15.4 C
Brasília
domingo, 27 julho, 2025

Como manter os vassalos felizes

Daniel Vaz de Carvalho

1

Quando Trump diz que os EUA gastaram 350 mil milhões com a Ucrânia e o próximo armamento a fornecer será pago por países da OTAN, os vassalos europeus há muito que não se sentiam tão felizes. Tão felizes que não se dão conta que aquele dinheiro mais o da UE/OTAN desapareceu numa guerra em que nem sequer foram capazes de obter uma posição minimamente favorável em negociações, tendo como única estratégia mais milhares de milhões para continuar uma guerra perdida num país destroçado.

Os propagandistas alegram-se com a decisão de Trump sem quererem perceber que esta situação evidencia a incapacidade de sustentação do império. As importações têm de ser taxadas para obter recursos, pois não tem competitividade e o dinheiro vem do endividamento. A dívida federal atinge 37,1 bilhões de dólares (123,1% do PIB), em 5 anos cresceu em média 2 bilhões por ano e o défice comercial está em 1,4 bilhões de dólares.

Os vassalos da UE/OTAN têm de pagar ao suserano, forçando a população à austeridade, para continuarem a ser vassalos felizes e poderem apregoar que a “unidade transatlântica” está preservada. E não só, segundo o gen. Arnault Moreira (CNN), “toda a estratégia montada por Moscou nos últimos três anos caiu hoje”. Na realidade trata-se do contrário!

O fiasco da estratégia ocidental é óbvio, a Rússia ia sofrer uma derrota estratégica. Agora insistem num cessar-fogo. Mas foi exatamente isso que obrigaram a Ucrânia a recusar logo em abril de 2022. Embora saibam que não é possível a Ucrânia entrar para a OTAN, com Trump, mantêm a ideia de que a longo prazo será diferente. Ao que parece, o seu delírio cognitivo impede-os de entenderem as causas do conflito.

Portanto, para ter vassalos felizes basta dar-lhes oportunidade de mostrarem a sua subserviência. De facto, tudo o que ambicionam é mostrar a sua dedicação ao hegemónico, como aconteceu no recente conflito de Israel-EUA com o Irã. Uma declaração britânica, francesa e alemã, apelava ao Irão para não tomar nenhuma ação que pudesse desestabilizar a região! Ou seja, as doutrinas de Netanyahu e do lóbi israelense foram engolidas sem pestanejar, felizes por poderem descartar pruridos relativamente ao sofrimento do povo palestino.

Para tudo isto ser possível mantendo um nível mínimo de democracia, os partidos políticos do sistema tornaram-se completamente subservientes aos ditames do império e da oligarquia. As eleições servem para criticar a atuação do governo anterior, depois as promessas eleitorais são imediatamente apagadas continuando mais do mesmo – mas pior. Nos partidos socialistas/social-democratas o socialismo deixou mesmo de ser pronunciado, substituído pela democracia liberal, baseada no anticomunismo e na supressão da democracia participativa.

Merz fez uma campanha para preservar o compromisso alemão do governo não tomar empréstimos. Após a eleição, fez votar a maior expansão da dívida para reforçar a militarização do país, dizendo querer “de novo ser o maior exército europeu”. É sintomático que não se tenha engasgado a dizer “de novo”?! Compreende-se que geneticamente lhe seja difícil, abandonar o passado nazi – no que está abundantemente acompanhado.

Não querem entender a realidade dos EUA, não concebendo outra forma de existência senão colocar-se ao serviço do império em declínio. Prevalece uma propaganda totalmente desconforme com a realidade, a condizer com a falta de qualidade dos líderes. Que pode apresentar a UE/NATO? Líderes sem prestígio, bonecos que sobrevivem pela propaganda centralizada, mentindo em relação às promessas eleitorais. Macron e Stramer, Merz e Schroeder, van der Leyen e Kallas, Rutte ou Stoltenberg, representam um sistema mantido por meros burocratas eleitos ou não.

As social-democracias acarinham os fascismos bálticos, moldavos, israelienses, neonazista ucranianos. A subida da extrema-direita insuflada pelos media, além de uma justiça politizada à direita, é a consequência, enquanto a esquerda é apagada, submersa no boicote e na propaganda alienante e anti-sindical, mas também enfraquecida esquecendo lições do passado.

2

Os vassalos sentem-se felizes porque o suserano não abandona os neonazistas de Kiev, mesmo que paguem para isso. As sementes do nazifascismo expandiram-se desde o golpe de 2014 em Kiev. Em dezembro de 2014, a própria BBC alertava:   “as autoridades ucranianas afirmam que a política ucraniana é completamente livre de fascistas. Isso está totalmente errado”. Os media que anteriormente condenavam as unidades nazistas na Ucrânia, começaram depois a encobri-las.

A formação nazista ucraniana Azov tem como padrão as Waffen-SS. Começaram como uma gangue de desordeiros em Kharkov, adotando a ideologia e um imaginário triunfalista do nazismo. Oligarcas tornaram-se seus patrocinadores, sendo depois criada uma organização juvenil e rede internacional. Em 2015, a CIA começou a treinar secretamente estes grupos paramilitares. Agora estão no parlamento, infiltraram-se nos diversos departamentos de polícia ucraniana, mesmo chefiando-os e estão integrados no exército regular. Os media permanecem silenciosos sobre este tema que ameaça o que resta de democracia na Europa.

A verdadeira ameaça à segurança da Europa é, como antes, o fascismo. O fascismo, escreveu Brecht, não é o contrário da democracia (liberal) mas a sua evolução em tempos de crise. A extrema-direita, com apoios na oligarquia, aproveita a insatisfação resultante de um império em declínio económico e social, recorre à mistificação de uma suposta supremacia racial e cultural para atacar os mais fracos, através da irracionalidade emocional acrítica e xenofóbica, onde foi perdida a simples noção da lógica, da verdade, da racionalidade. A cultura da guerra é defendida, a violência social é não só promovida, mas praticada.

As suas explicações resumem-se a uma caluniosa procura de culpados:   os emigrantes que roubam direitos aos nacionais, os sindicatos para os que nada querem fazer, as funções sociais do Estado para parasitas. São tonitruantes contra a corrupção, quando no sistema monopolista e de finança especuladora não há outra forma de governar senão pela corrupção.

Diz o prof. Richard D. Wolff entrevistado por Chris Hedges:   Estamos a tornar-nos fascistas politicamente, mas economicamente também, se por fascismo se quer dizer uma fusão entre a liderança empresarial e o aparelho governamental numa situação em que o governo representa a imposição militar das regras do capitalismo.

Independentemente de como as diversas formações de extrema-direita se manifestam relativamente à política internacional, mesmo em alguns casos contestando a burocracia federalista da UE, procurando justificar o seu “nacionalismo”, ou mantendo-se à margem do belicismo que as social-democracias tomam a seu cargo, não desalinham dos padrões imperiais de Washington, designadamente do Israel de Netanyhau.

A proposta que o SG da NATO defende com entusiasmo, repete os desejos de Trump: aumentar o limite de gastos militares para 5% do PIB. Os vassalos estão contentes, com reticências – “democracie oblige” – admitiram fazê-lo de forma progressiva (!) prometendo “planos ambiciosos” para fortalecer a defesa aérea, mísseis, drones e tropas terrestres. Entretanto vão dizendo à opinião pública que se trata de uma iniciativa para o desenvolvimento industrial e tecnológico. Na realidade, esta militarização ocorrerá à custa dos sistemas sociais, do endividamento, da inflação.

Portugal vai aumentar as despesas militares para 2% do PIB, isto é, 6180 milhões de euros, mais 1890 milhões num ano (que dariam para construir e equipar e manter quatro hospitais). Mas não fica por aqui: Portugal vai cumprir os compromissos com a OTAN em “duas etapas”, para atingir os 5% do PIB, 3,5% em investimento militar e 1,5% em infraestruturas.

Com a tranquilidade ou inconsciência de quem nada teme, o ministro dos Negócios Estrangeiros, faz a sua confissão de obediência:   “Assinámos também um tratado de garantias de segurança com a Ucrânia com o presidente Zelensky em maio do ano passado e apoiamos completamente todos os esforços da UE e do RU em particular, sempre ao lado da Ucrânia e da NATO e vamos manter isso”.

Para cumprir os 5%, a Espanha, por exemplo, teria de aumentar o orçamento de defesa de aproximadamente 27 bilhões de euros para 70

 bilhões, a Itália de 32 bilhões para 95 bilhões. Números comparáveis aos gastos com sistemas de saúde e segurança social. O fato de em 2024, cerca de 93,3 milhões de pessoas na UE (21,0% população) estar em risco de pobreza ou exclusão social parece ser irrelevante. (Eurostat, abril 2025). Note-se que os aliados dos EUA na NATO gastaram 21 bilhões de dólares em armamento norte-americano. No RU, com Starmer, o aumento dos gastos militares adicionará £350 bilhões (400 bilhões de euros) à dívida nacional.

A campanha para designar a Rússia como “inimiga número um” não diminui apesar dos fatos no terreno, prosseguido o objetivo de militarizar a consciência pública e permitir um apoio incondicional à militarização, ao aumento das despesas com a defesa e a mais armas para a Ucrânia. As nações mais belicistas da UE/OTAN, como os do arco dos “disponíveis” para mandar tropas para a Ucrânia, nomeadamente RU, Alemanha, França, estão em recessão ou próximo disso. Porém, como se nada disto fosse importante insistem em manter e sustentar a guerra na Ucrânia, um país falido e destroçado em resultado do que a NATO provocou.

A UE, passou, pode dizer-se logicamente, de uma organização destinada a impor a economia liberal para uma organização que se pretende militarizada ligada à OTAN, ao serviço do império unipolar, totalmente comprometida com a guerra na Ucrânia, doentiamente russófoba – basta analisar o que se passou com a expansão da OTAN e na Ucrânia desde 2014. Por isso o que existe na Europa do ocidente é uma entidade conjunta – apesar de divergências internas – UE/OTAN, dominada por tresloucados belicistas, salientando-se Starmer, Merz, Macron, Rutte, etc, sucedendo a outros equivalentes, que pretendem preparar-se para uma guerra com a Rússia, sem avaliar as consequências de poder tornar-se nuclear. Para eles, conforme já expressaram, o que está em jogo na Ucrânia é a hegemonia ocidental, uma hegemonia que aliás os torna vassalos de Washington, mas espantosamente só assim se sentem realizados. É uma mentalidade fascista.

4

Com as teses liberais o Estado foi espoliado de milhares de milhões de lucros de empresas nacionalizadas, entregues ao grande capital que obteve ao desbarato monopólios/oligopólios, cujos lucros são postos em paraísos fiscais e servem para remunerações milionárias aos gestores. Na realidade, o que pode criar riqueza são as políticas macroeconómicas do Estado orientadas para o desenvolvimento econômico e social apoiadas pelo sentir coletivo de independência nacional e progresso, refletindo a realidade objetiva. Se esta consciência não tem lugar, as necessárias mudanças políticas e sociais não acontecerão.

A propaganda anti-sindical dos media, o apagamento das suas teses e deturpação das suas lutas, levou ao enfraquecimento, à perda de consciência de classe em camadas proletárias, permitindo a degradação dos níveis de vida, dos direitos laborais, das prestações sociais. De tudo isto, à demagogia trauliteira da extrema-direita se aproveita. A agenda anti-imigração, algo que há poucos anos não fazia parte das preocupações da opinião pública, permite escamotear o essencial: a defesa da paz, a luta pelos direitos laborais e sociais só possíveis com transformações socialistas.

O culto de um falso individualismo, arregimentando grupos através de motivações negativas em termos humanistas, acéfalas, imunes ao questionamento, é o caldo de cultura dos nacionalismos fascistas, seduzidos pelas mentiras que suportam uma dinâmica de poder imperialista, escondendo as suas fragilidades e derrotas.

Associados a um império em declínio, a máscara dos “valores” caiu ao colocarem-se ao lado de Netanyhau nos horrores de genocídio em Gaza e nos crimes cometidos na Cisjordânia. Embora por vezes timidamente exibam uma certa fachada de crítica às ações das FDI, não reconhecem um Estado da Palestina – como deriva de resoluções da ONU – não é aplicada sequer uma sanção simbólica, não deixam de fornecer armas (como o RU) nem as FDI são impedidas de usar uma base da RAF em Chipre.

Regimes abertamente contra a carta da ONU no que diz respeito às minorias e liberdade religiosa, como na Ucrânia, Estados Bálticos, Moldávia, passam por democracias. Nestes países, e na Polónia, monumentos à libertação do jugo nazi são destruídos, sendo erigidos monumentos a colaboradores nazis.

O alargamento da guerra está no horizonte dos belicistas, cuja experiência em falsas notícias lhes tem permitido iludir a opinião pública e justificar as suas políticas. Neste momento provocações que possam levar a uma reação que conduza a apelar ao artigo 5 da OTAN, estão a ser elaboradas. Seja um ataque a Kaliningrado; tentar excluir a Rússia da navegação ou do seu controlo no Mar Báltico; levar o Azerbaijão e a Arménia a um conflito transfronteiriço com a Rússia ou a Moldava relativamente à Transnítria. Também tem sido colocado o uso de armas químicas na Ucrânia, acusando a Rússia – à semelhança do que foi feito na Síria.

5

O general Marco Serronha exprimiu na CNN um pensamento curioso, que mostra a que ponto a percepção da realidade está deformada pela propaganda da OTAN. Disse então: “Quando a Rússia estiver encostada às fronteiras da NATO, não quer saber se está lá o Orbán ou outro”. Claro que ninguém lhe recordou o facto de ter sido a NATO a encostar-se às fronteiras da Rússia, contrariamente a todos os compromissos assumidos.

Estamos no campo de delírio de personagens cuja existência e funções parecem resumir-se ao belicismo, incapazes de aderir à realidade. Mas a realidade é que a UE/OTAN não tem capacidade para manter uma política de confronto. Mesmo que dispusesse de indústrias e especialistas em qualidade e quantidade suficiente, não dispõem das matérias-primas e componentes para enfrentar adversários como a Rússia, muito menos numa guerra de longa duração.

As insuficiências são evidentes em combustíveis, componentes eletrônicos avançados, nitrocelulose (componente vital usado em projéteis), TNT, terras raras, etc. Embora haja planos de aumentar a produção de alguns componentes, por exemplo na Alemanha, resta saber como e quando, duvidando-se que seja suficiente, permanecendo o problema das inexistentes matérias-primas.

O atraso em termos tecnológicos é visível, incluindo dos EUA, no campo dos mísseis hipersónicos, aviação de 4ª e 5ª geração, defesa antimísseis. Tanques considerados os mais avançados como os Leopard e os Abrams foram dizimados na Ucrânia, destes últimos 87% foram destruídos ou estão inoperacionais.

Para os estrategas da UE/OTAN a logística – ainda menos que o problema financeiro – não faz parte das suas conjeturas nem lhes tira o entusiasmo pela guerra anunciada. A vulnerabilidade dos porta-aviões, a inferioridade dos seus mísseis de ataque e defesa, representam tremendas e custosas dificuldades logísticas. Como pretendem tornar o Atlântico Norte ou mesmo o Mediterrâneo imunes aos ataques adversários e garantir os aprovisionamentos que necessitam? Note-se que as rotas logísticas da Rússia são terrestres.

O que resta é a ameaça nuclear fazendo intervir os EUA. De forma que permanece um mistério saber o que estes políticos e militares esperam ganhar numa guerra contra a Rússia – desafiando também a China.

Esta Europa tem ainda o problema dos custos, que deveria ser uma prioridade. Contudo, a melhoria da sua competitividade e capacidade industrial só será possível reduzindo os preços da energia, removendo sanções. restabelecendo o comércio com a Rússia e desde logo alterar o seu sistema económico e social. Em vez disto, planeiam endividar-se e reduzir padrões sociais preparando-se para uma guerra com a Rússia, continuando a financiar a Ucrânia os seus neonazista e corruptos.

A Ucrânia foi levada ao caos pela estúpida arrogância europeia de tripudiar sobre os acordos de Minsk e obrigar a sair das negociações de Istambul em 2022. Agora é um país falido, uma economia que praticamente colapsou, com uma guerra que tem de ser sustentada do exterior. Os serviços básicos como água, gás, eletricidade, dispararam, levando as pessoas à pobreza e empresas à falência.

O setor industrial e a agricultura sofrem um declínio constante, tendo perdido o mercado russo. Os produtos agrícolas passaram a ser exportados para a UE, o que levou a protestos dos agricultores europeus, obrigando a restabelecer tarifas e quotas sobre produtos ucranianos, encerrando a exceção de livre comércio, com volumes limitados isentos de tarifas. Para além do palavreado de apoio, o tratamento preferencial a um Estado com a economia em colapso, acabou. O mais que a UE/NATO oferece são armas para matar russos e morrerem ucranianos, que aliás não se mostram muito dispostos a lutar já que de acordo com o deputado ucraniano Gorbenko, mais de 100 000 membros das FAU desertaram nos primeiros meses de 2025.

Só loucos podem sentir-se felizes e entusiasmarem-se a prepararem algo – uma guerra – em que seriam destruídos. Tal parece ser também a opinião do Gen. Carlos Branco:   “Quem aposta as fichas na derrota e na fragmentação da maior potência nuclear do mundo devia, ao invés, dar entrada num hospício. Infelizmente, é quem está à frente dos nossos destinos”.

26/Julho/2025

Este artigo encontra-se em resistir.info

ÚLTIMAS NOTÍCIAS