Desenvolvido desde finais do século XVIII, este festejo é conceituado único no mundo por seu marcado sentido religioso.
Compartilha com boa parte dos carnavais no mundo sua data de início imediatamente antes da quaresma cristã e que tem data variável, ainda que quase sempre coincide entre os meses de fevereiro e março, segundo o ano.
Este costume de origem greco-romano, chegou a Bolívia com a colonização espanhola e com o tempo misturou-se com as festas da primeira colheita que existia já no mundo andino, afirmou a Prensa Latina o pesquisador da Universidade Major de San Andrés (UMSA), Fernando Cajías.
No século XIX existiam dois tipos de Carnaval: um da elite, em que se disfarçavam com máscaras em clubes sociais, e um do povo, protagonizado por mineiros de Oruro, que se vestiam de diabos para visitar à Virgem do Socavón, recordou.
Refere Cajías que com o surgimento do nacionalismo no país, por lá pelos anos 30, a posta em valor do folclore boliviano provocou a união de ambas celebrações e hoje se tem um Carnaval de Oruro apenas em que participam todas as classes sociais.
Como todo festejo na Bolívia, este carnaval tem várias linguagens: um religioso, outro lúdico, o que mostra a identidade do povo e o espiritual andino.
Conta a lenda que a peregrinação dos dançarinos até o Santuário da Virgem do Socavón alude a uma história em que o arcanjo Miguel domina os diabos e os leva para a virgem para que se arrependam de seus pecados.
Esta santa não é mais que uma invocação da Virgem María, só que em Oruro lhe chama assim porque seu templo está localizado justo antes dos tuneis mineiros.
É considerada a protetora dos trabalhadores deste setor e como tal é interpelada para o cumprimento de desejos relacionados com uma boa extração ou de caráter pessoal.
Por outro lado, a linguagem da espiritualidade andina está marcado pelo protagonismo do Tio da mina, cujo nomeie aimará é Suphay, e é conceituado protetor de veta-as e riqueza mineiras. Ademais, associa-lhe com a figura de Lucifer e/ou Satanás.
A crença popular estabelece que nos dias do carnaval, esta personagem aproveita para sair da mina junto a sua esposa, conhecida como chinesa suphay, para se divertir e fazer loucuras na cidade.
Esta linguagem andina também se manifesta na terça-feira depois do carnaval, quando se celebra o dia da challa, oferenda em honra à Mãe Terra e aos seres protetores daquilo que desejamos material e espiritualmente, destaca Cajías.
Desde o ponto de vista da identidade -acrescenta- sobressai o fato de que Oruro é um dos centros da cultura boliviana, conceituado capital folclórica do país, e aqui se veem o amor pelas danças nacionais e as expressões religioso-culturais que entranham.
A outra linguagem com presença forte é o artístico folclórico. No carnaval de Oruro exibem-se, pelo menos, 18 classes de dança por parte a mais de 40 grupos.
Estas danças podem ser divididas em três classes, continua Cajías: uma primeira que poderíamos chamar as danças mestiças, que são aquelas nascidas nas cidades que utilizam instrumentos de bronze e refletem o cruzamento de raças diferentes do país como os caporales, as diabladas ou morenadas.
Depois estão danças autóctones urbanizadas, que têm uma clara origem indígena, mas ao transladar à cidade mudaram de música e deixaram de ter rituais. Aqui encontramos as lameradas, o tinkus e o pujllay, afirma o pesquisador.
Também estão as danças autóctones propriamente ditas, que são as que se dançam com os instrumentos nativos como, a quena, a tarqueada e a pinkillada.
Estas são as danças de maior realce e a cada uma delas se distingue por sua coreografia, ritmo e vestimenta.
Essas são as três artes que se conjugam: dança, música e artesanato, aponta o especialista.
A última linguagem que se expressa é o lúdico, próprio dos carnavais de todo mundo e que aponta à diversão e libertação da alegria.
Este caráter de entretenimento é ainda mais forte no domingo de Carnaval, pois é o dia que dançam em honra ao Deus Momo, considerado da diversão e o regozijo.
No sábado dança-se por devoção à Virgem, no domingo mais pela libertação do corpo e a carne, adverte Cajías. Seja qual for a razão da dança, a verdade é que o Carnaval de Oruro devém grande festejo onde intervêm pessoas de todas as idades para mostrar com o movimento compassado de seus corpos quanto orgulho sentem por sua diversidade cultural.
Quiçá esta mistura de energia, fé, beleza e diversão é a responsável por que este carnaval se localize entre os mais conhecidos do mundo, junto ao do Rio de Janeiro, Veneza, Cádiz e Barranquilla. O que sim é induvidável é que sua conjunção de linguagens e manifestações artísticas foi mais que suficiente para que a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura reconhecesse em 2001 que se tratava de uma Obra Mestre do Patrimônio Oral e Intangível da Humanidade.
*Correspondente de Prensa Latina na Bolívia