Sputnik – Em meio às novas formas de comunicação no âmbito da diplomacia e novos padrões econômicos para sobrevivência em um mundo que ainda não está vivendo o período “pós-pandemia”, a Sputnik Brasil entrevista analistas para entender o rumo que os dois setores podem tomar em 2022 e como as grandes potências vão se posicionar.
Não só no dia a dia a sociedade sentiu o impacto da COVID-19, como também em outras esferas de interação, que modificaram suas bases de diálogo e entrosamento.
No campo da diplomacia, ao invés do tradicional cerimonial envolvendo o encontro entre chefes de Estado,
o virtual chegou como uma opção diante das restrições impostas pela crise sanitária.
Já a economia global, que se orientava colocando as unidades produtivas próximas de onde era mais barato seus custos de produção, mão de obra e matéria-prima, agora segue um importante componente geopolítico para saber onde implantar suas demandas.
A Sputnik Brasil entrevistou um cientista político e um economista para enteder melhor quais serão os caminhos da diplomacia e da economia mundial em 2022.
Para Marcelo Jackson, cientista Político e professor do Departamento de Educação e Tecnologias da Universidade Federal de Ouro Preto, a diplomacia no formato híbrido vai continuar em 2022, mas não necessariamente por uma vontade das autoridades e de chanceleres, mas sim, pelo fato de uma grande parte da população ter escolhido não se vacinar.
“Essa configuração da diplomacia continuará híbrida mais pelas limitações. Ao conseguirmos controlar a pandemia, aí sim será conversado o que será interessante manter virtualmente e o que é interessante voltar a ser da maneira mais clássica.”
No tabuleiro geopolítico da chancelaria, Jackson considera que o embate mais
proeminente é o dos EUA-China, uma vez que “os norte-americanos sabem perfeitamente que a China ultrapassou os EUA em vários aspectos, muito em breve ultrapassará todos [os aspectos], e Washington quer vender um pouco mais cara essa derrota”.
“Nessa disputa temos um terceiro elemento que é a Rússia, como todos os russos tradicionalmente jogam muito bem xadrez, eles são expectadores privilegiados deste cenário, e sabem muito bem como jogar”, analisa o cientista político.
Jackson ainda aponta para um quarto elemento, a Europa, que “tenta sobreviver a duras penas no meio desse contexto, desejando ainda reter uma posição preponderante nas relações internacionais”.
“Essa busca europeia talvez não siga no sentido produtivo, mas no sentido de consumo. Sendo assim, novas regras vão ser impostas. Um exemplo disso, é quando os mercados franceses dizem que não vão comprar carne do Brasil. Se você não pode demonstrar poder em relação aos EUA, China e Rússia, você começa a demonstrar poder em relação a outros.”
Dentro dessas iniciativas, o especialista acredita que, ao fomentar diversas ações
particulares visando interesses distintos, a diplomacia multilateral acaba acontecendo, sendo a mesma um resultado da “soma de diversas atitudes nacionalistas”.
23 de dezembro 2021, 13:41
Sobre as organizações como a Organização Mundial da Saúde (OMS) ou a Organização Mundial do Comércio (OMC), Jackson salienta que
se busca um fortalecimento multilateral dentro destas instituições visto que não vivemos mais em um mundo “centralizado ou bipolar, mas sim, em um mundo multipolar”.
“Como os assuntos vão ser discutidos então? Só se existir uma arena que permita o debate. Não é pela virtuosidade [que essas organizações persistem], mas sim pela necessidade que é inegável de ter esses espaços para debate, portanto, a OMS, a OMC e a ONU, por exemplo, ganham com isso.”
Administração Biden
Sobre o primeiro ano da gestão Biden, na análise do cientista político, o democrata “decepcionou todo mundo, tanto aqueles que esperavam muito dele ou que esperavam que desse tudo errado” e enfrenta como maior desafio externo “a China e a Rússia”, e como desafio interno, “a extrema direita através do trumpismo”.
“Não podemos esquecer que o Trump perdeu para o Biden, mas na última eleição [2020] Trump teve mais votos do que na eleição que ele próprio ganhou [2016], o que mostra um avanço da extrema direita. Quando olhamos para o episódio da invasão do Capitólio no ano passado, vemos que nem os republicanos conseguem controlar sua própria extrema direita.”
Em relação a Pequim, o especialista volta a citar o fato de que os EUA
têm o país como a principal “pedra no sapato” de sua política externa, e atualmente pensa “em como vender de forma cara sua derrota para China, ao mesmo tempo que olha para Rússia, uma vez que os russos também não estão brincando”.
Guerra ao Terror
Sobre as incursões norte-americanas na chamada “Guerra ao Terror”, Jackson acredita que as políticas para o Oriente Médio não vão mudar em um curto prazo, mas ao médio e longo prazo sim, entretanto, o analista aponta que “o modelo de Guerra ao Terror é muito mais terrorista do que os terroristas em si“.
“Precisamos lembrar que quem criou Osama bin Laden, Saddam Hussein e o Talibã [organização sob sanções da ONU por atividade terrorista] foram os próprios Estados Unidos, que ao deixarem o Afeganistão,
mostraram que não modificaram nada lá, porque em questão de horas, voltou tudo a ser como era antes”, diz o cientista político.
Europa
Em relação ao território europeu, mas especificamente sobre o Reino Unido e o Brexit, o especialista indica que agora a população britânica vai começar a sentir a retirada da União Europeia, por exemplo através da alta dos produtos no mercado, e que isso
ficou muito claro que aconteceria desde o princípio.
Já o que não está muito claro é como será a gestão de Olaf Scholz na condução da Alemanha, visto que “após 16 anos de Angela Merkel, que apesar de ser de centro-direita dava conta das demandas sociais e acabou sendo uma pessoa admirada pelos dois lados”, a próxima
administração ainda é um mistério.
“No entanto acredito que, mesmo o atual [Olaf Scholz] sendo de centro-esquerda, no final, vai se repetir o mesmo modelo. […] Acho que o maior desafio da Alemanha hoje ainda é a pandemia pelos baixos índices de vacinação que estão por lá“, pondera Jackson.
América Latina
O cientista político opina que a região do globo mais tensionada em 2022 será a América Latina por conta das eleições presidenciais no Brasil.
“As eleições brasileiras serão importantes para as Relações Internacionais porque o Brasil é o centro da América Latina, ao mesmo tempo, ocupava lugares de lideranças nos organismos internacionais e a sua retirada dessa condução, por obra e graça do atual governo, não gerou o surgimento de novas lideranças deixando um vácuo, e se espera, através dessas eleições, uma volta aos eixos que possa colocar o Brasil nesse lugar que é dele”, avalia o especialista.
Ao mesmo tempo, Jackson crê que o “mundo aos poucos está voltando ao normal com a
onda da extrema direita baixando“, porém, enfatiza que não diz isso porque é de esquerda, mas sim porque “os temas da agenda do século XXI” serão ligados à “distribuição de renda e à questão ambiental, e a extrema direita não dialoga com esses assuntos”.
16 de dezembro 2021, 17:56
Cadeias produtivas e comércio internacional
Para Gilberto Braga, professor de Economia do Ibmec do Rio de Janeiro, a economia mundial se recuperou relativamente bem durante o ano de 2021, mesmo com a pandemia, e espera-se um crescimento um pouco mais forte ao longo de 2022.
“As estimativas dos economistas sugerem que em 2022 o crescimento do PIB mundial deve estar ao redor de 5% […] no entanto, para esse cenário, é importante que não aconteça nenhuma nova variante mais grave da COVID-19, que não provoque isolamento social como no auge da primeira onda.”
A respeito da organização estrutural da economia mundial, o professor diz que se espera um rearranjo das chamadas cadeias produtivas que ficaram “completamente desalinhadas no momento em que houve uma interrupção generalizada por conta da pandemia”.
“Soma-se a isso uma preocupação com a desaceleração na China, e no caso do Brasil, com a falta de reformas e falta de previsibilidade […]. Esses cenários ajudam a projetar o preço do petróleo pressionado em 2022”, explica o especialista.
Sobre Pequim, o professor destaca que não só acontece uma ligeira desaceleração, mas também “a questão do endividamento de algumas empresas chinesas que tem colocado em dúvida a continuidade do processo e do modelo de desenvolvimento chinês em relação aos números globais da sua economia”.
“Esse aspecto deve permear o ano de 2022 e a China, talvez, seja um grande divisor de águas para um crescimento maior ou menor da economia global dada a importância da economia chinesa no mundo.”
O especialista também salienta que os embates entre Washington e Pequim pelo comércio internacional devem permanecer acirrados ao longo do ano “desembocando em disputas tecnológicas, sobre o 5G, e o medo de que as
potências ocidentais possam ser suplantadas por uma tecnologia chinesa de menor custo, mas com uma forte dúvida se tem a mesma eficácia de cobertura e funcionamento”.
Braga também analisa que as economias mundiais passam por um momento de “reflexão”, em que não apenas se olha “para os resultados, para produtividade ou geração de riqueza, mas muitos governos estão sendo avaliados sob a ótica de como combatem a pandemia e de que forma esse combate afeta a economia”.
“O que nós podemos perceber é que nos últimos dois anos isso provoca uma mudança de paradigma, à medida que a qualidade de vida, dos valores pessoais – sobretudo diante de uma quantidade de óbitos muito elevada pela COVID-19 – leva a uma reflexão de valores humanitários e pela primeira vez se observa que a economia deixa de ser o epicentro, a variável que comanda a vida das pessoas”, comtempla.
Ao mesmo tempo, o professor ressalta que a pandemia mexeu
com a expectativa de desenvolvimento tecnológico “o qual ficou patinando nesses últimos 24 meses”, além de levantar o debate em torno “da democratização do acesso à informática e a meios tecnológicos. Não é o bastante chegarem só as vacinas, mas que cheguem recursos para que a qualidade de vida das pessoas possa estar mais conectada em um momento como esse”.
“Atualmente, a gente observa que, se durante um determinado tempo, a economia mundial se orientava por colocar as unidades produtivas perto de onde era mais barato seus custos de produção, mão de obra e matéria-prima, agora há um componente geopolítico o qual se passa a se prestar mais atenção […] dado o resgate da política com um contorno mais diferenciado.”
Economia e meio ambiente
Outro assunto abordado em 2022
será a questão da proteção ambiental e do investimento em Governança Ambiental, Social e Corporativa (ESG, na sigla em inglês), sobretudo nos países de economia mais rica, segundo Braga.
“Esse componente ambiental tende a se colocar presente, tanto de uma maneira cultural e protecionista, quanto no sentido de que as economias mais fortes vão querer interferir em outros países, como no caso do controle do desmatamento da Amazônia no Brasil.”
Ao mesmo tempo, esses países podem fazer boicote a produtos brasileiros e de outros países que “não têm práticas consideradas totalmente harmônicas em relação ao meio ambiente, e algumas cadeias produtivas podem ser prejudicadas nessas nações”, complementa o professor.