Imagem: Montagem Brenda
César Fonseca
Animal político experimentado, o presidente Lula desarmou a bomba do déficit zero para o ano que vem prometida pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cujas consequências imediatas seriam derrota nas eleições municipais e desastre eleitoral em 2026.
Representaria adeus à reeleição presidencial.
A visão ortodoxa economicista da burocracia tecnocrática do Ministério da Fazenda, rendida ao mercado financeiro, porque lá habita os filhotes da Faria Lima, desde sempre, não é de agora, havia preparado a armadilha monetarista, avessa à flexibilidade.
Tal visão é totalmente incompatível com o princípio da dualidade que Lula e sua sagacidade política considera necessária para entender economia e governar conforme as circunstâncias.
Há que se sopesar os dois lados: o econômico e o político.
A Fazenda adotou o comportamento antissocial do Banco Central de ver apenas um lado da realidade, sem levar em consideração a intrínseca dualidade do real concreto e objetivo em movimento segundo a qual a realidade detém os dois lados: o positivo e o negativo em interatividade dialética.
Lula, historicamente, tem sido o maior crítico do Banco Central por levar em consideração na sua formulação econômica política monetária que cuida tão somente da moeda, desprezando o outro lado, o emprego.
Atua o BC Independente brasileiro em total contradição com o próprio Banco Central americano, de contrabalançar a taxa de emprego com inflação, na fixação da taxa de juros.
A Fazenda, sob os neoliberais, adotou o viés do Banco Central e tem engolido, acriticamente, o tripé neoliberal – metas inflacionárias, câmbio flutuante, superávit primário – cujo resultado é super-exploração do trabalho, aumento do desemprego e explosão da desigualdade social.
Derrotar ortodoxia é fundamental
Com Lula, no seu terceiro mandato, a ortodoxia continuou porque, embora tenha obtido vitória eleitoral sobre o bolsonarismo fascista, este ganhou o poder real fazendo maioria parlamentar.
Os vitoriosos da Frente de Oposição ao fascismo não tiveram ousadia nem realismo e coragem suficientes para negociarem os parâmetros do futuro governo de modo a assegurar folga fiscal capaz de garantir gastos públicos indispensáveis aos investimentos sociais amplos, como principal fator de governabilidade.
Deixaram de aproveitar o fato de que o bolsonarismo praticou gastança eleitoral para tentar vencer eleição (perdeu por pouco) para executar política fiscal bem mais frouxa e indispensável para executar política social desenvolvimentista.
Em nenhum momento o mercado financeiro pressionou Bolsonaro para não gastar, deixando correr solto a estratégia fascista de tentar permanecer no poder gastando para o futuro, como sempre faz a direita.
Eleito, Lula, acanhado, cuidou, conservadoramente, de vender austeridade antes da hora.
Gastou seu capital em excesso de cautela, que seria reforçada com a estratégia do déficit zero articulada pela Fazenda sob Haddad, quando sob direção de Paulo Guedes não houve nada disso, pelo contrário.
O novo presidente, sufocado por um Congresso direitista, conservador, dominado pelo mercado financeiro, empenhado em dificultar a governabilidade lulista, para voltar o mais rapidamente possível ao poder, não percebeu que caiu na armadilha do déficit zero.
Um ano depois, percebe o equívoco e dá o grito de libertação antes que seja tarde demais, a fim de se livrar dos grilhões monetaristas decorrentes da combinação de Banco Central Independente com ortodoxia econômica neoliberal.
Ao insistir em afirmar que perseguirá o déficit zero – contrastando com o presidente Lula – e manter suas opiniões, que podem até ser sinceras, o titular da Fazenda nega ser político e joga no lixo o recado de Keynes de que diante de circunstâncias adversas mudar de opinião é necessário sempre que se fizer necessário.