Helena Iono, correspondente em Buenos Aires
Diego Armando Maradona, mais que um campeão mundial, inigualável artista do domínio total da bola no pé, e do histórico gol contra a Inglaterra na Copa de 1986, narrado efusivamente pelo jornalista Vitor Hugo Morales, foi um dos maiores líderes populares, querido e dedicado aos pobres na Argentina e do mundo.
Maradona, herdeiro de sangue de povos originários, nascido num bairro humilde, Fiorito, nunca esqueceu suas raízes sociais. A fama e a fortuna gerada pelo sistema de grandes clubes de futebol, jamais o afastou da dedicação à solidariedade com os pobres e excluídos.
A enorme comoção e reação popular na Argentina, ao se conhecer a morte de Diego Maradona, e a massiva concentração nos lugares como o Obelisco de Buenos Aires, na Bombonera (Bairro Boca), e no velório do Estádio Diego Armando Maradona no bairro Paternal onde viveu quando jogava no Argentina Juniors, é uma demonstração de que Maradona é mais que um gigante do futebol. É considerado um herói nacional eterno que jamais temeu expor suas convicções contra os poderosos – incluindo a máfia da Fifa –, publicamente; fundou o primeiro sindicato dos jogadores de futebol; defendeu os aposentados; combateu o governo Macri “que nunca pisou no barro”; apoiou diversas vezes o governo de Alberto Fernandez e Cristina Kirchner; recentemente declarou-se a favor da contribuição solidária das grandes fortunas; seus ídolos eram Peron, Evita, Che Guevara e Néstor Kirchner; teve uma enorme sintonia fina com Fidel Castro e Hugo Chávez; encontrou-se com Evo Moráles, Lula, o Papa e lideranças latino-americanas. Fidel Castro admirava sua enorme inteligência e dizia que sua vocação era para ser um político. Casualidade da história: Fidel morreu há 4 anos atrás, num 25 de novembro, na mesma data de Maradona. O povo argentino se recorda de sua atuação junto a Hugo Chávez nas manifestações da “Cúpula dos Povos” contra a ALCA em Mar Del Plata, em 2005. Por isso, e tantas outras expressões de rebeldia apoiando o Sul contra o Norte. Ao defender a justiça social, com grande sensibilidade humana, Maradona é amado pelos pobres, homens e mulheres, anciãos, jovens e crianças. Não só na Argentina, mas no passado em Nápoles devendo driblar num ambiente de domínio mafioso e de grande pobreza. O povo napolitano o recorda e chora pelo seu valor esportivo e humano e rende homenagem a um herói que disse: “Eu não sou um deus; sou um jogador de futebol”. Frente a críticas e ataques a ele em redes sociais, o povo argentino responde: “Não importa o que ele fez da sua vida; importa o que ele fez de nossas vidas”. “Ele nos trouxe felicidade!”
Basta ouvir as centenas de declarações deste dia na TV e nas ruas, para entender o que Maradona representou para o povo argentino. Em anos de ditadura, através das estupendas jogadas de futebol, Maradona irradiava alegria, esperanças dizendo que “podemos voltar a ser felizes”. Maradona trouxe alegria e orgulho aos pobres de barriga vazia. Não para mantê-los na alienação e na passividade, mas dando-lhes ajuda solidária e irradiando a rebeldia e a luta. Sob lágrimas roladas pela sua morte, mulheres, muitas trabalhadoras (não só homens amantes do futebol), expressam claramente: “Ele deu felicidade aos pobres!”. Tantos se identificaram e repetiram a frase do escritor Ivan Nobre : “Com a morte de Diego, foi-se embora minha infância!”.
Em mais de 3 milhões de twitters, o mundo inteiro envia palavras de condolências por Maradona. Alberto Fernandez: “Você nos levou ao lugar mais alto do mundo. Nos fez imensamente felizes. Você foi o maior de todos.”. Cristina Kirchner: “Muita tristeza… Muita. Foi-se um grande. Até sempre Diego. Nós te amamos muito. Enorme abraço a teus queridos familiares e seres queridos”. O compromisso de Maradona com os pobres levou a manifestações de diversos representantes afins à mesma causa: a Câmara dos Deputados de Chiapas, Nicolás Maduro, o Papa, Evo Moráles e tantas outras personalidades mundiais. O presidente de Cuba, Díaz-Canel e Raul Castro enviaram uma carta em memória à relação com Fidel. É particularmente destacável o pronunciamento do ex-presidente Lula: “Poucas vezes vi um jogador de futebol parar de jogar e não parar. Maradona continuou jogando. Ele continuava jogando em pensamento, em suas opiniões políticas, em suas críticas. Continuou jogando pelo povo pobre no mundo inteiro”. Veja mensagem na íntegra.
O governo argentino, decretou 3 dias de luto nacional, e abre a Casa Rosada, neste dia 26 de novembro, para uma cerimônia de Estado onde se velará o corpo de Diego Maradona. Não obstante os riscos da Pandemia, prevê-se uma participação de 1 milhão, vindos de outras partes do país , que será mais que uma simples homenagem; será uma sinalização de que o povo necessita mais do que nunca, aumentar a sua autoestima, e de lideranças com qualidades humanas com vínculos autênticos com os excluídos do país. Maradona encarnava isso. O luto não é só por uma infância perdida; é por uma liderança desejada em momentos difíceis da nossa história. Diz-se que a extensão da comoção popular por este último adeus, é à altura da morte de Peron/Evita. Neste desfile humano, a dor se converte em impulso e vida de um povo que não se rende.