismo não seria lógico esperar coisas muito diferentes, já que o racismo e o ódio aos que não fazem parte do que eles consideram como a raça superior são características da podridão ideológica inerente a gente como essa mulher do citado vídeo.
Entretanto, o que nos causa mais espanto é constatar que a facínora nazistoide deste caso se autoqualifica como cristã. Como é possível que uma pessoa imbuída de sentimentos de tanta maldade e perversidade tenha o descaro de se apresentar como cristã? Se, para seus seguidores, a figura de Jesus simboliza a aspiração mais profunda e sincera por justiça, igualdade e solidariedade, como aceitar que seja tido como cristão alguém que demonstra cultivar a maldade em sua mais horrenda faceta?
É evidente que se a mulher nazista à qual estamos nos referindo tivesse se incluído no rol dos adoradores do diabo, não veríamos nisso nenhuma anormalidade. Como o racismo, a perversidade e o ódio são qualidades naturalmente atribuídas ao senhor das trevas, então, a tal senhora poderia tranquilamente ser catalogada como uma serviçal do diabo. Em tal caso, tudo estaria em seus conformes!
Este acontecimento nos estimula a meditar sobre como encarar o debate junto às diferentes comunidades religiosas de nosso país no atual momento que estamos vivenciando. Precisamos reiterar com veemência que somos defensores da plena liberdade de culto religioso, independentemente da fé cultuada. Mas, e aqui não pode haver vacilação, não toleramos que uma religião se imponha através do aniquilamento dos direitos dos seguidores de outras religiões. Toda e qualquer fé pode ser cultuada e deve ser respeitada desde que também respeite a liberdade das outras.
Para os que desejam com sinceridade seguir os ensinamentos de Jesus, o que acabamos de dizer no parágrafo anterior não representa nenhum problema. É que, conforme os relatos encontrados nos Evangelhos, toda a vida de Jesus está marcada por sua tolerância e respeito. Para Jesus, o importante sempre foi a busca por um mundo melhor e mais justo, um mundo onde prevalecesse a justiça e a solidariedade. Para Jesus, buscar a Deus é praticar a bondade, o amor, lutar contra as injustiças, defender os mais fragilizados.
Agora, imaginem por um momento se seria possível que o Deus de Jesus fosse um ser racista e supremacista, um que tivesse um povo escolhido em detrimento dos outros, um que considerasse correta a eliminação de outros povos, inclusive de suas crianças. É lógico que se cruzasse com um deus desse tipo, Jesus o mandaria imediatamente para o inferno, pois se trataria em realidade de um diabo e nunca de um Deus de verdade.
Para todos os que querem ter em Jesus a luz para iluminar seu caminho, o mais importante é prestar atenção naquilo que o próprio Jesus ensinava. Não é possível ser um verdadeiro seguidor de Jesus indo atrás de malfeitores, de aproveitadores, de nazistas-bolsonaristas, de empresários manipuladores da fé. Quem deseja fazer parte da comunidade de Jesus, o primeiro que deve levar em conta é que, para Jesus, a fé em Deus só tem valor se for para a prática da bondade, da justiça e da solidariedade.
Os que veem em Jesus o símbolo maior do humanismo não podem aceitar que figuras nazistoides, como a mulher do vídeo mencionado com anterioridade, continuem se sentindo à vontade para usar seu nome para exercer e propagar as maldades contra as quais Jesus sempre lutou. Por isso, para quem deseja estar em sintonia com o espírito do cristianismo, o passo mais significativo a dar é unir forças com todos os demais que também almejem travar a luta para que um mundo mais digno, justo e solidário seja alcançado. E, nestes embates, o que menos relevância terá para um cristão sincero é saber se seus companheiros são evangélicos, católicos ou de quaisquer outras religiões.