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terça-feira, 16 abril, 2024

Brasil precisa fazer um estudo concreto do potencial energético de todas as suas fontes

Luciano Chagas*

O projeto Perspectivas 2020 convidou o geólogo e membro da Associação
dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet), Luciano Chagas, para fazer uma
leitura do que aconteceu em 2019 e avaliar as oportunidades e desafios
do ano vindouro.
Em sua visão, o setor de óleo e gás teve pontos positivos – como os
avanços na parte regulatória -, também teve aspectos negativos, como a
política de preços da Petrobrás e o resultado recentes dos leilões.
Para o ano que vem, Chagas elenca uma série de medidas que podem
contribuir para um melhor ambiente de negócios. Uma delas é a realização
de um inventário concreto dos ativos energéticos brasileiros, levando em
conta as mais diferentes fontes disponíveis no país.
“Há uma profusão de números irreais sem quaisquer significados e que
estão contidos em muitos prognósticos e até mesmo nas expectativas que
compõem cenários apresentados por diferentes empresas e entidades
governamentais. Como se pode planejar um País se não sabemos das suas
potencialidades?”, questionou.
O geólogo também fala da venda de ativos da Petrobrás, dos preços do
barril de petróleo, entre outros aspectos do mercado. Transcrevemos suas
opiniões.

Como viu o seu setor no ano de 2019 ?

Com realizações positivas e outras muito negativas. Nas positivas,
destaco os avanços da ANP concernentes às regulamentações, criando
caminhos que separam os pequenos dos médios e grandes atores produtores
e investidores no setor petróleo na E&P. Também a oferta permanente de
áreas é bastante salutar.

No lado do P&DI, é lamentável a perda de primazia da Petrobrás, a maior
empresa brasileira e detentora dos melhores ativos do Pré-Sal, para
empresas alhures. Se a Petrobrás investiu no setor, não houve divulgação
na mídia, não contribuindo assim para a propagação de conhecimentos tão
necessários para o Brasil. Isso era comum no passado e muito contribuiu
para o desenvolvimento do setor.

Relativo às vendas exploratórias, a Petrobrás tem conseguido bons preços
na venda dos ativos onshore, principalmente as dos polos do Rio Grande
do Norte, Riacho Forquilha e Macau. Como as empresas que adquiriram os
ativos têm expertise real e/ou potencial, espero que elas consigam, pelo
menos, aumentar em dobro a produção atual. As minhas expectativas eram
de que os valores de aquisição fossem próximos à metade dos valores
pagos. As vendas feitas levarão as empresas adquirentes a verdadeiros
malabarismos de gestão e uso de tecnologias de ponta para obter lucros
nos ativos que compraram.

Relacionado ainda ao item anterior e incluindo os preços praticados no
mercado internacional do petróleo e gás, da ordem de US$ 55.00 a US$
60.00 em barril de óleo equivalente (boe), em 2019, as produções dos
campos terrestres com breakevens médios da ordem de US$ 45 a 50/boe, têm
que ser aumentadas substantivamente para que se possa pagar os
investimentos em aquisição e os futuros a serem feitos na implantação
industrial, perfuração ou recuperação de poços e no aumento de produção.
Torço para que tudo dê certo, pois senão será um completo e indesejável
desastre.

No lado dos desinvestimentos de campos ou acumulações offshore, a
Petrobrás não tem, a meu ver, conseguido bons resultados. Por exemplo,
Maromba, vendido por US$ 100 milhões, vale, na minha análise, algo como
pelo menos US$ 300 milhões. Isto porque os óleos pesados do Brasil têm
boa mobilidade apesar de densos. Quem investiu nisso, por exemplo em
EOR, como a Equinor, em Pelegrino, e a Enauta, em Atlanta, com  um
incremento na sua produção primária atingindo vazões 10 mil boe
diários/poço, junto, é claro, com os respectivos consorciados, têm
obtido resultados substantivos conseguindo assim  pagar os vultosos
investimentos feitos ou estão acumulando caixa para assim proceder,
apesar do preço atual, relativamente baixo, do barril do petróleo.

Também na desverticalização feita pela atual administração da Petrobrás,
adjetivada de desinvestimentos – para mim, eufemismo de privatizações
lenta -, a Petrobrás, intuo, terá seu caixa deprimido no futuro próximo,
em razão desta política propositadamente suicida, na minha
interpretação. Aliás, ela já está pagando caro pelo uso dos dutos da
NTS, que era de propriedade da Petrobrás e terá, assim, redução no seu
faturamento bruto.

Já na área de preços de combustíveis, a Petrobrás ao incorporar os
valores de internação aos preços internacionais praticados, encarece o
petróleo e derivados já carregados de impostos, onerando a população via
preço abusivo. Esta é a razão do aumento desenfreado na importação de
petróleo, facilitando a vida das empresas estrangeiras. Há perda
expressiva de market share pela Petrobrás e ainda vendendo combustíveis
e energéticos mais caros. É um “case” inédito no mundo, uma empresa
perder propositadamente, para outros, o seu próprio mercado.

É muito positivo o incremento expressivo da produção oriunda dos
reservatórios do Pré-Sal, produto de investimentos passados feitos há
7-10 anos. Lamentável é a contratação de equipamentos e instalações no
exterior de FPSO’s, replicantes, navios etc., impactando ou falindo os
estaleiros e a indústria nacional, que assiste quase que passivamente o
seu desmonte, o que é absolutamente incompreensível. Também a população
desempregada e endividada assiste a tais descalabros sem reação sindical
e patronal, enquanto os operários de outros países estão empregados e
fabricando equipamentos para o nosso uso.

Nos leilões, apesar dos valores expressivos obtidos nas vendas, o
arrecadado foi um relativo fracasso. Dinheiro novo foi muito pouco e só
dos chineses que investiram, como sempre fazem em todo o mundo,
garantido assim os energéticos para seu consumo e que ajudam a manter o
seu ainda elevado crescimento econômico. Atribuo o fracasso a três
principais razões: 1- exagero nas expectativas feitas pelo Ministério da
Economia por absoluta ausência de análise conjuntural. Confiaram
excessivamente que a qualidade dos ativos, em termos de volume e dos
excelentes índices de produtividade dos reservatórios (os melhores do
mundo) que trariam fortunas de fora nas aquisições; 2- Imensas
disponibilidades mundiais de recursos prospectivos no Cazaquistão,
Guianas, no mar da África do Sul, Irã, México (golfo e onshore) etc. As
empresas maiores, ao não investirem aqui, podem atribuir a culpa como
exclusiva do modelo de partilha vigente, vulnerando-o e facilitando a
volta do modelo de concessão que, na minha opinião, é muito bom para as
empresas em termos de retornos financeiros e ruim para o País em termos
de matriz energética própria e diversificada, onde aliás o Brasil é
campeão mundial. Para termos crescimentos econômicos expressivos que
tanto o Brasil precisa, é necessária a garantia de ativos que gerem
crescimento, como se faz com o energético petróleo.

Qual é a sua expectativa para 2020 ?

Os preços do petróleo deflacionados continuarão nos mesmos patamares de
2019, face a capacidade excedente e instalada de produção mundial.
Ressalto, entretanto, que o preço do petróleo curiosamente não é
consequente da lei da oferta e procura como a maioria imagina. Ele é
construído de acordo com as conveniências geopolíticas dos países do
primeiro mundo, os que podem provocar crises, como é característica
usual do setor, com preços alterados de acordo com as necessidades dos
mais fortes, para mais ou para menos. A Guerra comercial EUA versus
asiáticos, principalmente China e Índia, terá forte impacto no contexto
das  flutuações de preços. Esta será a grande incerteza, segundo
analistas renomados.

Na área de disponibilidade de petróleo no mundo, os volumes de gás e de
óleo disponíveis, como os existentes nos folhelhos nos EUA, quase todos
com fluxos de caixa negativos e deficitários, com breakevens médios na
casa de US$ 60, continuarão a contribuir como vilões dos preços menores,
juntos com os óleos abundantes e ora disponíveis para a produção
imediata na Venezuela, Irã, Cazaquistão etc. Continuará, portanto, a
abundância de oferta segundo as disponibilidades atuais. Mesmo com os
esforços da OPEP de redução de cotas de produção e da quase insolvência
de empresas produtoras de folhelhos (shales) como a Chesapeake, que
opera fraturando os folhelhos dos Marcellus, Barnett e Hanynesville,
ditos como situados entre os melhores do mundo.

Continuarão as vendas de ativos do Pós e Pré-sal, mesmo com a
administração atual da Petrobrás afirmando que a exploração do Pré-Sal é
o seu novo “core business”. Eles continuarão a vender tais ativos
exploratórios, exploratórios e de produção, estes últimos principalmente
na Bacia de Campos, que apresentam baixas recuperações por pouco ou
nenhum investimento da Petrobrás em EOR, o que torna irrisório os
valores dos ativos de produção já instalados. No onshore continuarão as
vendas com critérios pouco transparentes para nós, mortais, mas vaticino
que os preços relativos serão bem menores que os obtidos em 2019, face à
conjuntura mundial de disponibilidades destes tipos de ativos. Também a
privatização lenta da Petrobrás continuará nas áreas de “mid” e
“downstream”, o que dificultará sobremaneira o gerenciamento conjunto e
o faturamento da empresa nos momentos de crise e seus impactos
respectivos em cada elo da cadeia produtiva. Para os investidores
nacionais, os que têm cacife financeiro ou conseguem investidores com
menor aversão ao risco, isto representará boas oportunidades de se fazer
bons investimentos.

Os leilões ANP deverão ser intensificados com a oferta permanente de
blocos exploratórios e de produção. Falo das medidas já aprovadas e
daquelas ainda em gestação.

A importação de derivados de petróleo continuará como também será
mantida a política insana de combustíveis caros, ora vigente.  O povo e
os caminhoneiros que se danem.

A produção do Pré-Sal aumentará face aos investimentos feitos há muito,
e só terá boa serventia se priorizarmos o consumo nacional ao invés de
sermos exportadores da matéria prima óleo bruto.

A julgar pelos pedidos e status quo, os contratos dos leilões mudarão,
voltando ao modelo de concessão, para infelicidade do Brasil.

O que gostaria de sugerir para que o segmento de negócios onde atua
fosse mais ativo?

Que os homens públicos pensassem mais no Brasil e na nossa população, eu
também sugeriria:

Mudança na política de preços do petróleo e combustíveis, atrelando-os
aos preços internacionais sem embutir os preços de internação, usando
uma média móvel com valores históricos de pelo menos seis meses,
evitando assim picos bruscos de flutuações. Tornaria fácil, via preços,
refinar e produzir petróleo no Brasil. Isso também poderá alterar
proativamente o preço da cara molécula, o gás, criando políticas e
incentivos para incrementos da sua produção visando a obtenção de
melhores preços de venda da molécula.

Fazer um inventário concreto dos ativos energéticos brasileiros até
então inexistentes, via incentivo e disponibilização de verbas ora
existentes para universidades públicas e privadas de boa qualidade e até
entidades particulares. Afirmo que, na área de petróleo, onde tenho
grande afinidade e relativos bons conhecimentos, não sabemos quanto
temos de ativos bem classificados com os seus respectivos nomes, de
acordo com as definições mundiais, ou seja, as reservas, as reservas
provadas, as prováveis, os recursos prospectivos e os contingentes etc.
Há uma profusão de números irreais sem quaisquer significados e que
estão contidos em muitos prognósticos e até mesmo nas expectativas que
compõem cenários apresentados por diferentes empresas e entidades
governamentais. Como se pode planejar um País se não sabemos suas
potencialidades?

Na área de regulação, sugeriria que a ANP tomasse medidas mais drásticas
no sentido de delimitação completa de ativos ou acumulações descobertas,
como Uirapuru, Sagitário, Carcará, Guanxuma, toda área de Búzios e
adjacências, etc.
Nos ativos ricos em gás, tipo Carcará e adjacências, com volumes de
abundantes e gás  e de difícil  reinjeção (face à pressão de poro
elevadíssima dos seus reservatórios), os números das disponibilidades de
gás descobertos são superlativos e a sua completa delimitação é mais que
necessária. Isso realmente poderá contribuir até na mudança para uma
matriz energética mais limpa, se realmente conhecermos os volumes
descobertos e ainda enterrados e, às vezes, creio, propositadamente
olvidados. Isso é uma necessidade de Brasil que é superior a das
empresas que detêm os ativos, que somente os dimensionarão quando lhes
for melhor conveniente.

Que, quando a Petrobrás vender os seus ativos, de quaisquer matizes ou
tamanho, também entregue, junto, os acervos completos, digo todos, pois
eles depois das vendas não têm quaisquer serventias para quem o vendeu.
Por que reter os acervos?

*Luciano Chagas, geólogo aposentado da Petrobrás

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