Por Nicolau de Souza
Bossa Nova: 60 anos
Desde 2008 venho neste “Espaço MPB” comentando e divulgando um dos movimentos históricos que marcaram nossa Música Popular Brasileira. De uma batida de violão diferente da época do samba canção e de melodias que falam de amor, beleza, do dia-a-dia do brasileiro, da natureza, da mulher brasileira, do romance e de tantas outras coisas desse imenso Brasil, hoje tão esquecido neste mundo conectado.
Há 60 anos ela surgia como uma nuvem desconhecida no violão de um baiano que estava chegando no Rio de Janeiro e revolucionaria toda a história de nossa MPB. Tudo começou durante uma gravação de um disco de 78 rotações, na época “um compacto duplo” (gravações de duas músicas de cada lado).
Quem conta esta história neste “Espaço MPB” é o jornalista, cronista e escritor natalense Woden Madruga, colega e amigo há mais de quatro décadas, em sua coluna diária no jornal Tribuna do Norte. Com sua autorização, transcrevo seu comentário “Chega de Saudade” na edição do dia 10 de julho de 2018 (terça-feira):
“Chega de Saudade
A Bossa Nova chega hoje, neste 10 de julho, aos 60 anos, sem envelhecer, mas anda sendo tocada e cantada pouco nos palcos brasileiros. Sou seu fã e, por uma deliciosa coincidência, passei o final da semana em Queimadas ouvindo João Gilberto em alguns cds, sem saber que era véspera das 60 primaveras do grande movimento cultural brasileiro. Sim, sou do tempo ainda dos cds, João cantando bossa nova e outros sambas, samba canção.
Aliás, dizem os mestres, que a bossa nova sucedeu ao samba canção com um tempero de jazz, essas bossas e tais. João Gilberto, um dos gênios da música brasileira, está fora de cena e longe dos refletores, com a saúde muito debilitada e atravessando “absoluta penúria financeira”, como li recentemente. Foi ele que marcou o início da bossa nova gravando “Chega de Saudade”, de Vinicius de Morais e Tom Jobim nos idos de 1958.
Vim saber desse aniversário, lendo, ontem, Ruy Castro, na Folha de S. Paulo: “Gravação de ‘Chega de Saudade’ foi um parto, mas elevou à eternidade som sem nome” e, a partir daí, conta essa história toda temperada com um pouco de futebol”:
– Onze dias antes, 29/6, o Brasil fora campeão do mundo pela primeira vez, na Copa da Suécia. Em condições normais, o baiano João Gilberto, 27, louco por futebol e torcedor do Vasco (o qual tinha três titulares na seleção: Vavá, Orlando e o capitão Bellini), ainda estaria saboreando aquela conquista. Mas era pouco provável que, ao subir ao quarto andar do edifício São Borja, no centro do Rio, naquele dia 10 de julho de 1958, João Gilberto pensasse em outra coisa que não fosse o disco que estava gravando. ”
Era nesse edifício São Borja que funcionava o estúdio da Odeon onde “Chega de Saudade” foi gravado. Ruy Castro conta mais:
– A gravação do 78 estava se constituindo numa batalha. O perfeccionismo do artista ameaçava enlouquecer os técnicos e o próprio Tom. Nada parecia satisfazê-lo. Mas Tom segurou a barra, em nome de algo que já suspeitava maior do que ele ou do que João Gilberto – um novo conceito, um novo ritmo, uma nova música. E só então, em alguma hora do dia, produziu-se a versão que João Gilberto consideraria perfeita, definitiva. Com “Chega de Saudade”, de um lado, e “Bim-Bom, do outro, aquela música, sem nome – só meses depois seria chamado de bossa nova – decolava para a eternidade. ”
Tem um norte-riograndense no restrito time dos percussores da bossa nova: o compositor Hianto de Almeida. Em seu livro “Chega de Saudade – A História e as Histórias da Bossa Nova” (Companhia das Letras, 1990), Ruy Castro, narrando os primeiros passos de João Gilberto, destaca:
– Para a sua grande estreia João Gilberto escolheu dois sambas-canção fresco do forno: “Quando ela sai”, de Alberto Jesus e Roberto Penteado, e “Meia Luz”, de Hianto de Almeida e João Luiz, – todos eles jovens compositores que circulavam na Murray”
Se o leitor quiser saber mais sobre Hianto de Almeida leia o “Dicionário da Música do Rio Grande do Norte”, de Leide Câmara. Ficará sabendo, também, que ele foi parceiro de Chico Anísio em inúmeras composições e também de Veríssimo de Melo (“Caju nasceu prá cachaça”).
Para festejar os 60 anos de “Chega de Saudade” nada melhor do que uma cachacinha acompanhada de caju, ouvindo João Gilberto. Claro. ”
Mas, com a licença do mestre Woden, eu não poderia de deixar de registar algo de um daqueles músicos que ainda hoje promovem e divulgam a Bossa Nova neste momento tão precioso, assim como o fiz nos 50 anos comemorados em 2008.
Daquela turma dos bossanovistas ele, ao lado de Carlinhos Lyra, João Donato e Marcos Vale, continuam produzindo, compondo, cantando e divulgando. Aos seus mais de oitenta anos e sessenta de carreira artística, o músico, compositor e produtor Roberto Menescal manda aqui o seu recado.