Hugo Chávez ficou 2 anos preso e assumiu o governo venezuelano em 1999 – BERTRAND PARRES / AFP
Ex-presidente da Venezuela saiu fortalecido do 11 de abril e mudou a forma como encarava os meios de comunicação
Lorenzo Santiago
Brasil de Fato | Caracas (Venezuela) |
O 11 de abril de 2002, que completa 22 anos nesta quinta-feira (11), está marcado na história da Venezuela como o início de uma tentativa de golpe de Estado que durou três dias e terminou fracassada. O ex-presidente Hugo Chávez saiu fortalecido do episódio, ganhou mais apoio para seu mandato e acabou subindo o tom de sua retórica, consolidando o que ficou conhecido como “chavismo” enquanto movimento político-ideológico socialista.
Segundo o historiador Carlos Franco Gil, da Universidad Central de Venezuela, Chávez chegou ao poder em 1999 sem uma linha política-ideológica bem definida. A tensão entre governo e oposição nos primeiros anos de seu mandato foi crescente e culminou na tentativa de golpe contra o governo em 2002. A partir desse momento, o ex-presidente subiu o tom contra os opositores.
“Há uma grande radicalização do que foi o discurso de Chávez e o tom político em torno dos valores que vão fundamentar o projeto bolivariano. Quando ele chega ao poder, não sabemos o que é Chávez, ele é uma confluência de diversos fatores. Com a Constituição de 1999, o chavismo vai se definindo em função dos elementos que a esquerda tradicional latino-americana tem como bases: nacionalização, estatização e distribuição de renda. Esse é um período de tensão, que termina consolidando o chavismo. Chávez não se declarou socialista até 2006. Nessa primeira etapa ele sobe o tom político, mas não lembro dele se declarando socialista nesse momento”, disse Gil.
O 11 de abril foi o ponto alto de uma crise que já se arrastava desde o início do mandato chavista em 1999. A oposição ganhava cada vez mais eco nas classes médias e setores empresariais venezuelanos e, a partir de novembro de 2001, os protestos passam a ter maior peso com paralisações no principal setor da economia venezuelana: o petróleo.
A PDVSA era a empresa pública que mais arrecadava e era estratégica para qualquer governo do país. Pelo tamanho das jazidas de petróleo venezuelanas, Chávez tinha na estatal uma fonte de financiamento de projetos públicos e programas sociais que impulsionaram seu governo. No começo daquele mês de abril, dirigentes da empresa estavam rachados com o governo e passaram a promover paralisações contra Chávez.
A resposta do governo foi dura, e na manhã do domingo 7 de abril, o ex-presidente usou seu programa de televisão Alô Presidente para anunciar uma série de demissões na diretoria da empresa.
“Agora, essa elite da PDVSA cruzou a linha. Começaram a cruzar a linha. Então anuncio o seguinte. Anuncio a destituição das seguintes pessoas: Eddy Ramirez, diretor-gerente até o dia de hoje de Palmaven, Está fora! Demos a responsabilidade de dirigir uma empresa de suma importância como é Palmaven, uma filial de petróleo. Essa Palmaven é de todos os venezuelanos, assim senhor Eddy Ramirez, muito obrigado, você está despedido, cavalheiro”, começou anunciando Chávez depois de assoprar um apito.
A mensagem foi dura. Na sequência, diferentes setores foram para as ruas e protestaram até a saída temporária de Chávez do poder.
Segundo o historiador Carlos Franco Gil, a participação de setores empresariais foi fundamental na tentativa de golpe, que acabou usando parte da população que sequer entendia o que estava acontecendo.
“Ocorre um ritmo crescente de protestos mobilizados pelas classes média e alta da sociedade. Progressivamente, vão se tornando mais insurgentes. A isso se soma fatores que não são ativos na política contemporânea, pelo menos de uma forma evidente, como eram os empresários”, disse o historiador.
Os canais de televisão e jornais passaram a pressionar o governo de maneira pesada. Até o dia dos atos, os canais com concessão pública Venevisón, Rádio Caracas, Globovisión e Televen passaram a fazer uma campanha contra o governo e as medidas de Chávez que, segundo Gil, “bombardearam a população” com um “cerco contra o governo”.
O dia do golpe
A concentração dos opositores começou às 9h de 11 de abril de 2002, em frente à sede da estatal no bairro de Chuao. Transmitida pelos canais de televisão, os manifestantes foram até o Palácio Miraflores, sede do governo venezuelano, comandados por Pedro Carmona Estanga, então presidente da maior entidade empresarial do país, a Fedecámaras, e Carlos Ortega, presidente da Confederação de Trabalhadores da Venezuela.
Ao chegar no Palácio Miraflores, os manifestantes foram reprimidos pelas forças nacionais e pela polícia de Caracas – apesar de esta estar sob a gestão do prefeito Alfredo Peña, da oposição. A pressão cresce e Chávez é coagido pelas Forças Armadas a renunciar, sob ameaça de bombardeios contra o Palácio de governo. Se negando a deixar o cargo, o presidente termina preso e retirado à força do Miraflores pelos militares golpistas.
“Nesse dia, quando explodiram as manifestações, ocorreram conspirações internas e os manifestantes, muitos deles sem saber o que estava acontecendo, foram até o Palácio de Miraflores com a promessa de que iam tirar Chávez do poder pela força, com base na insurreição. Nada na via democrática, na Constituição, mas de forma violenta. Essas mobilizações vão levar à uma série de fatos lamentáveis”, afirma Carlos Franco Gil.
A partir daí, começa o que os historiadores chamam de um “golpe dentro do golpe”. Pedro Carmona Estanga vai à televisão e afirma que estava assumindo um governo de transição. Anuncia a dissolução da Assembleia Nacional, a suspensão dos trabalhos do Tribunal Supremo de Justiça e derruba todas as medidas de Chávez.
Com isso, o jogo virou. Os chavistas vão às ruas de maneira expressiva e pedem a volta do presidente eleito. Os militares de Caracas prendem Carmona e encerram o golpe. Segundo Carlos Franco Gil, a partir daquele momento, Hugo Chávez passa por uma virada em seu discurso e sobe o tom pelo projeto bolivariano até encontrar, em 2006, o perfil do seu governo como socialista.
Ajuste de rota
Segundo o historiador Jesus Peña, um dos pontos de virada na política de Chávez foi a participação nas mídias. Os jornais se envolveram de forma ativa na política naquele período e a relação do ex-presidente com os veículos passou a ser mais incisiva.
“Uma das principais mudanças é a presença de Chávez nos meios privados e a presença da mídia estatal. Ele passa a participar mais de programas e ter aparições mais frequentes em veículos”, disse Peña. Segundo ele, Chávez usou o descontentamento popular com os canais de televisão para reformular sua participação nas mídias.
“As pessoas deixaram de acreditar nos veículos de comunicação, porque eles venderam uma imagem ruim do presidente que, no final, não teve resultado”, afirmou Peña.
Segundo os historiadores, Chávez também passou a olhar com desconfiança algumas alas do militarismo e teve que fazer uma reforma nas Forças Armadas para garantir que outras tentativas de golpe ao menos não contariam com a participação de Exército, Marinha ou Aeronáutica.
O ex-presidente ganhou força e apoio popular. Chávez usou isso para fazer consultas como o referendo de 2004, que discutiu sua permanência no poder. Ele recebe 69,92% de apoio e conseguiu, aos poucos, definir sua base ideológica até vencer a presidência em 2006 e apresentar seu governo como projeto socialista.
“Ele vem de uma heterogeneidade dos diferentes setores que o apoiam. Tem apoio de pessoas que não são de esquerda. Há nacionalistas, trabalhadores, cidadãos de classe média que apoiam o movimento bolivariano. Ou seja, Chávez sobe o tom político porque está avançando para um mandato popular que começou com a aprovação da constituição e seguiu com uma série de leis orgânicas, referendos e eleições”, conclui Carlos Franco Gil.