Enquanto o presidente Jair Bolsonaro está inclinado a atender ao clamor de 49 milhões de brasileiros que pagam plano de saúde, e sancionar o Projeto de Lei (PL) 2.033/2022, que prevê obrigatoriedade de tratamentos não listados pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), a entidade regulamentadora busca meios para fugir da obrigação mesmo com a nova legislação. Pelo texto aprovado na Câmara dos Deputados e no Senado, a lista de procedimentos terá apenas caráter exemplificativo (ou consultivo), e a ANS negocia um decreto para que o Judiciário tenha ‘parâmetros legais’ para analisar os pedidos de liminar, que devem continuar, de acordo com publicação do Valor Online.
O próprio presidente da ANS, Paulo Rebelllo, admite que a expectativa é de que o governo sancione o projeto, e afirma ao Valor que o objetivo do decreto é regulamentar o enquadramento dos procedimentos, exames e medicamentos nos critérios estabelecidos pela nova lei. Esse ponto é considerado polêmico, porque permite diferentes interpretações, e a eficácia de determinados tratamentos varia conforme o perfil do paciente. Rebello acredita também que a “judicialização” continue, por causa da “possibilidade de várias interpretações.”
Nos bastidores de Brasília, o entendimento é de que, entre a instatisfação das operadoras de plano de saúde e a rejeição de 49 milhões de brasileiros, Bolsonaro vai escolher ficar do lado dos cidadãos que pagam caro por uma assistência médica. O projeto de lei aprovado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado derruba o chamado rol taxativo da ANS, pelo qual (a partir de entendimento do Superior Tribunal de Justiça) as operadoras de planos de saúde são obrigadas a custear apenas 3.368 tratamentos listados pela entidade. Sem a lista pré-fixada dos procedimentos, pacientes podem ter coberturas antes negadas.
O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, confirmou em entrevista recente ao jornal Folha de São Paulo que o presidente deve sancionar o projeto de lei. O prazo para sanção, veto parcial ou veto total encerra no próximo dia 26, semana da eleição. Caso Bolsonaro não de manifeste até o fim do prazo, o projeto de lei será considerado sancionado, e se converterá em norma jurídica.
Má gestão das operadoras de plano de saúde tem impacto direto no prejuízo apontado pela ANS
Outra teoria apontada como ‘preocupação’ pela Agência Nacional de Saúde Suplementar é de que os planos ficarão ‘impagáveis’ de tão caros por causa da derrubada do rol taxativo, o que é descartado por especialistas. “Dados de prejuízo preocupam demais os consumidores, que pagam caro por esses serviços e esperam uma boa gestão das empresas desses recursos, especialmente considerando que 2022 contou com o maior reajuste de preços da história, no caso dos planos individuais. A minha preocupação é que problemas de gestão estejam sendo repassados aos consumidores”, afirma a advogada e ativista Mariana Colatino, membro da Comissão da Pessoa com deficiência da Seccional de Alagoas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-AL) e da Mobilização de Alagoas,
Ela argumenta que “é preciso analisar essa informação com cuidado, considerando, primeiro que são dados parciais, e não do ano todo”, e que “a ANS obriga as empresas a fazerem reservas técnicas para fazer frente a esses prejuízos.”
Colatino diz ainda que “esses dados estão relacionados a uma situação decorrente dos efeitos da pandemia, e, claro, refletem em maior ou menor grau questões de gestão, e não devem ser atrelados à discussão sobre o PL 2033/22 e seus desdobramentos”. “Não haveria tempo hábil para que um projeto ainda não sancionado tivesse efeitos sobre o setor dessa maneira. Pelo contrário, o que tem efeitos no mercado no momento é a equivocada decisão do STJ, que considerou o rol taxativo da ANS, o que vem aumentando negativas de atendimento, e, consequentemente, a judicialização.”
Consultado sobre os planos de saúde terem apresentado suposto prejuízo de R$ 1,74 bilhão no 2º trimestre deste ano, depois de um resultado positivo de R$ 1,050 bilhão no 1º trimestre, o advogado Cleiton dos Reis, presidente da Associação Amigos do Brasil em prol da Ética (Abra), afirma que que “é obvio que a divulgação desses dados pela ANS neste exato momento tem por finalidade mais gerar uma pressão sobre o presidente Bolsonaro, que está prestes a sancionar o PL 2033/22, sendo que, ao invés disso, o que realmente precisa ser destacado é que parte considerável desse prejuízo decorre de má gestão das operadoras, que é o que sinalizam os dados apresentados pela ANS, já que as despesas administrativas aumentaram consideravelmente nos últimos trimestres.”
O advogado diz ainda que “a diferença entre o resultado positivo e o resultado negativo, que é de R$691 milhões, representa apenas 0,5 do faturamento. Segundo ele, esse segmento do mercado opera com margem de lucro na casa dos 4 a 6%, sempre foi assim, e dispõe de mais de 40 bilhões de rendimento das suas aplicações, e outros, 50 bilhões em dinheiro de reserva técnica; certamente a tendência é a situação estabilizar-se até o final do ano. Isto é, não há razão para pânico.”