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sexta-feira, 8 novembro, 2024

Brasil e Rússia sob ataque de “Guerra Híbrida”[1]

28/3/2016, Pepe Escobar, RT 

“Se o veneno, a paixão, o estupro, a punhalada
Não bordaram ainda com desenhos finos
A trama vã de nossos míseros destinos,
É que nossa alma arriscou pouco ou quase nada.”

As flores do mal [1857], Charles Baudelaire, sem indicação do tradutor*
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Revoluções Coloridas nunca bastariam. O Excepcionalistão vive à procura de grandes atualizações de estratégia capazes de garantir a hegemonia perpétua do Império do Caos.

A matriz ideológica e o modus operandi das revoluções coloridas já são, hoje, assunto de domínio público. Mas não, ainda, o conceito de Guerra Não Convencional (GNC) [orig. Unconventional War (UW).

Essa guerra não convencional apareceu explicada nomanual das Forças Especiais para Guerra Não Convencional dos EUA, em 2010. O parágrafo chave é:
“1-1. A intenção dos esforços de GNC dos EUA é explorar vulnerabilidades políticas, militares, econômicos e psicológicos de um poder hostil, mediante o desenvolvimento e sustentação de forças de resistência, para alcançar os objetivos estratégicos dos EUA. (…) Para o futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerra irregular”
Hostil” não se aplica apenas a potências militares; qualquer estado que se atreva a desafiar alguma trampa importante para a “ordem” mundial Washington-cêntrica – do Sudão à Argentina –, pode ser declarado “hostil”.

Hoje, as ligações perigosas entre Revoluções Coloridas e Guerra Não Convencional já desabrocharam, como Guerra Híbrida: caso pervertido de Flores do Mal. Uma ‘revolução colorida’ é apenas o primeiro estágio do que, adiante, será convertido em Guerra Híbrida. E Guerra Híbrida pode ser interpretada, na essência, como a teoria-do-caos armada – paixão conceitual dos militares dos EUA (“política é a continuação da guerra por meios linguísticos”). No fundo, meu livro de 2014, Empire of Chaos rastreia as miríades de manifestações desse conceito.

Os detalhados e bem construídos argumentos [de Andrew Koribko, um dos capítulos já traduzidos, e outros em tradução (NTs)] dessa tese em três partes esclarece perfeitamente o objetivo central por trás de uma grande Guerra Híbrida:
“O grande objetivo por trás de toda e qualquer Guerra Híbrida é esfacelar projetos multipolares transnacionais conectivos, mediante conflitos de identidade provocados de fora para dentro (étnicos, religiosos, regionais, políticos, etc.), dentro de um estado de trânsito tomado como alvo.”
Os BRICS – palavra/conceito de péssima reputação em Washington e no Eixo de Wall Street – teriam de ser os alvos preferenciais de Guerra Híbrida. Por incontáveis razões, dentre as quais: o movimento na direção de comerciar e negociar em suas próprias respectivas moedas, deixando de lado o dólar norte-americano; a criação do Banco de Desenvolvimento dos BRICS; o confessado interesse na direção da integração da Eurásia, simbolizada pelos projetos: Novas Rotas da Seda – ou, na terminologia oficial, Um Cinturão, uma Estrada [ing. One Belt, One Road (OBOR)] liderados pela China; e União Econômica Eurasiana (UEE) liderada pela Rússia.

Implica que a Guerra Híbrida mais cedo ou mais tarde atingirá a Ásia Central: o Quirguistão é candidato ideal a laboratório primário para experimentos tipo revolução colorida, do Excepcionalistão.

No estado em que estamos hoje, a Guerra Híbrida está muito ativa nas fronteiras ocidentais da Rússia (Ucrânia) mas ainda é embrionária em Xinjiang, no extremo oeste da China, que Pequim microadministra como falcão. A Guerra Híbrida também já está sendo aplicada para impedir um gambito crucial do Oleogasodutostão: a construção do Ramo Turco. E também será acionada de pleno para interromper a Rota da Seda dos Bálcãs – essencial para os negócios/comércio da China com a Europa Ocidental.

Dado que os BRICS são o único real contrapoder ante o Excepcionalistão, foi preciso desenvolver uma estratégia para cada um dos principais atores. Jogaram tudo contra a Rússia – de sanções à mais total demonização; de ataque contra a moeda russa até uma guerra dos preços do petróleo, que incluiu até algumas (patéticas) tentativas de iniciar uma revolução colorida nas ruas de Moscou.

Para nodo mais fraco no grupo BRICS, teria de ser desenvolvida estratégia mais sutil. O que afinal nos leva até a complexíssima Guerra Híbrida que se vê hoje lançada com o objetivo de conseguir a mais massiva e real desestabilização política/econômica do Brasil.

No Manual dos EUA para Guerra Não Convencional lê-se que fazer balançar as percepções de uma vasta “população média não engajada” é essencial na rota do sucesso, até que esses “não engajados” acabem por voltar-se contra os líderes políticos.

O processo inclui de tudo, de “apoiar grupos insurgentes” (como foi feito na Síria) até implantar “o mais amplo descontentamento, mediante propaganda e esforços políticos e psicológicos para desacreditar o governo” (como no Brasil). E, à medida que uma insurreição vá crescendo, deve-se “intensificar a propaganda e a preparação psicológica da população para a rebelião”.Assim, num parágrafo, está pintado o caso do Brasil.

Precisamos de um Saddam para chamar de nosso

O principal objetivo do Excepcionalistão é quase sempre conseguir um mix de revolução colorida e guerra não convencional. Mas a sociedade brasileira e sua vibrante democracia sempre seriam sofisticadas demais para uma abordagem de Guerra Não Convencional hardcore, como sanções ou o conto da “Responsabilidade de Proteger” (R2P).

Não surpreende que São Paulo tenha sido convertido em epicentro da Guerra Híbrida contra o Brasil. São Paulo, o estado mais rico do Brasil, onde está também a capital econômica e financeira da América Latina, é o nodo chave numa estrutura de poder interconectada nacional/internacional.

O sistema da finança global centrado em Wall Street – e que governa virtualmente todo o Ocidente – simplesmente não poderia de modo algum permitir qualquer ação de plena soberania nacional, num ator regional com a importância do Brasil.

A ‘Primavera Brasileira”, de início, foi virtualmente invisível, fenômeno exclusivamente das mídias sociais – como na Síria, no início de 2011.

Então, em junho de 2013, Edward Snowden vazou aquelas sempre as mesmas práticas de espionagem da Agência de Segurança Nacional dos EUA. No Brasil, a ASN-EUA espionava a Petrobrás por todos os lados. E então, de repente, sem mais nem menos, um juiz regional, Sergio Moro, baseado numa única fonte – depoimento de um corretor clandestino de câmbio no mercado negro (“doleiro”) – teve acesso a uma grande lixeira de documentos da Petrobrás. Até agora, a investigação de corrupção que já dura dois anos, “Operação Car Wash“, ainda não revelou como conseguiram saber tanto sobre o que os próprios investigadores chamam de “célula criminosa” que agiria dentro da Petrobrás.

O que realmente interessa é que o modus operandi da revolução colorida – a “luta contra a corrupção” e “em defesa da democracia” – já estava posta em andamento. Foi o primeiro passo da Guerra Híbrida.

Assim como o Excepcionalistão inventou terroristas“bons” e terroristas “maus” cujos confrontos criaram a mais terrível confusão e agitações por todo o “Siriaque”, no Brasil surgiu a figura do corrupto “bom” e do corrupto“mau”.

Wikileaks também revelou como o Excepcionalistão classificava o Brasil como “ameaça à segurança nacional dos EUA”, porque poderia projetar um submarino nuclear[esse Wicki-telegrama é de 2009, o mesmo ano do ‘curso’ que o juiz Moro fez no Rio de Janeiro. Só pode ter sido por acaso (NTs)]; como a empresa construtora Odebrecht estava-se tornando global; como a Petrobrás desenvolvera, a própria empresa, a tecnologia para explorar os depósitos de petróleo do pré-sal (a maior descoberta de petróleo confirmada desse início do século 21, da qual o Big Oil foi excluído por, ninguém mais, ninguém menos, que o presidente Lula.[2]

Adiante, por efeito das revelações de Snowden, o governo Rousseff passou a exigir que todas as agências governamentais usassem empresas de tecnologia estatais, para atender todas as necessidades do governo. Significaria que as empresas norte-americanas do setor perderiam, em dois anos, ganhos já previstos de $35 bilhões, se fossem alijadas dos negócios de tecnologia da 7ª maior economia do mundo – como o grupo Information Technology & Innovation Foundation rapidamente descobriu.

O futuro acontece agora

A marcha na direção de Guerra Híbrida no Brasil pouco tem a ver com direita ou esquerda política. Consiste, basicamente, de mobilizar algumas famílias ricas que realmente governam o país; subornar fatias imensas do Congresso; pôr sob estrito controle as principais empresas de mídia; pôr-se a agir como senhores de engenho de escravos do século 19 (as relações sociais da escravidão ainda permeiam todas as relações na sociedade brasileira); e legitimar a coisa toda com discursos de uma tradição intelectual robusta, mas oca.

Todos esses dariam o sinal para mobilizar as classes médias altas.

O sociólogo Jesse de Souza identificou um fenômeno freudiano de “gratificação de substituição”, pelo qual as classes médias altas brasileiras – que, em grandes números vivem agora a exigir mudança de regime – imitam os poucos muito ricos, ao mesmo tempo em que são cruelmente exploradas por eles, mediante montanhas de impostos e taxas de juros estratosféricas.

Os 0,0001% mais ricos e as classes médias altas precisavam de um Outro para demonizar – à moda do Excepcionalistão. E ninguém seria mais perfeito para o complexo judicial-policial-midiático-velhas-elites-comprador, que a figura que tratariam de converter num Saddam Hussein tropical: o ex-presidente Lula.

“Movimentos” de ultradireita financiados pelos nefandos Koch Brothers repentinamente começaram a surgir nas redes sociais e em movimentos de rua. O advogado-geral do Brasil visitou o Império do Caos chefiando uma equipe da “Operação Car Wash para entregar informações da Petrobrás que talvez levassem a uma acusação formal pelo Departamento de Estado.

A “Operação Car Wash” e o – imensamente corrupto – Congresso brasileiro, o mesmo que, agora, vai decidir sobre um possível impeachment da presidenta Rousseff, já se mostram absolutamente indistinguíveis, uma e outro.

Àquela altura, os autores do roteiro estavam certos de que já havia uma infraestrutura implantada para mudança de regime no Brasil na numa massa-crítica antigoverno, o que pode levar ao pleno desabrochar da revolução colorida. E assim se pavimentou a trilha para um golpesoft no Brasil – sem nem ser preciso recorrer ao letal terrorismo urbano (como na Ucrânia).

Problema hoje é que, se o tal golpe soft falhar – como agora já parece pelo menos possível que falhe –, será muito difícil desencadear golpe hard, de estilo Pinochet, com recursos de Guerra Não Convencional, contra o governo sitiado de Rousseff; vale dizer, completar o ciclo de uma Guerra Híbrida Total.

Num plano socioeconômico, a “Operação Car Wash” só seria plenamente “bem-sucedida” se levasse a um afrouxamento das leis brasileiras sobre exploração de petróleo, abertura do país ao Big Oil dos EUA. Paralelamente, todos os gastos em programas sociais teriam de ser esmagados.

Mas, diferente disso, o que se vê agora é a mobilização progressiva da sociedade civil no Brasil contra esse cenário de golpe branco/soft em cenário de golpe/mudança de regime.

Atores crucialmente importantes na sociedade brasileira estão agora firmemente posicionados contra oimpeachment da presidenta Rousseff, da Igreja Católica a grandes igrejas evangélicas; professores universitários respeitados; pelo menos 15 governadores de estados; artistas, massas de trabalhadores da ‘economia informal’, sindicalistas; intelectuais públicos; a grande maioria dos principais advogados do país; e afinal, mas não menos importante, o “Brasil profundo” que votou e elegeu Rousseff legalmente, com 54,5 milhões de votos.

Ainda não acabou e só acabará quando algum homem gordo na Suprema Corte do Brasil cantar. O que é certo é que já há pensadores brasileiros independentes que começam a construir as bases teóricas para estudar a “Operação Car Wash” não como mera ‘investigação’ ou ‘movimento’ massivo “contra a corrupção”; mas, isso sim, como legítimo caso exemplar, a ser estudado, de estratégia geopolítica do Excepcionalistão aplicada a ambiente globalizado sofisticado, com ativas redes sociais e dominado pelas TIs.

Todo o mundo em desenvolvimento muito tem a ganhar, se se mantiver com os olhos bem abertos – e aprender as lições que dali brotem, porque é bem possível que o Brasil venha a entrar para a história como caso exemplar de Guerra Híbrida (só) Soft. *****



[1] Ver também “Guerras Híbridas”: Abordagem adaptativa pós-tudo da ‘mudança de regime’, 4/3/2016, Andrew Korybko, Oriental Review, traduzido no Blog do Alok.

* Epígrafe acrescentada pelos tradutores.

[2] Esse telegrama intitulado “BRAZIL’S NEW DEFENSE STRATEGY – STRATEGY FOR DEVELOPMENT”, datado de 9/1/2009, classificado como “confidencial” e assinado pelo embaixador Clifford M. Sobel, é muito importante. Ali se lê, dentre outras coisas, que o então Ministro para Questões Estratégicas do governo Lula, Professor Roberto Mangabeira Unger é, dito em inglês, com detalhes, perfeito demônio perigosíssimo, com mania de “independência”. O principal perigo é o seguinte: “Ao conectar a reforma do setor de segurança, com a visão mais ampla de desenvolvimento do governo Lula, a Estratégia põe os militares, pela 1ª vez, desde o fim da ditadura militar em 1985, em lugar de destaque na agenda nacional e reivindica mais recursos para os ministérios militares [A agenda foi assinada e oficializada pelo presidente Lula dia 18/12/2008; o ‘curso’ do qual o juiz Moro participou no RJ, dado pela Embaixada dos EUA aconteceu dias 4-9/10/2009. Só coincidências, evidentemente (NTs)]

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