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sábado, 20 abril, 2024

Ensaio termonuclear da Coreia do Norte: Desafio ao mundo ou auto-preservação?

por Alexander Vorontsov

O ano de 2016 começou com uma nota preocupante na península coreana. Houve outro teste nuclear em Pyongyang, o qual desencadeará consequências de longo prazo, engendrará outra resolução condenatória do Conselho de Segurança com um pacote expandido de sanções, e que também induzirá o avanço de atividades militares na região pelos EUA, Japão e Coreia do Sul. Isto inevitavelmente ensejará um novo ciclo de tensão na península coreana e arredores.

Motivos de Pyongyang

Os líderes da Coreia do Norte não se intimidam com a possibilidade de ações duras de retaliação – estão preparados para sofrer ainda mais que isto pelo direito de fortalecer suas “forças nucleares dissuasivas”. Uma série de declarações oficiais de Pyongyang não deixa dúvidas quanto a isso.

Explicando sua resolução, os líderes da Coreia do Norte apontaram novamente para a prática ilegal de utilizar intervenções militares para remover regimes indesejáveis em Estados independentes.

Bases militares dos EUA na Coreia do Sul.Refutando previsões apavorantes de políticos do ocidente, Pyongyang insiste: “Não vamos disseminar armas nucleares, nem transferir os meios ou tecnologias relativas a armas nucleares. Continuaremos nossos esforços para desnuclearizar o mundo. Ainda são válidas todas as propostas de preservação da paz e de estabilidade na península e no Nordeste Asiático, inclusive aqueles para cessar nosso teste nuclear e a conclusão de um tratado de paz em troca de uma cessação americana de exercícios militares conjuntos”.

E ainda assim as questões permanecem. Por que este teste foi realizado agora? Foi totalmente inesperado? Em que trajetória e em que velocidade o programa nuclear da Coreia do Norte é conduzido? Os países vizinhos correm riscos maiores? Quais são as consequências internacionais legais ou militares e políticas desta detonação?

Vamos começar tentando descobrir que tipo de teste foi realizado no dia 6 de janeiro. Pyongyang declarou oficialmente que testou uma pequena bomba de hidrogênio e que somente as limitações geográficas da república impediram que os físicos nucleares da Coreia do Norte testassem uma série de ogivas de hidrogênio de centenas de quilotoneladas e megatoneladas.

Naturalmente, uma tal mensagem conquistou a atenção mundial. A produção norte coreana de uma arma nova e mais poderosa do que uma bomba nuclear comum provoca grandes preocupações. Entretanto, ao investigarem os dados sísmicos desta explosão de 5-6 quilotoneladas, além de outros pormenores, a maior parte dos peritos nucleares tende a acreditar que esta foi meramente a detonação de uma bomba atômica simples, uma vez que um dispositivo termonuclear, segundo alguns destes cientistas, teria um rendimento de pelo menos uma centena de quilotoneladas. Contudo, muitos peritos advertem que, desta vez, físicos nucleares da Coreia do Norteutilizaram um novo tipo de bomba híbrida de “supercarga” (“boosted”), que permite uma reação nuclear mais cuidadosamente controlada e, que o combustível nuclear seja utilizado de modo mais econômico e eficiente – embora a verdadeira questão seja que o cenário ficou preparado para começar a criação de uma arma termonuclear.

Pyongyang mostrou verdadeira contenção em 2014, bem como no início de 2015, apresentando numerosas propostas de paz a quase todas as partes envolvidas. Seus adversários etiquetaram estas propostas como “propaganda” e elas foram recusadas. Pyongyang avançou em 8 de janeiro de 2015 com uma proposta – e que foi rejeitada sem exame – a qual sugeria o cancelamento das operações militares bilaterais EUA-Coreia do Sul, em troca de uma paralisação dos testes nucleares por Pyongyang. Numa entrevista transmitida no YouTube em 22/janeiro/2015, o presidente americano Barack Obama admitiu com uma franqueza chocante que o seu objetivo de mudança de regime em Pyongyang estava se tornando mais complexo: considerando as impressionantes capacidades militares da Coreia do Norte, as quais incluem armas e mísseis nucleares, não parece factível liquidar aquele Estado por meios militares. Porém, Washington, calculando que a Coreia do Sul será capaz de engolir rapidamente seu vizinho do norte, espera que a Coreia do Norte entre em colapso a partir de forças internas.

Com isto, Washington destruiu completamente qualquer base para possíveis e significativos contatos bilaterais futuros com Pyongyang, enquanto confirma a validade da opção dos líderes da república por uma política centrada tanto na construção da sua economia como da sua capacidade nuclear.

Ninguém deveria subestimar o capital político interno conquistado ao conduzir um teste nuclear no preâmbulo do 7º Congresso dos Trabalhadores do Partido da Coreia (WPK), que está agendado para maio de 2016 (o primeiro em 36 anos). Naquele congresso, o jovem líder da Coreia do Norte será agora capaz de anunciar com confiança que a república entrou numa nova era termonuclear, o “Kimjongunismo”, e hoje está mais segura contra a ameaça da agressão externa.

Para nós é como se a Coreia do Norte tivesse agregado o conceito de “paciência estratégica” ao seu arsenal armas para defender-se dos EUA e está conseguindo que os EUA se habituem a viver com uma Coreia do Norte nuclear.

O Ministério das Relações Exteriores da Coreia do Norte apresentou uma mensagem clara sobre este tema nas declarações de janeiro: “Considerando que atos hostis perpetrados pelos EUA se tornaram um ‘evento comum’… Os EUA devem habituar-se ao status nuclear da República Popular Democrática da Coreia (DPRK), gostem ou não”.

Ao mesmo tempo, o estrondo da “trovoada nuclear” de 6/janeiro/2016 foi a resposta sóbria de Pyongyang à ideia – muito fantasiosa – da inevitabilidade do colapso iminente da Coreia do Norte e da sua tomada pela Coreia do Sul.

As consequências da “trovoada nuclear” para a Coreia do Norte, para a península coreana e para todo o Nordeste Asiático

Por causa da violação de Pyongyang das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, que proíbem a Coreia do Norte de conduzir testes de mísseis nucleares, parece inevitável que o Conselho de Segurança adote um novo e mais duro documento. Ocorre uma negociação difícil a portas fechadas lá, e – como é sempre o caso – os EUA e a China são arquitetos primários por trás do projeto. Podemos supor com segurança que agora mesmo estas potências estão numa negociação árdua e que Washington está forçando o cenário de sanções mais rude possível, enquanto Pequim defende um documento mais equilibrado.

No Ocidente, as ações da Coreia do Norte foram caracterizadas como “bullyingirresponsável do jovem Kim”, como “uma grave ameaça à paz mundial” e mais reivindicações foram feitas pela “punição draconiana” daquele regime determinado. O que se diz é que “as sanções não funcionam porque não são suficientes”. As recomendações podem ser resumidas a um embargo total da Coreia do Norte, o que exigiria que o país fosse reposto na lista dos EUA de Estados que patrocinam o terrorismo, cometem crimes financeiros ou envolvem-se na lavagem de dinheiro.

Bruce Klingner, pesquisador sênior do Heritage Foundation, sugere que os EUA deveriam ter o direito de impor sanções a países terceiros, além de privar instituições financeiras daqueles países de acesso ao sistema financeiro americano se mantiverem algum contato com empresas nortecoreanas. Não seria difícil adivinhar que a navalha desta política punitiva esteja direcionada primariamente contra empresas e entidades econômicas e financeiras na China e na Rússia.

Também foi recomendado na Câmara dos Deputados americana que os aviões e navios norte-coreanos sejam investigados e detidos onde quer que estejam – uma tentativa de expandir a jurisdição americana para abranger o mundo inteiro e um sinal de teimosa determinação para impor o desejo e os ditames de Washington.

Neste contexto, a posição contida da Rússia parece lúcida. Moscou insiste na opção de negociar para resolver o problema coreano de forma geral, bem como de seu componente nuclear em particular. O Ministério das Relações Exteriores russoreconheceu que o teste nuclear na Coreia do Norte representa “…o próximo passo para o desenvolvimento de armas nucleares em Pyongyang, o que é uma violação flagrante do direito internacional e das resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas”. Além disso, o documento enfatiza a necessidade de uma via diplomática para sair desta situação: “…apelamos a todas as partes envolvidas para manterem contenção e evitarem ações que poderiam criar tensões descontroladas no Nordeste Asiático. Reafirmamos nosso apoio a um entendimento diplomático da situação na península coreana no formato de negociações de seis partes, bem como um diálogo direcionado para a criação de um sistema confiável para a paz e segurança na região, tão logo quanto possível”.

Peritos sensatos nos EUA também chegaram à conclusão de que os 25 anos de tentativas de Washington para conter e reverter o programa nuclear de Pyongyang – por meio de sanções e pressão – foram um completo fracasso. Os únicos êxitos que os americanos tiveram nestes anos foram os episódios associados a tentativas americanas de um diálogo significativo com a Coreia do Norte: a retirada unilateral das armas nucleares táticas americanas da Coreia do Sul por George H. W. Bush (1991), a qual abriu o caminho em 1992 à assinatura da Declaração Conjunta da Coreia do Sul e da Coreia do Norte sobre a Desnuclearização da Península Coreana, bem como a conclusão do Acordo-Quadro entre os EUA e a República Popular Democrática da Coreia em 1994, o qual congelou o programa nuclear de Pyongyang durante dez anos. Enquanto aquele acordo esteve em vigor (1994-2002), a península coreana gozou do período mais pacífico da sua história do pós-guerra.

Cientistas ponderados nos EUA, além de um grupo de diplomatas americanos aposentados, estão encorajando seu governo a que reconheça a necessidade de uma solução diplomática abrangente para o problema coreano como a única maneira de resolver a questão nuclear. Infelizmente, tais recomendações hoje não estão sendo consideradas pela Casa Branca. Isto significa que a ausência de um diálogo significativo entre os EUA e a Coreia do Norte e, dada a confrontação em curso, Pyongyang mantém incentivos e liberdade de ação para desenvolver seu programa nacional de mísseis nucleares.

Uma avaliação realista sugere que, uma vez que a Coreia do Norte conduziu quatro testes nucleares, a contenção é agora necessária, enquanto se envidam esforços por uma solução diplomática. E esta não é uma política que apazigue um “criador de problemas” ou encoraje “mau comportamento” por um violador de resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Este é um entendimento racional do fato óbvio de que não podemos ignorar as preocupações válidas de Pyongyang acerca da sua segurança. A única saída para a situação atual (que, de fato, apresenta-se como um beco sem saída) deve-se basear no formato de negociações em seis partes, o qual demonstrou seu valor de 2003 a 2009, e são um formato que se pode retomar. Tudo o que é preciso é a boa vontade de todas as partes, sem exceções.

31/Janeiro/2016

O original encontra-se em www.strategic-culture.org/… . Tradução de Sergio R. A. de Oliveira.

Este artigo encontra-se em http://resistir.info/

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