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Pré-sal comemora 15 anos batendo recordes de exportação, mas também de frustração entre setores sociais brasileiros. Saiba como pressões dos EUA e do capital estrangeiro levaram o “passaporte para o futuro” brasileiro se transformar em um regime de exploração colonial.
O mês de setembro marca os 15 anos da exploração de petróleo na camada do pré-sal brasileira, reserva que alçou o país a 10º produtor mundial e maior exportador da América Latina.
Extraído pela primeira vez em setembro de 2008, o pré-sal já produziu mais de 5,5 bilhões de barris de petróleo e hoje responde por 78% da produção estatal do Brasil.
Apesar dos dados positivos, setores da sociedade brasileira expressam frustração quanto ao papel que o “ouro negro” teve no desenvolvimento nacional.
“Os resultados poderiam, sim, ter sido muito melhores”, disse o vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), Felipe Coutinho, à Sputnik Brasil. “Mas, na ocasião da descoberta, se projetou um potencial de desenvolvimento irrealista.”
A consultora da FGV Energia e diretora da Agência Nacional de Petróleo (ANP) entre 2012 e 2016, Magda Chambriard, concorda que as expectativas sobre as reservas foram superdimensionadas.
“A sociedade auferiu benefícios, ainda que não na velocidade que pretendeu”, disse Chambriard à Sputnik Brasil. “Temos que incluir nessa conta fatores como a crise econômica mundial e a queda no preço do petróleo durante esse período.”
O otimismo exacerbado quanto ao potencial das reservas se aliou à ideia equivocada de que a exportação de petróleo cru seria suficiente para o desenvolvimento de uma economia complexa como a brasileira.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva mostra as mãos sujas de petróleo cru depois de acionar uma das válvulas de controle dos poços do navio-plataforma P 50 da Petrobras, que deu início à produção do campo de Albacora Leste na Bacia de Campos, litoral do estado do Rio de Janeiro (foto de arquivo)
© Folhapress / Ana Carolina Fernandes
“Não é possível desenvolver um país de dimensões continentais como o Brasil exportando uma matéria-prima como o petróleo cru, muito menos quando essa exportação é feita por multinacionais estrangeiras”, explicou o engenheiro e vice-presidente da AEPET.
Atualmente, o Brasil exporta volumes recordes de petróleo cru, que atingem os 1,5 milhão de barris diários, o equivalente a 45% da produção nacional. Cerca de 60% dessa exportação são realizadas por empresas estrangeiras, com destaque para a britânica Shell.
Logotipo da empresa petrolífera Shell em um posto de gasolina
© AFP 2023 / Adrian Dennis
Para Coutinho, a exploração do pré-sal se assemelha aos demais ciclos econômicos coloniais da história do Brasil: apresenta uma fase de ascensão, seguida por apropriação da produção por número reduzido de pessoas ou empresas, levando à exaustão e redução da exploração do recurso primário.
“Assim como os ciclos que o Brasil experienciou no período colonial e pós-colonial, o ciclo da exploração do petróleo do pré-sal caminha para o mesmo destino, infelizmente”, disse o engenheiro.
EUA e retirada da Petrobras como operadora única
O regime de exploração do pré-sal pensado na ocasião do seu descobrimento foi modificado, em função da pressão do capital internacional sobre o governo brasileiro. Uma das alterações mais significativas – e polêmicas – foi a retirada da Petrobras da condição de operadora única.
“Antes, os consórcios precisavam contar com a Petrobras como operadora única, com participação mínima de 30%. Isso dava para o Brasil a oportunidade de reter boa parte da renda petrolífera, poque a Petrobras poderia adotar políticas de conteúdo nacional e de contratação de bens e serviços no país”, explicou Coutinho.
Documentos divulgados pelo Wikileaks denunciam conluio entre o então senador José Serra e autoridades norte-americanas no Brasil para mudar as regras da exploração do pré-sal, em detrimento dos interesses brasileiros.
Ministro José Serra e presidente Michel Temer
© Beto Barata/PR
Telegramas emitidos pelo Consulado dos EUA em São Paulo relatam o comprometimento de Serra com uma executiva da empresa norte-americana Chevron para alterar as regras de exploração de petróleo do pré-sal.
No período final do segundo mandato de Dilma Rousseff (2015-2016), o então senador José Serra apresenta projeto para retirar a Petrobras do regime de operadora única, “atendendo aos interesses das multinacionais do petróleo, em especial aquelas sediadas nos EUA”, relatou Coutinho.
Apesar de ter condições de fazer oposição ao projeto, o governo cede e aprova emenda na qual a Petrobras passava a gozar somente de regime “preferencial”.
“O próprio governo Dilma recuou da manutenção da Petrobras como operadora única. Se o governo da época tinha a intenção de ceder ao capital internacional para se manter no poder, a história mostrou que não foi o suficiente”, lamentou Coutinho.
Para Magda Chambriard, o papel da Petrobras em projetos complexos como o do pré-sal é fundamental, dado o alto nível de comprometimento da empresa com projetos sediados no Brasil.
Técnico da Petrobras examina amostra de óleo no Polo Urucu , no Amazonas
© AFP 2023 / Evaristo Sá
“Acredito que as empresas estatais assumem mais riscos no Brasil do que as estrangeiras”, considerou Chambriard. “Para mim, o dilema não é entre operação exclusiva ou não exclusiva. Mas o que vejo são as estatais se comprometendo mais com seus países – e isso é uma realidade na atuação das empresas estatais no geral, não é um comportamento exclusivo da Petrobras.”
A retirada da Petrobras do regime de operadora única comprometeu a viabilidade da política de conteúdo local, que buscava garantir que as necessidades da exploração do pré-sal fossem atendidas por produtos e serviços oferecidos pela sociedade brasileira.
Instalações da Refinaria de Paulínia (Replan), da Petrobras, em São Paulo, Brasil, 3 de maio de 2022
© Folhapress / Luciano Claudino / Código 19
“Por outro lado, aprendemos que o pré-sal era grande demais para a indústria brasileira”, notou Chambriard. “A indústria pretendia fornecer, mas não atendia a demanda. Foi um bônus grande demais, que se transformou em um ônus para a indústria nacional.”
Os governos de Michel Temer (2016-2018) e Jair Bolsonaro (2019-2022) aprofundam as contradições do modelo de exploração do pré-sal ao acelerar a exploração dos recursos, sem considerar o consumo nacional.
“Esses governos aceleraram a entrega das reservas do pré-sal ao capital estrangeiro, de maneira desproporcional à demanda brasileira, gerando esse gigantesco excedente de petróleo cru que está sendo exportado, em sua maior parte, por multinacionais”, lamentou Coutinho.
Correção de rumos
Para o vice-presidente da AEPET, ainda há tempo de corrigir os rumos e retomar um modelo exploratório mais benéfico aos interesses nacionais.
“É necessário rever a política e ritmo exploratório do pré-sal e recolocar a Petrobras como operadora única”, disse Coutinho. “Também é importante fazer a exploração na medida em que o Brasil possa consumir esse petróleo ou angariar valor a ele.”
Para Coutinho, o governo atual não deve se abster do debate, alegando falta de vontade política no Congresso Nacional para conduzir mudanças.
“Se você assume que não há potencial político para recolocar a Petrobras, está capitulando. Uma liderança política deve mobilizar seus recursos e pautar o seu público em favor de projetos que considera benéficos para a sociedade, como esse”, notou o engenheiro.
Arthur Lira (PP-AL, à esquerda), presidente da Câmara dos Deputados, durante a votação de destaques e do segundo turno da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que expande benefícios sociais, em 13 de julho de 2022
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Para ele, “a passividade é uma desculpa de quem está aceitando que o país continue nessa estrutura colonial. Essas pessoas estão dentre aquela diminuta parcela privilegiada da sociedade, que se comportam como administradores coloniais”.
Apesar do discurso em favor de mudanças na Petrobras e na exploração do pré-sal, o governo Lula ainda não modificou políticas dos governos anteriores, como o ritmo de distribuição de dividendos da Petrobras, tampouco reverteu a privatização de ativos importantes da empresa, como a BR Distribuidora.