Nova Guerra dos 30 Anos?
12/1/2016, Evan Osnos,* The New Yorker
desfilam no Stone Mountain Park, in Stone Mountain, Geórgia,
em agosto de 2015 (foto de John Amis / Atlanta Journal-Constitution via AP).
No inverno de 1999, o jornal Star de Kansas City convidou vários dignitários e escritores locais para que escrevessem suas predições, para receber o século que se iniciava, repetindo o mesmo exercício que o jornal fizera um século antes. Algumas das predições da era Vitoriana mostraram-se encantadoramente proféticas: “os raios do sol serão engarrafados e usados para unir os homens entre eles”. Outras, menos: “não haverá grande guerra no século 20”. Dessa vez, um dos convidados foi Leonard Zeskind, pesquisador a serviço da extrema direita com escritório em Kansas City, que recentemente recebeu bolsa de “gênio” oferecida pela Fundação MacArthur por décadas de serviços prestados em estudo imersivo do racismo e do extremismo. Zeskind, diretor do Institute for Research and Education on Human Rights (IREHR), não procurou imagens de ficção científica. Escreveu:
“Duzentos anos depois de esse país tem lutado uma guerra civil para afirmar que os negros eram oficialmente cidadãos, e cem anos depois de uma segunda batalha para garantir que os negros desfrutassem daqueles direitos de cidadania, a raça outra vez divide os norte-americanos. E dessa vez os brancos perderão as prerrogativas do status de maioria.”
Projeções demográficas garantem que os brancos não hispânicos serão maioria nos EUA em torno do ano 2050, escreveu Zeskind. Os EUA sempre mudaram, é claro, e essa mudança traz com ela o potencial de cultura diversa, dinâmica e florescente. Ao mesmo tempo, Zeskind predisse, significativo número de norte-americanos brancos provavelmente se mobilizarão para preservar a própria capacidade para influenciar no campo político e econômico. “Se o passado é prólogo, em meados do século começará um amargo conflito, que perdurará durante toda uma geração” – escreveu Zeskind.
“Bem, fato é que essa parte já se aproxima de nós, mais depressa do que previ” – Zeskind disse-me recentemente. Comecei a ler o trabalho dele no verão passado, inspirado por uma sequência impressionante de eventos: em junho, Donald Trump iniciou campanha eleitoral em que os imigrantes mexicanos são declarados ameaça aos EUA (“Trazem crime, são estupradores”) e discursou ativamente contra o ‘politicamente correto’. (Poucos meses adiante, Trump ‘exigiria’ que muçulmanos fossem proibidos de entrar nos EUA.)
Ainda em junho, um jovem branco suprematista matou nove negros numa igreja em Charleston, Carolina do Sul, e deputados estaduais preparavam-se para remover dos prédios públicos a bandeira Confederada. A possibilidade dessa remoção galvanizou a extrema direita norte-americana. Um grupo autodenominadoConservative Response Team [Equipe Resposta Consevadora] disparou mensagens automáticas por telefone para moradores da Carolina do Sul, alertando que “Assim como o ISIS, os Obamistas odiadores querem derrubar nossos monumentos, desenterrar nossos mortos e mudar os nomes de escolas, estradas, cidades e condados. Até já tiraram [o seriado] ‘Dukes of Hazzard’ da TV. O que virá depois?”
A partir daí, a extrema direita norte-americana – paisagem diversa, muitas vezes contraditória, de ideologias radicais – floresceu. Se os dias iniciais mostram alguma coisa, 2016 será o momento de maior destaque da extrema direita em muitos anos, alimentada por inúmeros fatores, inclusive a oposição que fazem à campanha “Black Lives Matter” [Vidas negras são importantes] e, principalmente, à candidatura de Donald Trump. Os nacionalistas norte-americanos brancos que, de início, ficaram sem saber o que fazer de um bilionário nova-iorquino como Trump, já o abraçaram sem reservas. Menos de três semanas antes das convenções [orig.caucuses] de Iowa, os eleitores daquele estado receberam mensagens automáticas por telefone, nas vozes de vários nacionalistas brancos, inclusive do autor Jared Taylor, que dizia “Não precisamos de muçulmanos. Precisamos de brancos espertos, bem educados, que se assimilarão à nossa cultura. Vote Trump.”
Enquanto isso, em outro ponto da fronteira da extrema-direita, pistoleiros antigoverno ocuparam o Refúgio Nacional Malheur de Vida Selvagem (Malheur National Wildlife Refuge) no Oregon, desde o dia 2 de janeiro, atraindo para lá membros e ideias de vários movimentos, inclusive Wise Use (lit. “Uso Sábio”, que se opõe a qualquer regulação ambiental), Patriots (contra a ação do governo federal, que definem como ditadura), e Sovereign Citizens (Cidadãos Soberanos, que se opõem à 14ª Emenda, com origens no nacionalismo branco norte-americano). J. M. Berger, bolsista do Programa sobre Extremismo da George Washington University, define-os como “saco de gatos de várias queixas e crenças”.
Como outros especialistas, Berger entende que a ocupação do parque Malheur se autorreforça, “com pessoas de diferentes grupos e movimentos postas frente a frente, todos se conhecem, e se reforça a confiança mútua.”
O renascimento da extrema direita pegou o público norte-americano de surpresa, em grande parte, mas não precisava ter sido assim.
Depois que Timothy McVeigh, membro do movimento Patriot, explodiu uma bomba num prédio federal em Oklahoma City, em 1995, que matou 168 pessoas, inclusive 19 crianças, o radicalismo terrorista interno nos EUA declinou. Mas o estigma McVeigh que passou então a pesar contra os Patriots não duraria para sempre.
Em 2009, Daryl Johnson, especialista analista de questões do terrorismo interno nos EUA do Departamento de Segurança Nacional, DSN [ing. Department of Homeland Security, DHS], alertou que a economia em declínio e a eleição do primeiro presidente negro estavam sendo usadas como combustível para incendiar sentimentos antigoverno; o que fazia aumentar “o risco de que surjam grupos terroristas domésticos, ou extremistas de tipo ‘lobo solitário'”. Mas o relatório que então apresentou, intitulado “Right-Wing Extremism” [Extremismo de Direita] atraiu críticas ferozes de políticos Republicanos e jornalistas-comentaristas conservadores, para os quais o relatório expunha de modo distorcido o que seriam queixas legítimas.
A unidade do Departamento de Segurança Nacional na qual Johnson trabalhava, “Setor de Extremismo e Radicalização” foi extinta logo depois da publicação do Relatório de 2009.
Johnson, que trabalha hoje como consultor de segurança em Washington, disse aoTimes, semana passada, que “Os mesmos fatores que levaram ao crescimento de grupos antigoverno nos anos 1990s nos EUA estão novamente em operação hoje. O Departamento de Segurança Nacional deveria estar mais atento a esse problema.”
Desde que aquela unidade da Segurança Nacional nos EUA foi extinta, a extrema direita só fez crescer e atrair novos apoios. Em 2012, o assassinato de Trayvon Martin, por um ‘guarda de quarteirão’ autodesignado e armado, e os protestos que o crime gerou, chamaram a atenção de nacionalistas norte-americanos brancos. Devin Burghart, vice-presidente do Institute for Research and Education on Human Rights (IREHR), empresa de Zeksind, disse-me que, embora sem qualquer racionalidade, “a mobilização de uma comunidade de negros intensificou o medo entre os brancos nacionalistas.”
Como resposta ao movimento “Black Lives Matter” [Vidas negras são importantes],skinheads montaram protestos em Olympia, estado de Washington; St. Louis; Cincinnati e em vários outras cidades. “De algum modo, o movimento tirou os brancos nacionalistas da marginalidade e os repôs à vista nas cidades, para provocar novas batalhas de rua que, até agora, os EUA ainda não tinham visto nos anos Obama.”
Nacionalistas brancos procuram e encontram na história recente dos EUA o que, do ponto de vista deles, seria uma sequência de insultos, alguns bem conhecidos, outros obscuros. Trouxeram novamente à tona o caso Duke lacrosse (três atletas brancos foram falsamente acusados de assaltar uma mulher negra); não perdoam a crítica de Obama, quando disse que a polícia de Cambridge, Massachusetts, agiu “estupidamente” ao prender Henry Louis Gates na calçada da própria casa; e até apontam o momento, em 2009, quando Kanye West interrompeu o apresentador Taylor Swift, na premiação de MTV Video, para dizer que o prêmio deveria ter sido dado a Beyoncé. Todos esses, no ponto de vista dos nacionalistas norte-americanos extremistas brancos teriam sido pontos de virada.
Durante algum tempo, o movimento Tea Party canalizou parte desse ressentimento branco. Os líderes do Tea Party denunciaram o racismo, mas em suas manifestações não faltavam cartazes em que Obama aparecia fantasiado de feiticeiro africano e como personagem de “Planeta dos Macacos”. A retórica política da perda – de desespero, decadência e fracasso consumado – foi incorporada no slogan do movimento: “Take it Back” [Retome o que lhe foi tirado].
O Tea Party de certa forma dissolveu-se e sumiu de cena, embora tenha conseguido eleger vários deputados, mas Zeskind, o autor da predição, jamais esperou que as coisas permaneceriam ‘pacificadas’. “A natureza abomina o vácuo” – disse-me ele. – “Estamos assistindo hoje a uma grande mudança. Ainda não tenho dados que o confirmem, mas meu instinto diz que o movimento Nacionalista Branco está pronto para voltar a aparecer.”
Burghart, seu colega, prepara-se para uma longa disputa sobre a própria definição dos EUA. Para ele, “Essa questão, sobre quem e o que os EUA somos como nação no século 21, tornar-se-á questão de definição para a geração que virou o milênio e para a geração que vem depois daquela. Quanto mais se examinam essas mudanças demográficas, essa é a questão que aparece sempre à nossa frente: se os EUA saberão, ou não, corresponder aos seus próprios ideais de democracia e igualdade.”
Para ele, o reaparecimento da bandeira Confederada nas manifestações de rua e os protestos que o evento gerou são só as primeiras escaramuças: “uma das primeiras batalhas de conflito muito mais amplo que se estenderá pelos próximos 30 anos.”*****