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Cidade da Guatemala (Prensa Latina) Os despejos e as ações violentas contra as comunidades rurais continuam na Guatemala, cada vez que agravam a crise, mulheres grávidas, crianças e idosos vivem sob as árvores, denunciou o líder indígena Domingo Hernández
Por Zeus Naya
Correspondente-chefe na Guatemala
Este fenômeno se deve a uma maior acumulação de riqueza em poucas mãos, explicou em declarações à Prensa Latina o cofundador do Comitê de Unidade Camponesa (CUC), uma das organizações históricas de defensores dos camponeses.
Os despejos, em particular a desapropriação de terras dos povos indígenas, que começaram há 500 anos, não pararam, acrescentou o coordenador da Associação Maia Uk’U’x B’e.
Em muitos lugares deste país – observou – o terreno, o pedaço de terreno que as pessoas têm, foi comprado duas, três vezes, e vejo isso mais como uma situação de presença de empresas transnacionais.
Na opinião do lutador pela defesa do território natal, a oposição vai acelerar todo esse problema para deixar no povo a imagem de que é a atual administração quem está causando isso.
“Somos uma sociedade bastante despolitizada, que pouco sabe sobre a nossa situação pela simples razão de que o empobrecimento causa grandes estragos na população”, descreveu.
O NÚMERO PARA 2024
As organizações sociais mencionam 16 despejos até agora este ano (85 ocorreram em 2022), famílias completamente abandonadas à sua sorte, as suas casas queimadas e eles foram deixados de fora, explicou Hernández, que viveu exilado na Europa e depois nos Estados Unidos.
Descartou a existência de qualquer protocolo que deva ser respeitado, razão pela qual são retirados daqui sem ter ali um espaço com condições, notou.
Os afetados, insistiu o líder indígena, são os idosos, as crianças, os jovens, tudo isso, além do medo que causa, também as condições e os problemas psicológicos.
Para o entrevistado, as instituições responsáveis pelo enfrentamento da situação agrária são cooptadas por grupos que, por meio de atos de corrupção, obtêm títulos falsos de terras ocupadas por famílias camponesas.
O Ministério Público é o actor principal, o juiz é quem ordena o despejo e nos territórios essas estruturas do Estado que deveriam servir para proteger os direitos dos cidadãos, proteger as oligarquias, expressou.
“A justiça no nosso país praticamente não existe para nós, mas para certos grupos, para punir os rebeldes, os índios, os camponeses, o sector democrático”, afirmou o cofundador da CUC.
Parece que é a época colonial, esta mesma coisa continua hoje, porque o sistema como tal nunca teve ruptura, a única vez que se sentiu ameaçado foi com a Revolução de 1944 a 1954, que começou a devolver direitos ao povo, lembrou.
Já se passaram 70 anos – refletiu – e os ricos praticamente se organizaram, se articularam para que não volte a ocorrer uma ameaça aos seus interesses econômicos.
GOVERNO ATUAL
Nas palavras de Hernández, uma mesa de conflito agrário está instalada desde fevereiro e o atual Executivo parece ter a intenção de querer fazer alguma coisa, a outra – disse – são as possibilidades reais de obter resultados.
É provável que se mantenha, conseguirão algumas pequenas conquistas, mas aqui na Guatemala a questão, como em muitas nações, é estrutural, histórica, comentou.
Qual é o seu direito de proceder a estes despejos violentos, perguntou o coordenador da Associação Uk’U’x B’e, ao responder que os documentos que possuem são falsos.
Por isso – enfatizou – a grande necessidade de se fazer uma investigação completa, quem são os verdadeiros proprietários, e aqueles que se autodenominam proprietários, os proprietários, os agricultores, como obtiveram essas terras.
O que sabemos e temos claro – observou – é que os adquiriram de forma ilícita, as pessoas foram despejadas violentamente, perseguidas e tiveram que abandonar os seus domínios.
RECLAMAÇÕES
Segundo o activista comunitário, a instalação e presença de grandes empresas em diferentes zonas do país parece ser um grande problema, pelo impacto que causam, não só com despejos.
O desvio dos rios afecta a vida das pessoas, principalmente em Chichicastenango, município do departamento de Quiché, na costa sul, e noutros locais, acrescentou.
A presença de hidrelétricas em diferentes territórios gera conflitos, alertou o membro da convergência maia Waqib’kej.
“Podemos estar em condições económicas bastante difíceis, mas se não tivermos empresas que cheguem, sobrevivemos, procurando a harmonia entre as comunidades”, disse à Prensa Latina.
No entanto, destacou que quando aparecem causam divisão, violência e uma série de outras coisas, como deu o exemplo do município de San Miguel Ixtahuacán, em San Marcos, quando a mina Marlin chegou em 2005.
Havia apenas uma cantina lá, disse Hernández, e acrescentou que depois de dois ou três anos havia mais de 100 na cidade.
Depois, explicou, a promoção do consumo de álcool para que as pessoas não pensem nos seus direitos, veem falsamente uma evolução.
MÃE TERRA
Nossa relação com a Mãe Terra não é de posse, é de convivência, de respeito, de harmonia, de cuidar dela, de amá-la pelo que ela é, afirmou a liderança indígena.
Na comunidade onde crescemos, porque foi lá que se passou a nossa história, estão enterrados avós e avôs e queremos que no futuro vivamos lá como as próximas gerações, frisou.
Esta questão dos despejos rompe toda esta relação comunitária, com a Mãe Terra, e perde-se também a identidade e a cultura, destacou o experiente dirigente camponês.
A esperança é continuar lutando, garantiu, “porque o país não está em harmonia” e “os povos indígenas têm propostas”, acrescentou Hernández.
Exigimos – destacou – junto ao Comitê de Desenvolvimento Camponês, à CUC, ao movimento de Mulheres com Poder Constituinte, entre outros, a proposta de um Estado plurinacional.
A Guatemala é a continuidade do colonialismo destes 200 anos da chamada independência, por isso chamamos e falamos da grande necessidade de um Estado diferente, concluiu o líder indígena quiche maia.