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segunda-feira, 14 outubro, 2024

Energia nuclear: como estão os países signatários do BRICS na ‘corrida do urânio’?

© Twitter / Reprodução

Considerada fonte de energia limpa por não emitir gases poluentes, a energia nuclear tem ganhado cada vez mais atenção. Donos de grandes reservas de urânio, como estão os países signatários do BRICS nessa corrida?

Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul, os primeiros membros do BRICS e que, nessa ordem, dão nome ao bloco, destacam-se, cada um à sua maneira, quando o assunto é energia nuclear, segundo especialistas ouvidos pelo podcast Mundioka, da Sputnik Brasil.
De acordo com Jorge Mortean, mestre em estudos regionais do Oriente Médio pela Escola Internacional de Relações Exteriores da República Islâmica do Irã e doutorando em geografia humana na Universidade de São Paulo (USP), o Brasil pode ser considerado um país que domina a tecnologia para a produção de energia nuclear.
O próprio diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, em entrevista exclusiva à Sputnik Brasil, ressaltou o potencial brasileiro, baseado em uma infraestrutura nuclear tida por ele como avançada.
O Brasil conta atualmente com as usinas Angra 1 e Angra 2, além de pequenos reatores em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, alocados com finalidade de pesquisa e treinamento.
A China, por sua vez, é quem mais constrói reatores nucleares para a produção de energia no mundo, conta Thalles Campagnani, engenheiro mecatrônico e mestrando em ciências e técnicas nucleares na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

“A China está construindo reator nuclear a uma velocidade muito grande. A China constrói reatores tradicionais, constrói reatores projetados por outras pessoas, ela projeta seus próprios reatores, ela constrói reator rápido, constrói reator térmico, ela está fazendo pesquisa em reatores a tório…”, resume.

Logotipo do BRICS em Joanesburgo - Sputnik Brasil, 1920, 03.09.2024

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Apesar da potência apresentada pela China, Mortean coloca Rússia e Índia no mesmo patamar dos chineses em relação ao domínio para a produção de energia atômica. O nível de desenvolvimento é tão alto que, conforme relembra o pesquisador, os três países já realizaram testes com armamentos nucleares e obtiveram sucesso.
A África do Sul também é um país rico em urânio. Segundo a Associação Nuclear Mundial, o país está entre os nove principais donos de jazidas de urânio no mundo. Mortean conta que há, inclusive, suspeitas de que os sul-africanos testaram a detonação de uma bomba nuclear durante a década de 1980. “São suposições”, enfatiza.

Irã, o enriquecimento de urânio e o limiar entre a produção de energia e armamentos

Com a entrada de novos membros para o BRICS concretizada neste ano, o bloco recebeu Egito, Etiópia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos e o Irã. Este último, enfrenta preocupações por parte da Agência Internacional de Energia Atômica (AEIEA) e tem o urânio enriquecido no centro das tensões com os EUA.

Urânio enriquecido

Campagnani explica que existem dois tipos de urânio-235 e o urânio-238, o primeiro é considerado físsil, ou seja, pode sustentar uma reação em cadeia de fissão nuclear. Portanto, este é o favorito por fissionar com nêutrons de qualquer quantidade de energia.
Entretanto, conforme lembra o pesquisador, “a cada mil átomos de urânio, sete são o 235, que é o favorito“. O urânio-238, existente em maior quantidade na natureza, além de necessitar de nêutrons com maiores quantidades de energia para fissionar, ele produz plutônio.
Nesse sentido, para produzir energia nuclear sem necessariamente produzir plutônio, os cientistas aumentam a quantidade de urânio-235, o que é chamado de enriquecimento.
“Enriquecimento isotópico. Ou seja, a gente está aumentando a quantidade daquele isótopo, o isótopo urânio-235”.
O analista comenta que há vários processos de enriquecimento, como à laser ou à difusão gasosa, mas o favorito, que tem um gasto menor de energia para fazer o processamento, é o enriquecimento por centrifugação.
Extração de urânio natural em depósito na Rússia - Sputnik Brasil, 1920, 14.05.2024

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Nesse exercício, ele conta que é preciso minerar o urânio e “fazer vários processos químicos até chegar ao hexafluoreto de urânio, que é o urânio misturado com flúor, ele vai ficar gasoso e então passa ele na centrífuga”, explica, contando uma parte do processo.
A passagem na centrífuga é feita repetidas vezes. O pesquisador afirma que é gasto muito urânio para poder obter uma pequena quantidade de urânio enriquecido.
O urânio-235 é justamente aquele que tem capacidade explosiva. “Para você conseguir fazer um dispositivo, um explosivo nuclear, você precisa de muito, muito urânio-235. Para você produzir uma energia, para você fazer uma usina nuclear, para você produzir energia com urânio, você não precisa de tanto enriquecimento”, explica Campagnani.

Urânio e a tensão EUA x Irã

O novo presidente do Irã, Masoud Pezeshkian foi eleito neste ano sob a promessa de retomar diálogo e acordo nuclear com Ocidente. Em 2018, o então presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a decisão de abandonar o acordo nuclear firmado com o Irã, retomando as sanções contra o país.
Pezeshkian afirmou, além da perspectiva de retomar o diálogo, que o Irã fora forçado a enriquecer urânio devido a saída dos EUA do acordo nuclear.
Mortean analisa que apontar para a ausência de escolhas soa reducionista do ponto de vista diplomático e que os EUA tem seus interesses estratégicos.
Por outro lado, não se pode afirmar que o Irã está enriquecendo urânio para fins bélicos. “Na prática, até agora, não houve provas de que o Irã conseguiu um domínio pleno da tecnologia nuclear que aponte que o país esteja pronto para testar um armamento”.
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O especialista encara esse grande desenvolvimento nuclear no âmbito do enriquecimento de urânio como a “grande barganha” que o Irã tem diante do atual cenário geopolítico.
“Se eles concluem o desenvolvimento dessa bomba e testam com sucesso, eles fecham qualquer tipo de porta para negociações financeiras que estão por trás dessa ferramenta de barganha, que é o programa de desenvolvimento nuclear iraniano. Ou seja, a ‘ameaça iraniana’ de poder desenvolver, de mostrar ao mundo que eles têm capacidade, de rapidamente escalar um desenvolvimento de uma arma nuclear faz com que o mundo pare para escutá-los”, avalia.
O pesquisador, que esteve no Irã entre 2009 e 2012, atesta, a partir de suas vivências no país do Oriente Médio e acompanhar o setor que o Irã “não desenvolveu a arma, mas já conseguiram um nível de desenvolvimento tecnológico que lhes capacita para a produção dessa arma“.

Países do BRICS podem cooperar com o Irã no âmbito da energia nuclear?

Para Mortean, devido à tensão com os EUA e a priorização dos países em manter boas relações com os norte-americanos, a cooperação no âmbito da energia nuclear entre os países do BRICS e o Irã pode não decorrer de forma pujante.
A exceção, segundo ele, é a Rússia, que já está envolvida nessas relações com o Irã. O especialista recorda que graças a ajuda dos russos que os iranianos conseguiram restabelecer suas usinas nucleares após o fim da guerra contra o Iraque nos anos 1990.
Para Estados Unidos e União Europeia, principais opositores do programa de desenvolvimento nuclear iraniano, o envolvimento de outros novos membros poderia “convalidar qualquer desenvolvimento nuclear iraniano que possa levantar suspeita com relação aos seus objetivos não pacíficos, digamos assim“, comprometeria outros países que “não querem se envolver com conflitos de qualquer natureza. Infelizmente, o programa nuclear iraniano arrastaria esses outros membros nessa direção caso houvesse publicamente uma declaração de apoio“, finaliza Mortean.

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