Durante a luta anticolonial, muitos ativistas na Índia foram atraídos pelo socialismo devido ao fato de, enquanto o mundo capitalista se debatia com a Grande Depressão e o desemprego em massa, a União Soviética parecia completamente imune a isso; o camarada EMS Namboodiripad foi uma dessas pessoas e escreveu a respeito. Eles compreenderam que havia algo imanente ao funcionamento de uma economia socialista que lhe permitia evitar depressões e, na verdade, qualquer situação de superprodução generalizada, em contraste com o capitalismo. Vale a pena perguntar: onde reside essa diferença?
Diz-se que existe uma situação de superprodução quando a produção máxima que pode ser produzida com a utilização total da capacidade do capital disponível é superior à procura quando essa produção é produzida. Nessa produção, portanto, os inventários indesejados acumulam-se e, consequentemente, a produção é reduzida até que apenas seja produzida a quantidade que é procurada quando é produzida.
A teoria econômica burguesa defende que tal situação de superprodução pode ser ultrapassada se os salários monetários e os preços forem flexíveis. Suponha, para começar, que, por causa da superprodução, a produção tenha caído abaixo do máximo[NR]; então, haveria uma queda nos salários monetários e nos preços que aumentaria o valor real dos saldos de caixa que as pessoas possuem, fazendo com que gastassem mais e, portanto, elevando a procura agregada. Isso continuaria até que a produção total fosse realmente produzida e demandada, com um novo conjunto de salários monetários e preços. Portanto, se a produção e o emprego estão abaixo da capacidade total, a razão para isso reside no fato de que os salários monetários e os preços não são flexíveis, em suma, que os mercados não podem funcionar como deveriam; e a razão para isso reside na existência dos sindicatos. Eles negociam e obtêm um determinado salário monetário e não permitem que ele caia abaixo desse nível. Essa rigidez dos salários monetários está na base da superprodução e do desemprego em massa; e isso se deve ao funcionamento dos sindicatos. A panaceia para a superprodução e o desemprego associado é, portanto, destruir os sindicatos e fazer os mercados funcionarem; foi isso que Margaret Thatcher e outros procuraram fazer.
Este argumento da economia burguesa é, no entanto, pura trapaça ideológica. Se se pretende superar a superprodução através de uma queda nos salários monetários e nos preços, então, longe de melhorar a produção e o emprego, isso pode causar uma catástrofe na economia capitalista. As empresas herdaram compromissos de dívida em termos monetários e, se os salários monetários e os preços caírem, as suas receitas cairão em relação a esses compromissos, o que levaria muitas delas à falência. Longe de a queda dos salários monetários e dos preços levar a um aumento do emprego e da produção por meio de uma maior demanda, haveria uma queda no emprego e na produção, à medida que as empresas fossem dominadas por uma onda de falências.
Por outro lado, se os preços caíssem, mas os salários monetários permanecessem inalterados sempre que houvesse procura insuficiente na produção em plena capacidade, então a procura aumentaria indubitavelmente devido ao aumento dos salários reais; mas as margens de lucro cairiam. Isto será, naturalmente, contestado pelas empresas; mas, além disso, algumas empresas irão mesmo registar prejuízos e ser levadas à falência, de modo que a produção e o emprego continuarão a ser inferiores à produção total original. Daqui se conclui que, numa economia capitalista, a sobreprodução na produção total nunca pode ser superada através do funcionamento do mecanismo de mercado.
Numa economia socialista, em contraste, os meios de produção são de propriedade social, o que, para efeitos práticos, significa de propriedade do Estado. Todos os lucros das empresas revertem para o orçamento do Estado, pelo que o fato de uma empresa individual ter lucros ou prejuízos não é motivo de grande preocupação para o seu proprietário, o Estado; o que importa é que, no seu conjunto, as empresas devem obter lucros positivos. As empresas individuais não encerram, portanto, se tiverem prejuízos. O Estado pode ordenar que todas as empresas produzam em plena capacidade e deixar o preço cair, com o salário monetário permanecendo inalterado, até o nível que esvazie o mercado. A esse preço, algumas empresas teriam lucros, enquanto outras teriam prejuízos se a procura na economia fosse baixa. As empresas lucrativas contribuirão positivamente para o orçamento do Estado, enquanto as empresas deficitárias serão subsidiadas pelo orçamento do Estado. Mas a produção pode estar sempre em plena capacidade; e, além disso, com essa produção, os lucros das empresas lucrativas serão sempre maiores do que as perdas das empresas deficitárias, de modo que o orçamento do Estado nunca ficará no vermelho com essa política.
A razão para essa última afirmação é simples. Enquanto houver investimento positivo, deve haver poupança positiva na economia (ignoramos o investimento estrangeiro). Assumindo, para simplificar, que todos os salários são consumidos e que todas as poupanças provêm dos lucros das empresas (o que correspondia, em termos gerais, à realidade sob o antigo socialismo), o investimento positivo na economia deve significar poupanças positivas e, portanto, lucros positivos. Daí decorre que, enquanto a economia socialista fizer investimentos positivos, haverá sempre lucros positivos no agregado; ou seja, os lucros das empresas lucrativas excederão as perdas das empresas deficitárias. O Estado socialista pode, portanto, sempre pedir a todas as empresas que produzam em plena capacidade e ainda assim ser capaz de subsidiar as empresas deficitárias com o orçamento.
Uma economia socialista, portanto, pode sempre funcionar em plena capacidade. Isso porque todas as empresas são de propriedade social e, portanto, não precisam evitar perdas individualmente. Não há dúvida de que há flutuações na procura agregada a preços básicos, mesmo numa economia socialista, porque o nível de investimento agregado pode flutuar. Uma razão importante para tais flutuações no investimento é o que se denomina «efeitos de eco», o que significa que um agrupamento inicial de investimentos, por exemplo, quando a construção socialista começou, implica que, alguns anos mais tarde, haverá novamente um agrupamento semelhante, quando muitos dos equipamentos antigos se tornarem simultaneamente obsoletos. A questão, porém, é esta: tais flutuações no investimento não levam a quaisquer flutuações reais na procura agregada, porque o movimento dos preços em relação aos salários monetários garante que o consumo aumente quando o investimento diminui e diminua quando o investimento aumenta. Por outras palavras, os movimentos dos salários reais são feitos para contrabalançar as flutuações no investimento, fazendo com que a procura agregada sempre permaneça igual à produção em plena capacidade.
Tudo isso não é apenas uma teoria abstrata sobre uma economia socialista; algo desse tipo realmente aconteceu na União Soviética e, mais tarde, nos países da Europa Oriental, onde as flutuações no investimento não deram origem, como no capitalismo, a flutuações semelhantes, mas exageradas, na produção total, por meio do que é conhecido como “multiplicador”; elas permaneceram meramente flutuações no investimento, com a demanda do consumidor contrabalançando tais flutuações para garantir que a economia sempre funcionasse em plena capacidade.
Dito de outra forma, numa economia capitalista, as flutuações no investimento dão origem a flutuações no consumo na mesma direção e, portanto, a flutuações na produção total (acompanhadas ou não por alguma mudança nos preços). Numa economia socialista, as flutuações no investimento dão origem a flutuações no consumo na direção oposta, para garantir que a produção em plena capacidade seja sempre realizada. Isto é possível porque o capitalismo implica a propriedade privada, mas dispersa, dos meios de produção, de modo que uma queda na procura, se é que leva a uma queda nos preços (é claro que pode levar diretamente a uma queda na produção num ambiente oligopolístico com preços rígidos para baixo), deve significar que alguns produtores terão prejuízos e, portanto, reduzirão a produção. Uma queda na procura no capitalismo significa, portanto, necessariamente uma queda na produção, enquanto uma queda na procura no socialismo é absorvida inteiramente por uma queda nos preços, sem alteração na produção.
Michal Kalecki, o renomado economista marxista polaco, distinguiu entre um sistema limitado pela procura e um sistema limitado pela oferta, distinção esta posteriormente utilizada pelo economista húngaro Janos Kornai. Kalecki via o capitalismo como um sistema limitado pela procura e o socialismo como um sistema limitado pela oferta. No primeiro, um aumento na procura agregada causa um aumento na produção, enquanto no segundo isso não acontece. No socialismo, um aumento na procura agregada não aumenta a produção, mas sim os preços, uma vez que a produção está sempre no seu nível máximo. Consequentemente, no socialismo não existe desemprego involuntário no sentido de mão-de-obra não utilizada que seria utilizada se a procura por bens e serviços aumentasse.
Não se caracterizar pelo desemprego involuntário foi uma grande conquista do antigo socialismo. Foi uma conquista sem precedentes na história moderna e que permanece insuperável até hoje.
[NR] A sentença parece contraditória, mas é como consta no original: “Suppose, to start with, because of over-production output has fallen below the maximum output; then there would be a fall in money wages and prices that would raise the real value of cash balances that people hold, making them spend more and hence raise aggregate demand”.
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