18.1 C
Brasília
sexta-feira, 29 março, 2024

Bolívia: quando a identidade é uma lei e um direito

Efe
Com a aprovação da Lei de Identidade de Gênero, a sociedade boliviana avança um passo a mais na política de ampliação de direitos iniciada dez anos atrás. Esta lei permite às pessoas transexuais e transgêneros exercer plenamente e sem restrições seu direito à identidade com dados de nome próprio, sexo e imagem com os quais se identificam.
Por Teresa Morales e Shirley Ampuero
A Lei foi aprovada em maio deste ano e garante todos os direitos políticos e civis aos transexuais e transgêneros

Uma grande virtude desta l ei é que simplifica a mudança de identidade de gênero, passando de um processo judicial que durava anos a um breve trâmite administrativo em que a pessoa trans é quem determina com autonomia sua nova identidade. A diferença para o processo anterior é que um juiz era responsável por aprovar ou rechaçar a mudança de identidade.

A Lei de Identidade de Gênero foi uma iniciativa do coletivo Transgênero, Lésbico, Gay e Bissexual (TLGB) boliviano. O projeto de Lei circulou em diversas entidades por mais de sete anos, tomou um novo impulso há cinco meses – quando fizeram novas modificações – sob a jurisdição da ministra de Justiça, Virginia Velasco, e foi apresentado à Assembleia Legislativa pelo presidente Evo Morales. Finalmente o projeto foi aprovado quase por unanimidade (tanto oficialistas quanto a oposição foram favoráveis) nas duas câmaras.

O Serviço de Registro Cívico (Serci), é encarregado de levar a cabo a mudança de identidade de gênero; os interessados devem apresentar uma nota de solicitação de mudança de nome próprio, sexo e imagem, além de um atestado psicológico (para comprovar que a pessoa está consciente de sua decisão) e outros documentos como certidão de nascimento, identificação pessoal, estado civil e antecedentes criminais.

No prazo de 15 dias o Serci deve emitir uma resolução e em mais 15 dias deve comunicar as instituições definidas pela lei sobre a mudança realizada. Uma vez que seja de conhecimento das instituições a resolução do Serci, em mais 15 dias são feitas as mudanças sobre a identidade de gênero.

Este direito à identidade de gênero é a porta de entrada para a cidadania plena e, portanto, é a chave para o acesso a todos os demais direitos constitucionais das pessoas. Até agora, transexuais e transgêneros, por não contar com um documento que os reconheça como são, não tinham acesso aos direitos básicos de saúde e educação. Além disso, não tinham direitos políticos, nem direitos civis e menos ainda direitos trabalhistas e sociais: eram praticamente obrigados a permanecer à sombra da ilegalidade e na prostituição com perigo permanente à sua integridade física, emocional e psíquica.

A aprovação desta lei de Identidade de Gênero é um marco dentro da orientação do governo de Evo Morales e da Assembleia Legislativa Plurinacional boliviana que representa o desmonte da condição colonial e patriarcal do Estado.

O Vice-ministério de Descolonização definiu a condição patriarcal da sociedade e do Estado como uma relação social que impõe o poder masculino sobre o resto da sociedade, submetendo mulheres, crianças e grupos minoritários diferentes em todas as dimensões de suas vidas sob a dominação masculina. O domínio masculino geral se impõe na sociedade com estereótipos como “o homem deve ser masculino e heterossexual e a mulher deve ser feminina e heterossexual”.

“Isto se denomina como visão binária de sexo e gênero, que permite fomentar uma concepção onde o sexo é definido pela genitália a fim de reprodução”[4] e não leva em conta a identidade de gênero nem a orientação sexual. Em contraposição ao poder masculino está a despatriarcalização que rechaça o exercício de poder e submissão; a imposição de papeis femininos e masculinos e aspira a igualdade e a harmonia.

Foi institucionalizado no Estado boliviano a Unidade de Despatriarcalização, dentro do vice-ministério de Descolonização do Ministério da Cultura, que tem como objetivo complementar processos de descolonização, visibilização e desconstrução das relações de domínio, que respondem à ordem patriarcal.

A promulgação da Lei Contra o Racismo e Todo Tipo de Discriminação, de 2010, também forma parte deste processo de despatriarcalização. Com esta lei foram estabelecidos procedimentos para a prevenção e sanção de atos de racismo e toda forma de discriminação; o aspecto de proteção desta lei rechaça a discriminação de sexo, orientação sexual e identidade de gênero das pessoas.

Setores religiosos da sociedade boliviana se pronunciaram contra esta lei. O vice-ministro de Descolonização, Félix Cárdenas, por sua vez, declarou que o coletivo TLGB é um setor importante na sociedade e merece reconhecimento. Disse ainda que a Bolívia é um Estado laico e que a igreja não entende as realidades contemporâneas.

O governo boliviano, com a aplicação desta política, se orienta na recuperação de valor ancestral de Chacha-Warmi, que é a complementação entre homem e mulher, entendidas sem os convencionais vínculos de poder e submissão, nem papéis de comportamento, reestabelecendo, por esta via, a equidade e a harmonia entre homens, mulheres e grupos minoritários, entre eles os transexuais, transgêneros, lésbicas, gays e bissexuais. É um exemplo claro de que olhar para a nossa história e nossas origens ajuda a cimentar um futuro melhor.

Fonte: Celag

 

ÚLTIMAS NOTÍCIAS