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quinta-feira, 18 abril, 2024

Bolívia: O assalto ao ouro branco

Mina de lítio no Salar Uyuni (foto CBERS4, CC BY-SA 2)

Edoardo Pacelli – Monitor Mercantil

A Bolívia, um dos países mais pobres da América Latina, está literalmente sentado sobre enorme fortuna. Terra rica em vastíssimas jazidas de ouro, prata, níquel, cobre, cádmio, urânio e, sobretudo, lítio, o novo “ouro branco”.

E a indústria automobilística elétrica deseja o lítio, vorazmente. Trata-se de um tesouro, porém, que também pode ser a condenação do país latino-americano, assim como o petróleo foi para a Venezuela. O cobiçado mineral, do qual a Bolívia detém o primeiro depósito no mundo, é a base das baterias verdes: antes, era usado para telefones celulares, agora, para movimentar carros ecológicos. Um negócio de bilhões de dólares que atrai de tudo: máfias, narcotraficantes, especuladores da CIA e de Wall Street.

Afinal, a Bolívia, antes mesmo de ser Bolívia, sempre foi saqueada. Inicialmente, começaram os conquistadores espanhóis do rei Carlos I, quando no reino havia apenas Castela, Leão e Aragão. Os navios de Francisco Pizarro, líder faminto pelo ouro indígena, partiam para o Panamá, vindos das colônias do Caribe, fundadas por Cristóvão Colombo, quase 40 anos antes. Do Panamá, Pizarro continuou a pé com uma expedição de sessenta homens, cruzando a Colômbia, o Equador, o Peru e parte da Amazônia. Em 1530, Pizarro chegou à atual Bolívia e lá encontrou tanta prata que, com ela, pavimentou as ruas de Madrid.

Hoje, o lítio é o ouro branco da Bolívia, é mais cobiçado do que petróleo e diamantes. A produção do lítio poderia quase superar a produção da folha de coca – o primeiro produto nacional – e fazer com que os camponeses, que, há séculos, estão vinculados ao seu cultivo, e são apoiados, nisso, pelo ex-presidente Evo Morales, se direcionem à atividade de mineração do precioso metal.

O político indígena, perseguido por fraudes eleitorais no golpe de 2019, foi o primeiro defensor dos campos de coca, ao mesmo tempo que fazia com que o povo acreditasse que a ONU e os Estados Unidos queriam obrigá-lo a converter o cultivo da coca ao cultivo do milho.

Agora, Morales, tendo voltado a La Paz, depois de um ano de exílio, protegido na Argentina, quer que o Estado Plurinacional da Bolívia se transforme numa Eldorado do lítio e, automaticamente, das baterias para a indústria automotiva.

A recente descoberta de que, logo abaixo do Salar de Uyuni, o maior deserto salgado do mundo, haveria entre 50% e 70% dos recursos mundiais de lítio deu início à corrida para a Bolívia. Cavando alguns centímetros no solo duro e milenar de sal, que se estende por 10 mil quilômetros quadrados, emergem fragmentos de um mineral brilhante e prateado: o lítio. Sinal de que o subsolo está rico dele.

Joguem fora as velhas, pesadas e tóxicas baterias de níquel-cádmio, pois, agora, a economia verde se apaixonou pelo lítio. Seu preço nunca parou de subir: há 20 anos, uma tonelada valia US$ 350; hoje, depois do boom dos smartphones e dos primeiros carros elétricos, os vendedores estão pedindo mais de US$ 10 mil. E o valor aumenta, enquanto no subsolo da Bolívia deve haver pelo menos 120 milhões de toneladas.

Evo Morales construiu uma fábrica de US$ 6 milhões para a extração de carbonato de lítio, em 2008. Desde então, extraiu cerca de 50 toneladas de material por ano. Muito pouco para satisfazer o apetite voraz das montadoras que se abastecem, principalmente, da China, que tem menos lavouras, mas fábricas mais específicas, produzindo mais rápido e fixando o preço do lítio nas bolsas mundiais.

A Bolívia é uma terra explorada desvergonhadamente pelos colonialistas, tão odiados por Morales. Foi saqueada de pessoas, recursos naturais e, acima de tudo, metais preciosos. Agora, os novos bárbaros são as multinacionais americanas e australianas, líderes da extração de lítio, com as quais, como ensina o caudilho vermelho, Hugo Chávez, nunca devemos negociar, mas nacionalizar, sem piedade.

Felizmente, porém, Morales não está mais no comando, embora pareça ser a eminência cinzenta da política boliviana. No entanto, ninguém no governo de La Paz quer que toda essa imensa riqueza seja desperdiçada por uma ideologia corrupta, que produz pobres, como tem acontecido, por décadas, com o petróleo venezuelano, usado como moeda de troca, com prejuízo, para comprar todos os bens primários no exterior, pois não há indústria de refino adequada, isenta de suborno.

Em um tuíte famoso, Elon Musk, presidente da Tesla, também quer colocar as mãos no lítio. Morales chegou a acusá-lo de estar com os americanos por trás do golpe de 2019, apelidado de golpe de lítio, que o tirou da presidência, abrindo espaço para novas eleições.

Morales, após o exílio argentino na casa de Cristina Kirchner (a Argentina é o segundo país sul-americano com maiores depósitos de lítio), voltou a La Paz, no final de novembro, e se encontrou com o presidente Luis Arce, seu ex-ministro da Economia por 13 anos. Arce, no final de 2020, apresentou um plano de exploração do ouro branco, que prevê, para 2030, 41 novas unidades de extração nos departamentos de Potosi e Oruro. Morales queria construir apenas oito usinas com a empresa chinesa Xinjiang Tbea Group-Baocheng, talvez para reduzir o desastroso impacto ambiental em Salar de Uyuni, um paraíso naturalista.

O futuro dos bolivianos, que querem uma fatia da riqueza do lítio, está agora nas mãos de dois homens: Evo Morales e Luis Arce.

*Edoardo Pacelli é jornalista, ex-diretor de pesquisa do CNR (Itália) e editor da revista Italiamiga.

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