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terça-feira, 10 setembro, 2024

Compensar a Amazônia, uma questão de justiça no Equador

Quito (Prensa Latina) Com expressões serenas, os representantes das comunidades indígenas da Amazônia equatoriana contemplam a cerimônia de celebração da colheita da chonta, uma tradição ancestral.

Alguns turistas perguntam por seus colares, de que animal são os caninos impressionantes: De cagambá, responde um.

Mas esse animal já não existe, explica. Herdamos estes colares de nossas famílias, indica com uma mistura de tristeza e orgulho.

A Amazônia, repleta de riquezas naturais, minerais e biológicas, de animais ferozes e lendas ancestrais, não conheceu maior depredador que o homem.

O Equador possui um pedacinho dessa região prodigiosa e saqueada durante séculos e o atual governo tenta promover um pouco de justiça, baseada em um raciocínio simples: se todos os recursos extraídos da Amazônia tivessem sido investidos nela, hoje seria um dos territórios mais desenvolvidos do planeta. No entanto, a região se transformou na imagem viva da pobreza, com casas de madeira, levantadas vários centímetros do solo para evitar animais e inundações em um território de bosques úmidos onde pode chover até várias vezes ao dia.

Basta ver a roupa estendida e as estruturas de moradias para compreender a precariedade.

A região Amazônica no Equador representa 48% de seu território e compreende as províncias de Orellana, Pastaza, Napo, Sucumbíos, Morona Santiago e Zamora Chinchipe.

Ao longo delas, encanamentos correm como veias, muitas vezes a escassos metros das moradias. Durante décadas, transportaram petróleo a bolsos alheios.

O governo presidido por Rafael Correa, líder de um projeto político conhecido como a Revolução Cidadã, tenta mudar esta realidade.

A FESTA DA CHONTA

Um exemplo ilustrativo constitui a comunidade indígena Cofán, na província de Sucumbíos, onde o Executivo dispôs a construção de um grupo de 108 moradias com os royalties do petróleo da região.

Graças a um investimento superior a sete milhões de dólares, no final de dezembro deste ano, cerca de 420 pessoas deixarão de viver em casas indigentes para ocupar a poucos metros uma residência com todos os serviços: sistema de água potável, eletricidade, encanamento sanitário, entre outros benefícios.

O projeto inclui mitigação ambiental, mobiliário urbano, viabilidade (caminhos), estrutura de telecomunicações, serviços de saúde e uma escola intercultural para garantir a educação.

A comunidade Cofán, que viveu toda sua vida em áreas petroleiras exploradas por grandes empresas e vítima da poluição ambiental causada por essa indústria, só agora receberá benefícios a modo de compensação, comentou o engenheiro Yofre Martín Poma.

O também ex-prefeito de Lago Agrio, da província de Sucumbíos, explicou que antes de começar o projeto foi realizado um levantamento dos costumes da comunidade e se perguntou a seus habitantes quais desenhos e materiais preferiam para construir as casas.

Assim, as moradias em construção pela empresa estatal Equador Estratégico respondem às necessidades de um grupo autêntico da região que vive em maior medida da pesca no rio Aguarico, da produção de artesanatos e do cultivo da chonta, um fruto que produz uma palmeira e serve de alimento.

 

O desmatamento e a agricultura são atividades proibidas na região, mas o cultivo ancestral da chonta se mantém e em abril e maio kichwas, cofans, shuares e achuares se reúnem para comemorar a colheita de um produto tão útil.

Segundo experiências, o fruto de casca vermelha e massa alaranjada serve como repelente contra mosquitos, alimento para animais e matéria prima para artesanatos, com ele se elabora a chicha de chonta, uma bebida muito refrescante, e até um doce extraordinário.

Da palmeira de até 20 metros de altura, os índios aproveitam tudo: a madeira dura e forte em construções, as folhas em tetos e o verme que cresce no tronco como alimento.

A colheita da chonta representa um ritual de comunhão de cantos e dança com o objetivo de agradecer a natureza por sua generosidade.

Ainda que durante décadas as festas foram eventos exclusivos da comunidade, recentemente as autoridades de Lago Agrio convenceram os cofanes de compartilhá-las com pessoas de diversas procedências para se sensibilizar com sua cultura.

Visitantes nacionais e estrangeiros cruzam em canoa o rio Aguarico por esta época para chegar à comunidade Cofán e desfrutar de seus rituais, dança, comidas e até de atos de espiritualidade, com o objetivo de limpar o corpo. Assim, se abriu uma porta ao turismo.

EQUADOR ESTRATÉGICO

O representante da empresa Equador Estratégico Anjo Sallo, presente nestas comemorações, destacou a responsabilidade governamental de reinvestir os recursos petroleiros no bem-estar das populações, pois desse modo é possível mudar a vida de muita gente.

Uma das batalhas essenciais do governo atual tem sido a luta contra a pobreza e a promoção do ideal do Bom Viver como uma meta exposta na mais recente versão da Carta Magna, em 2008.

Em consequência, uma das vias propostas foi o aproveitamento responsável dos recursos naturais e a redistribuição equitativa da renda gerada.

Até 2017, Equador Estratégico deverá dotar de infraestrutura educativa, moradia, serviços básicos, saúde, telecomunicações e segurança, entre outros, mais de mil comunidades no país que foram historicamente esquecidas.

O investimento supera 940 milhões de dólares em mais de 1.200 obras em desenvolvimento, com o objetivo de compensar velhas políticas, de caráter meramente extrativistas.

Sallo e outras autoridades locais o resumem em uma frase curta mas contundente: questão de justiça.

*Correspondente da Prensa Latina no Equador.

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