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sábado, 5 outubro, 2024

Brasileiros falam sobre vida em Portugal e por que não pensam em voltar

© Folhapress / Patricia de Melo Moreira

Na terceira e última matéria da série sobre o Bicentenário da Independência, a Sputnik aborda um importante aspecto das relações entre Brasil e Portugal: o crescente número de brasileiros em busca de uma nova vida na antiga metrópole. Entrevistados relatam experiências, dificuldades e principais motivos para deixar o Brasil.
Dois séculos depois da declaração de independência, o que leva tantos brasileiros para Portugal? A população brasileira no país europeu cresceu mais de 23% nos últimos seis meses, chegando a 252 mil pessoas. Esses números se referem apenas aos migrantes com autorizações oficiais de residência, e os números reais seriam bem maiores.
Entre casos de xenofobia e as dificuldades enfrentadas para conseguir se estabelecer em Portugal, brasileiros que atravessaram o oceano para morar na antiga metrópole falam sobre como é a vida no país europeu. Em conversa com a Sputnik Brasil, Bruno Garcia, doutor em história pela Universidade de Coimbra, Mariah Viamonte, artista e universitária, e Vanessa Dias, mestra em tecnologias e linguagens pela Universidade de Coimbra, explicam que a mudança foi provocada por uma série de fatores.

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A busca por uma “vida menos violenta e com acessos a saúde, educação e segurança mais possíveis”, garante Mariah Viamonte, é o que justifica esse processo de migração cada vez mais intenso. Vanessa Dias também destacou a questão da segurança e enfatizou que “o contato com outras culturas é muito maior”, pois as passagens para se conhecer outros países do continente são muito mais acessíveis do que na América Latina.
Bruno Garcia, por sua vez, explica que o fator econômico tem um peso importante no processo de escolha. Para ele, nos últimos dez anos, quando Portugal se estabilizou (após a crise econômica europeia de 2007), “cresceu muito também o interesse de brasileiros mais ricos e de classe média alta. Em um momento em que o Brasil parece à deriva, eles encontraram aqui visto facilitado, acesso ao ensino superior e boa qualidade de vida com um custo inferior ao das maiores cidades brasileiras”.

Mas não é tão fácil quanto parece…

Os brasileiros permanecem na liderança isolada como a maior comunidade imigrante em Portugal, representando 29,2% (número que pode ser maior, pois não inclui brasileiros com dupla cidadania portuguesa ou de outro país da União Europeia e quem está em situação migratória irregular) de todos os estrangeiros no país, segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), órgão do governo português responsável pelo controle da imigração.
Entretanto, as queixas também existem. Segundo a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR), órgão ligado ao governo português, denúncias de xenofobia contra brasileiros em Portugal aumentaram 433% desde 2017. A entidade ainda destaca que, entre os estrangeiros que vivem em Portugal, são os brasileiros que mais registram casos em que são vítimas de manifestações de racismo e xenofobia.

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Mariah Viamonte foi vítima de xenofobia, apesar de ser cidadã portuguesa e ter permissão para viver no país. Ela fez questão de deixar claro que “não é algo generalizado”, entretanto “ser estrangeiro […] pode causar estranhamento e desrespeito quando tratamos de pessoas preconceituosas em geral. Por isso é de extrema importância falar sobre o assunto e expor tal situação, para que não tenha margem ou permissão para acontecer“.
A questão da visibilidade do problema também foi levantada por Bruno Garcia, que suspeita que exista um certo exagero na ênfase dada aos recentes números de casos de xenofobia. Ele apontou que quanto mais brasileiros chegam ao país, mais Portugal cria incentivos para atraí-los. “Nenhum outro país europeu facilita tanto a entrada de brasileiros“, disse.

“É evidente que existe xenofobia e racismo. E, claro, convém tratar com seriedade os casos reportados e divulgados pela comunidade brasileira. Porém confrontar esses fatos — inclusive torná-los mais visíveis — não indica necessariamente que estejamos em um pico de hostilidade aos imigrantes brasileiros. Até porque, institucionalmente, Portugal nunca esteve tão aberto [sic] à imigração”, afirmou.

‘Vive-se com uma considerável qualidade de vida’

Embora ofereça uma qualidade de vida melhor do que o Brasil, Portugal tem problemas econômicos históricos, que refletem na necessidade de o país atender às demandas do bloco europeu e acompanhar o desenvolvimento dos demais países, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento das indústrias transformadoras. Em 2019, elas representaram 13,5% do PIB português, contra 16,5% da média dos países europeus.
Para Bruno Garcia, os principais desafios para os imigrantes brasileiros “estão ligados a uma certa falta de dinamismo na economia [portuguesa]. O imigrante aqui não tem a expectativa nem a esperança daquele que partiu para os Estados Unidos, por exemplo. O sonho de enriquecer, de enviar um bom dinheiro para a família no Brasil. Há emprego, vive-se com uma considerável qualidade de vida. Porém os salários são baixos, as oportunidades de trabalho qualificado são limitadas e concentradas em poucas cidades”.

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Mariah Viamonte explicou que, como em qualquer processo de imigração, os obstáculos são muitos. “Ser estrangeiro […] por si só significa criar novos laços de trabalho, afetivos, lidar com outra cultura, ética, valores e leis”, comentou. “Sobre o custo de vida, sobreviver sem renda fixa no país fica bem complicado. Porém, apesar do salário mínimo baixo em Portugal, os custos fixos para se viver são relativamente mais baixos que no Brasil, então se torna possível viver com qualidade e segurança mesmo tendo baixa renda fixa”, disse.
Vanessa Dias entende que a questão da segurança e a relação entre custo e qualidade de vida é o maior atrativo, mas pode haver “sustos” para brasileiros que desejam imigrar: a constatação dos preços das habitações. Na capital do país, Lisboa, por exemplo, o preço médio de um imóvel está em 490 mil euros (R$ 2,8 milhões). O problema é que a renda média anual das famílias que vivem na cidade é de 28.575 euros (R$ 163 mil). “O alto valor das rendas (aluguel) nas grandes cidades, como Porto e Lisboa, somado às demais exigências (caução, fiador, rendas adiantadas) é o principal problema por aqui”, comentou.

Voltar ao Brasil?

Os três entrevistados concordam que, uma vez estabelecidos afetivamente e financeiramente, poucos pensam em voltar por conta das melhores condições de vida, principalmente de segurança. Vanessa Dias relatou que “a maioria das pessoas que conheço vieram para ficar. Sempre há momentos em que bate a saudade, mas está mais relacionada à família e amigos do que ao Brasil em si. Os mais jovens ficam encantados com a liberdade (viagens, festas e festivais), os mais velhos, com a relação entre custo e qualidade de vida”.
Os relatos são respaldados pelos números do governo de Portugal. Após a reabertura das fronteiras entre os países, em setembro, após um ano e meio de restrições relacionadas à pandemia de COVID-19, uma nova onda de imigração para o país europeu está em andamento. Entidades que auxiliam imigrantes em território português relatam maior chegada de brasileiros e busca por informações sobre o processo de migração.

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Além da escalada da crise econômica no Brasil e a vontade de melhorar de qualidade de vida, Portugal adotou uma legislação nacional favorável à imigração. Diferentemente da maioria das outras nações europeias, Lisboa permite a regularização com relativa facilidade daqueles que chegam como turistas (ou seja, sem visto), mas decidem viver e trabalhar em Portugal.
Morador de Lisboa, Bruno Garcia comenta que a maioria dos brasileiros que encontra na cidade não planeja sair de Portugal.
“Não conheço ninguém voluntariamente fazendo planos ou considerando em um futuro distante voltar a morar no Brasil.”

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