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sexta-feira, 26 julho, 2024

Estamos bem perto de uma guerra nuclear?

Daniel Vaz de Carvalho [*]

1 – A guerra na Europa

Diz-se que “os inaptos copiam os poderosos”. Isto tem que ver com o que se passa na Europa do ocidente. O seu declínio tornou-se claro ao adotar como doutrina económica o neoliberalismo, tal como “decretado” por Washington (FMI, etc).

Desde logo relevantes economistas demonstraram quer no plano teórico quer a partir de evidências empíricas o erro de considerar a regulação automática dos “mercados” – eufemismo para o grande capital mono-oligopolista e financeiro. Porém, os ineptos da UE instituíram as teses neoliberais em tratados, transformando uma teoria económica comprovadamente falsa, num totalitarismo económico e social. É neste contexto que vivemos. A Europa rejeitou não apenas o marxismo, mas também a base da análise marxista na economia clássica de Adam Smith, John Stuart Mill e seus contemporâneos. O liberalismo antigovernamental de direita das Escolas Austríaca e de Chicago destruiu as economias da NATO por dentro.

As contradições económicas e geopolíticas agudizaram-se e explodiram na crise de 2008, em que a UE mais atrelada ficou ao que os EUA decidissem. Para alterar esta situação seria necessário que as esquerdas enfrentassem as crises através de processos de transformação socialista, colocando-se à frente do crescente descontentamento. Porém (salvo exceções) partidos antes marxistas adotaram o “eurocomunismo”, forma enviesada de pactuar com as causas das crises. Sociais-democratas que desejavam manter o reformismo keynesiano e antiimperialistas, foram assassinados (Olof Palme, Aldo Moro, acrescente-se Isaac Rabin de Israel) ou caluniados como Jeremy Corbin (RU) e mesmo Willy Brandt (RFA).

O ex-primeiro-ministro australiano Paul Keating considera o secretário-geral da OTAN Stoltenberg, o “idiota supremo” comportando-se como  “agente americano”. São qualificativos extensivos à generalidade dos líderes da UE/OTAN. Com a Europa do ocidente dominada, servilmente alinhando com o desmembramento e guerra da Iugoslávia, destruição do Iraque e Líbia, ataque à Síria, o império achou-se com força para atacar a Rússia.

Se os bons espíritos se encontram e partilham experiências, os maus espíritos assemelham-se, mas não partilham. Também os nazistas só atacaram a URSS depois de garantirem o domínio da Europa – a Grã-Bretanha não era uma ameaça.

As semelhanças entre os objetivos nazis e a insanidade do domínio global projetado pelos EUA, são evidentes. Escrevia Goebbels no seu diário ainda antes da invasão da União Soviética [1]:   “Berlim deve ser capaz de ditar leis a todo o mundo da política às modas“, “A Rússia deve ser dividida nos seus componentes. Não se pode tolerar a Leste um Estado tão vasto”. Algo não diferente das estratégias que a Fundação Rand definia muito antes de 2022. “O povo deve acreditar que não queremos guerras”. “As pessoas caminham despreocupadas. Gente feliz que nada sabe das nossas preocupações” (leia-se: intenções…). Apesar do controlo dos media, atemorizava-o o descontentamento geral: “entre o povo sente-se incerteza”, “a cruzada contra a URSS é de grande utilidade” (a russofobia também!).

“Estão à nossa espera os ricos campos da Ucrânia. Não permitirei que se fale das vantagens económicas da vitória. A informação tem de ser conduzida no plano político”. Agora, enquanto a Black Rock toma conta dos “ricos campos ucranianos”, a guerra, está tal como as outras não foram em nome do dólar, do petróleo e outros recursos naturais, mas em nome dos direitos humanos e democracia – como o ocidente entende.

A arrogância com que sanções foram aplicadas à Rússia, muito antes de 2022 e a incapacidade de Moscou resistir à OTAN e suas armas decisivas tem equivalente em Goebbels:” os bolchevistas vão desmoronar-se como um castelo de cartas”. Como então, os políticos na UE/OTAN exultavam com uma blitzkrieg de sanções contra a Rússia, antecipando a queda de Putin, a divisão da Rússia e… tomar posse dos seus recursos.

Contudo, uma semana depois da invasão ter começado, o humor de Goebbels mudava: “Os russos resistem mais do que se poderia prever. As nossas perdas em homens e material são notáveis”. O diário conhecido termina por aqui.

Sobre a situação atual da guerra não há muito a dizer em termos militares. A contraofensiva Ucrânia/OTAN, tem resultado em dezenas de milhares mortes, destruição de centenas de milhões de dólares/euros de material da OTAN, sem terem sequer penetrado na primeira linha de defesa russa, apesar do envio de mercenários e “unidades especiais” treinadas pela OTAN. Ao mesmo tempo a Rússia avança a Norte.

Sob o efeito dos alucinógenos, o fantoche de Kiev diz ter um plano para “recuperar a Crimeia”. A mídia repete e na sua missão de distrair a opinião pública, vão propalando as habituais fantasias e notícias falsas. A realidade é que a Ucrânia não tem dinheiro, nem armas, nem indústria militar. A guerra apenas continua porque os EUA e a UE/OTAN a mantêm e sustentam.

Enquanto os media fantasiam cisões em Moscou, é espantoso não ser colocada a questão do apoio de Zelensky entre a população. Numa sondagem em Dnepropetrovsk, Zelensky obteve apenas 11%. A maioria dos eleitores consideravam-se enganados em relação às promessas da campanha eleitoral. (Ukraine Watch, 16/07)

Criminosos nazis do passado são agora heróis da Ucrânia. Ruas recebem seus nomes, monumentos são erguidos, crianças são doutrinadas sobre eles nas escolas. Monumentos aos que libertaram a Europa daquela praga, são destruídos. Ignora-se o domínio dos neonazistas sobre a população, falando em democracia e direitos humanos. Em junho, uma delegação dos neonazistas do Azov (agora 3ª Brigada de Assalto das FAU) visitou a Universidade de Stanford nos EUA, onde ministraram palestras, sendo – coerentemente… ,– recebidos por Francis Fukuyama, o “profeta” do “fim da História”. (Ukraine Watch,  27/06)

transformação da Europa Ocidental num protetorado americano administrado a partir de Bruxelas explica as políticas masoquistas prosseguidas pela UE em relação à Rússia. A UE/OTAN não têm capacidade para alimentar uma guerra em larga escala, nem mesmo prosseguir nesta. A pressão para aumentar os orçamentos militares é enorme, porém sem crescimento econômico, com inflação e desindustrialização, apenas repor o já perdido na Ucrânia levará anos e custará milhares de milhões.

2 – O aproximar da guerra contra a China

Falhada a intenção de dominar a Rússia, substituindo Putin por um neoliberal pro-ocidente, que desfizesse a aliança com a China, primeira fase do plano para controlar a China, o império considera a China o seu mais importante adversário e congrega os vassalos da NATO para se implantarem no Pacífico. O objetivo é uma guerra de âmbito global para isolar e desmembrar a China.

Como afirma o diretor da CIA, Burns: “A operação militar da Rússia na Ucrânia é um desafio à ordem mundial estabelecida, mas o único país que tem o poder político, diplomático, económico e militar necessário é a China.” (Intel Slava Z Telegram, 08/07)

Para já o que está em curso são pressões diplomáticas e alianças militares como a AUKUS e a UE/OTAN, para os países abandonarem o comércio e investimentos com a China e aplicarem de sanções. Curiosamente, os fervorosos adeptos da “globalização” assumem-se como decisores do comércio internacional através das sanções, não importando o prejuízo que isso possa causar aos seus “aliados”, obrigados sob pena de represálias a obedecerem. O facto de o valor acrescentado da produção industrial chinesa ultrapassar o da UE e EUA em conjunto e de a China expandir as suas relações para os países sob exploração neocolonial, levou as noções de segurança dos EUA para a paranoia. Defendiam antes a globalização e o comércio livre como fator de “paz e progresso” e tratam agora o comércio internacional não como algo económico, mas como “segurança nacional”. Para os Estados Unidos, a sua segurança significa tornar os outros países dependentes de si próprios”. (Michael Hudson)

Os esforços concentram-se em tentar isolar a China e em consequência sancionar os países que com eles desenvolvam relações económicas e financeiras. Não é fácil e os principais prejudicados serão mais uma vez os países da UE/OTAN, obrigados a prescindirem de matérias-primas e produtos de alta tecnologia (como os da Huawei).

A guerra comercial contra a China é ainda mais complicada do que contra a Rússia. A luta desenrola-se no campo da superioridade tecnológica, com os EUA adotando medidas cada vez mais agressivas para restringir a liderança da China na computação quântica, inteligência artificial, produção de chips, e pressionando a UE nesse sentido. Em consequência, a China irá impor restrições às exportações de gálio e germânio de que são produtores mundiais, respetivamente, de 94% e 67% do total. Minerais críticos para a “agenda verde” da UE na produção de painéis solares e baterias para carros elétricos. (Ukraine Watch, 04/07) Mas as perdas resultantes também prejudicarão a competitividade das empresas dos EUA.

A China tem zero bases no ocidente, os EUA têm 257 bases em torno da China, mas o império está tão frágil que mesmo assim considera-se ameaçado pela China! Como diz Caitlin Johnstone “exigir que a Rússia e a China tolerem comportamentos por parte dos Estados Unidos que os Estados Unidos jamais tolerariam por parte da Rússia ou da China é simplesmente exigir que o mundo se submeta ao império americano. Na realidade, estão apenas afirmando que os EUA se permitem governar cada centímetro quadrado do planeta. Ou seja, o império americano pede-nos para acreditar que o cerco militar aos seus dois principais rivais geopolíticos é uma ação defensiva, e não um ato de agressão. O único argumento baseia-se em: “sim, mas temos o direito de fazê-lo”.

Já citámos que os “ignorantes pensam em estratégias, os profissionais em logística”. É evidente que o plano para submeter a China às suas “regras”só funciona no papel e em cabeças tresloucadas de neocons e afins: os EUA não dispõem dos meios necessários. A China está a desenvolver capacidades militares rapidamente em quantidade e qualidade, incluindo nucleares e mísseis hipersónicos. Os mísseis hipersónicos Dongfeng-20 e Dongfeng-26, foram concebidos especificamente para atingirem alvos navais, pondo em perigo as esquadras dos EUA e seus porta-aviões.

A própria Fundação Rand adverte sobre a incapacidade dos EUA travarem uma luta contra a China: “Como os terríveis gastos de equipamentos e vidas humanas na Ucrânia mostraram, uma guerra com a China teria uma necessidade insaciável de reforços, munições e equipamentos, a maioria dos quais teria que ser transportada ao longo de 10 000 km, da Costa Oeste para o Pacífico Ocidental. Uma vez esses elementos logísticos essenciais chegados à área de operações do Comando do Indo-Pacífico, como atravessariam as enormes distâncias dentro dessa área?”

A frieza com que Blinken foi recebido em Pequim em meados de junho, desembarcando num terminal vazio, mostra que a China não se intimida. Hong Yuan especialista militar, membro da Academia Chinesa de Ciências Sociais, descartou a importância da visita de Bliken: “ela é genuinamente sem importância e indigna de atenção. De facto, o foco excessivo e obsessivo em aniversários, conferências, visitas e fóruns significativos é uma manifestação de imaturidade política internacional, confusão e pobreza intelectual.” (Ukraine Watch,  18/06)

Embora os media constantemente inventem dissidências entre a China e a Rússia, a diplomata Valentina Matvienko declarou após o seu encontro com Xi Jinping: “A China continuará a cooperação com a Federação Russa “de forma consistente e persistente.” “As relações Rússia-China não estão sujeitas a influências políticas externas.” Xi Jinping, por sua vez, disse que “o desenvolvimento das relações China-Rússia foi uma escolha estratégica dos dois países com base nos seus interesses fundamentais.” (Intel Slava Z Telegram, 13/07)

3 – Quão perto estamos de uma guerra nuclear?

Não sabemos. Mas o perigo existe e é real. Na guerra da Ucrânia a OTAN tem aumentado a parada a ver a reação russa. Depois das sanções, misseis de cada vez maior alcance, tanques Leopard e Bradley, munições de urânio empobrecido e de fragmentação, caças F-16, os EUA preparam-se para enviar tanques Abrams e discutem o fornecimento de mísseis ATACMS (alcance 300 km).

É não ter em conta nem a reação russa, nem a maior destruição na Ucrânia, nem que nenhum destes meios leva à ocupação de território. Junto às fronteiras russas intensifica-se a aglomeração de tropas na OTAN e realizam-se voos com aeronaves capazes de transportar armas atômicas. Um esquema de escalada bélica que os media apresentam como absolutamente natural, embora a Rússia, tenha informado os EUA, RU e França que não pode ignorar a capacidade dos F-16 transportarem armas nucleares, representando uma ameaça existencial para a Rússia, que se defenderá por todos os meios necessários. (Ukraine Watch, 13/07)

A UE/OTAN esperavam que a Rússia sofresse uma derrota no conflito, mas tudo se passa de forma diferente: a contraofensiva ucraniana esgota-se causando pesadas perdas a Kiev e à OTAN. Nestas condições, os neocons que dominam Washington e um senil Biden, preparam a intervenção direta da Polónia e Estados Bálticos, evitando nesta fase uma intervenção direta da OTAN.

Desenha-se também um “cenário coreano” com a introdução de um “contingente de manutenção da paz” polaco-lituano no oeste da Ucrânia e a formação de um “estado de aliança” da Lituânia, Polónia e Ucrânia. A linha de contacto seria, congelada, a Ucrânia oriental desmilitarizada e a Ucrânia central como Estado unificado. (Ukraine Watch, 28/06). É caso para perguntar (à OTAN) quem vai pôr a coleira ao urso (à Rússia)?

Dmitry Trenin, membro do Conselho Russo para Assuntos Internacionais, responde:   “O verdadeiro caminho que pode ser traçado é o do compromisso de longo prazo, conduzindo a que a Rússia triunfe devido aos seus maiores recursos, resiliência e maior disposição para fazer sacrifícios que o ocidente. Como todas as estratégias baseadas em resistência, esta será testada tanto dentro do país quanto na linha de frente”.

A estratégia nuclear da Rússia tem sido exposta por Putin, nomeadamente no Fórum Económico Internacional:  o uso de armas nucleares é possível pela Rússia se houver uma ameaça à integridade territorial, independência e soberania. As armas nucleares são criadas para garantir a segurança da Rússia no sentido mais amplo da palavra. A Rússia tem mais armas desse tipo do que os países da NATO, e eles sabem disso.

Numa reunião com graduados de escolas militares, Putin acrescentou que metade das unidades e formações das Forças de Mísseis Estratégicos já estão equipadas com os mais recentes complexos Yars. “O Sarmat, o novo míssil pesado, entrará em serviço de combate; os arsenais dos componentes aéreo e marítimo das forças nucleares estão sendo reabastecidos de acordo com o planeado. As Forças Armadas serão equipadas com modernos sistemas de mísseis hipersónicos Avangard” (velocidade máxima 20 a 27 Mach).

A guerra na Ucrânia cria, portanto, o risco de se transformar numa verdadeira guerra entre a Rússia e a OTAN, resultando numa escalada nuclear. Os políticos da UE/OTAN, pela sua cobardia e inépcia fecham os olhos a esta realidade que nos pode conduzir à destruição total.

A situação é clara: caso a Rússia estivesse em vias de perder, o conflito necessariamente desencadearia o uso de armas nucleares. Na OTAN continuam a alimentar a fantasia da retomar territórios que se desligaram de Kiev desde 2014. Será que na UE/OTAN se permite a discussão pública das possíveis consequências destes objetivos? Claro que não.

O império dos EUA foi curto e já terminou. Tratou-se de um processo, agravado com o fracasso na Síria, a retirada do Afeganistão, o falhanço contra a Rússia usando a Ucrânia. A multipolaridade está em curso dinamizada pela China e pela Rússia. Nesta situação de declínio do imperialismo a sua insanidade torna-se extremamente perigosa, a que acresce o adormecimento dos povos sujeitos durante anos a mentiras e processos de alienação, sem que um contra-poder de esquerda tenha demonstrado capacidade de mobilização com vistas a defender o essencial: a paz e o progresso social. Compreenda-se também a dificuldade que Moscovo tem em confiar em acordos estabelecidos com o ocidente, desde a “não expansão da OTAN para Leste”, aos acordos de Minsk ou aos cereais pelo Mar Negro.

As vozes de bom senso, são criticadas ou ignoradas, preferindo-se o que venha de Kiev. Tulsi Gabbard, ex-rival de Biden na eleição, abandonou o Partido Democrata: “os democratas são controlados por uma cabala elitista de “monges de guerra” que divide as pessoas, mina as liberdades, protege criminosos, persegue os oponentes e, acima de tudo, nos arrasta para uma guerra nuclear”, (Intel Slava Z Telegram, 11/10)

Scott Ritter alerta:   “Se a insanidade prosseguir, as luzes se apagarão para toda a humanidade. Compreenda-se isto quando se apoiar a contraofensiva ou se aplaudir o uso de dólares para financiar a Ucrânia. Já é hora de o público reconhecer que a única esperança num futuro sobrevivente é aquele em que o controlo de armas e o desarmamento nuclear voltem a ser pedra angular das relações EUA-Rússia e que o caminho mais curto possível para alcançar esse objetivo é a Rússia vencer a guerra na Ucrânia”.

[1] O fim de Hitler, Elena Rzhevskaia, Editora Arcádia, 1967, 201 p.

Este artigo encontra-se em resistir.info

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