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domingo, 6 outubro, 2024

Assassinato de Soleimani: o que pode acontecer a seguir?

por The Saker

General Soleimani.Primeiro, um rápido resumo da situação

Precisamos começar por resumir rapidamente o que acaba de acontecer:

  1. O general Soleimani estava em Bagdad numa visita oficial para acompanhar o funeral dos iraquianos assassinados pelos EUA no dia 29
  2. Os EUA agora assumiram oficialmente a responsabilidade por este assassinato
  3. O Supremo Líder iraniano, aiatola Ali Khamenei declarou oficialmente que “Contudo, uma severa retaliação aguarda os criminosos que pintaram as suas mãos corruptas com o sangue dele e dos seus companheiros martirizados ontem à noite”

Os EUA colocam-se a si próprios – e ao Irã – em apuros

Os iranianos simplesmente não tiveram outra escolha senão declarar que haverá uma retaliação. Existem alguns problemas básicos com o que acontece a seguir. Vamos examiná-los um por um:

  1. Primeiro, é bastante óbvio a partir dos disparates da agitação de bandeiras nos EUA que o Tio Shmuel [1] está “bloqueado e embriagado” por ações e reações ainda mais machas. De fato, o secretário Esper basicamente descreveu os EUA no que eu chamaria de uma “super-reação de encurralamento” ao declarar que “o jogo mudou” e que os EUA tomarão “ação antecipativa” sempre que se sintam ameaçados. Portanto, os iranianos têm de assumir que os EUA super-reagirão a qualquer coisas que mesmo remotamente se pareça a uma retaliação iraniana.
  2. Não menos alarmante é que isto cria as condições absolutamente perfeitas para uma falsa bandeira como o ” USS Liberty “. Exatamente agora, os israelenses tornaram-se pelo menos um grande perigo para os soldados e instalações dos EUA por todo o Médio Oriente, tal como os próprios iranianos. Como? Simples! Disparam um míssil/torpedo/mina a qualquer navio da US Navy e culpam o Irã. Todos nós sabemos que se isto acontecer as elites políticas dos EUA farão o que fizeram da última vez que isto aconteceu: deixam soldados dos EUA morrerem e protegem Israel a todo custo (leia sobre o USS Liberty se não sabe acerca disto).
  3. Também há um risco muito real de “retaliações espontâneas” de outras partes (não o Irã ou seus aliados). De fato, na sua mensagem o aiatola Ali Khamenei declarou especificamente que “o martir Suleimani é uma face internacional para a Resistência e todos os amantes da Resistência partilham um anseio de retaliação pelo seu sangue . Todos os amigos – bem como todos os inimigos – agora devem saber que o caminho do Combate e Resistência continuará com duplicação da vontade e que a vitória final está decididamente a aguardar quem combate neste caminho”. Ele está certo, Soleimani era amado e reverenciado por muitas pessoas em todo o globo, algumas das quais podem decidir vingar a sua morte. Isto significa que podemos muito bem ver alguma espécie de retaliação a qual, naturalmente, será atribuída ao Irã mas que pode não ser o resultado de quaisquer ações iranianas.
  4. Finalmente, se os iranianos decidissem não retaliar, então podemos estar absolutamente certos de que o Tio Shmuel verá isto como uma prova da sua putativa “invencibilidade” e considerará que é uma licença para empenhar-se em ações ainda mais provocatórias.

Se examinarmos estes quatro fatores em conjunto teremos de chegar à conclusão de que o Irã TEM de retaliar e TEM de fazê-lo publicamente.

Por que?

Porque quer os iranianos retaliem ou não, é quase garantido que sofrerão outro ataque dos EUA em retaliação a qualquer coisa que se pareça a uma retaliação, esteja o Irã envolvido ou não.

A dinâmica interna da política estado-unidense

Vamos a seguir examinar a dinâmica da política interna dos EUA:

Sempre afirmei que para os Neocons Donald Trump é um “presidente descartável”. O que quero dizer com isso? Quero dizer que os Neocons utilizaram Trump para toda espécie de coisas fantasticamente estúpidas (quase TODAS as suas decisões políticas em relação a Israel e/ou Síria) por uma razão muito simples. Se Trump fizer algo extremamente estúpido e perigoso, ou ele se safará disso, caso em que os Neocons ficarão felizes, ou fracassará ou as consequências de suas decisões serão catastróficas, até ao ponto de os Neocons o jogarem fora e substituirem-no por um indivíduo ainda mais subserviente (digamos, Pence ou Pelosi). Por outras palavras, para os Neocons ter Trump a fazer algo ao mesmo tempo incrivelmente perigoso e fantatiscamente estúpido é uma situação em que sempre saem a ganhar!

Exatamente agora, os democratas (ainda o partido favorito dos Neocons) parecem estar decidido a cometer suicídio político com aquela ridícula (e traidora) insensatez do impeachment. Agora pense nisto do ponto de vista Neocon. Eles podem ser capazes de obter que os gentios (goyim, não judeus) dos EUA ataquem o Irã E livrarem-se de Trump. Suponho que o seu pensamento será algo como isto:

Trump parece pronto para vencer em 2020. Nós não queremos isso. No entanto, estamos fazendo tudo ao nosso alcance para desencadear um ataque dos EUA ao Irã desde praticamente 1979. Vamos fazer com que Trump faça isso. Se ele “vencer” (seja qual for a definição – mais acerca disso abaixo), nós vencemos. Se ele perder, os iranianos ainda estarão num mundo de sofrimento e sempre podemos descartá-lo como uma camisinha usado (usada para supostamente prejudicar alguém com segurança sem riscos para si mesmo). Além disso, se a região explodir, isso ajudará nosso amado Bibi e unirá os judeus dos EUA atrás de Israel. Finalmente, se Israel for atacado, imediatamente exigiremos (e, é claro, obteremos) um ataque maciço dos EUA ao Irã, apoiado por todo o establishment político e a mídia dos EUA. E, finalmente, se Israel for atingido duramente, sempre podemos usar nossas ogivas nucleares e dizer aos gentios (goyim) que “o Irã quer gasear 6 milhões de judeus e varrer a única democracia no Médio Oriente da face da terra” ou alguma coisa igualmente insípida.

Desde que Trump chegou à Casa Branca, nós o vimos bajular o lobby de Israel com um deleite extremo, mesmo para os padrões dos EUA. Suponho que o seu cálculo seja algo como “com o lobby de Israel atrás de mim, estou seguro na Casa Branca”. Ele é obviamente demasiado estúpido e narcisista para perceber que tem sido usado o tempo todo. Para seu crédito (ou de um de seus principais conselheiros), ele NÃO permitiu que os Neocons iniciassem uma grande guerra contra a Rússia, China, RPDC, Venezuela, Iémen, Síria etc. No entanto, o Irã é um caso totalmente diferente, pois é o “número um” dos objetivos neocons e Israel queria atacá-lo e destruí-lo. Os Neocons até tinham este lema : “meninos vão para Bagdad, homens de verdade vão para Teerã”. Agora que o tio Shmuel perdeu todas estas guerras seletas, agora que as forças armadas dos EUA já não têm mais credibilidade, agora é a hora de restaurar a auto-imagem “macho” do tio Shmuel e, de fato, “ir para Teerã” por assim dizer.

Os democratas (Biden) já estão a dizer que Trump simplesmente “lançou uma banana de dinamite para dentro de um paiol”, como se eles se importassem com qualquer coisa além dos seus próprios, pequenos, objetivos políticos e de poder. Ainda assim, tenho de admitir que a metáfora de Biden é correta – pois é exatamente o que Trump (e seus patrões reais) fizeram.

Se assumirmos que estou correto na minha avaliação de que Trump é o “presidente descartável” dos neocon/israelenses, então temos de aceitar o fato de que as forças armadas dos neocon/israelenses também são “descartáveis”. Isto na verdade é muito má notícia, pois significa que do ponto de vista neocon/israelense não há riscos reais em lançar os EUA numa guerra com o Irã.

Na verdade, a posição dos democratas é uma obra prima de hipocrisia, que pode ser resumida como se segue: o assassinato de Suleimani é um evento maravilhoso, mas Trump é um monstro por ter feito com que isto acontecesse.

Qual seria o resultado provável de uma guerra dos EUA ao Irã?

Tenho escrito tão frequentemente acerca deste tópico que não vou entrar aqui em todos os possíveis cenário. Tudo o que direi é o seguinte:

Para os EUA, “vencer” significa alcançar mudança de regime ou, na falta disso, destruir a economia iraniana.

Para o Irã, “vencer” significa simplesmente sobreviver à carnificina dos EUA.

Isto é uma ENORME assimetria que basicamente significa que os EUA não podem vencer e o Irã só pode vencer.

E, não, os iranianos não têm de derrotar o CENTCOM/OTAN! Eles não precisam empenhar-se em grandes operações militares. Tudo o que eles precisam fazer é: permanecer “de pé” uma vez assentada a poeira.

Ho Chi Minh certa vez disse a um francês: “Você pode matar dez dos meus homens para cada que eu mate dos seus, mas mesmo com esta vantagem você perderá e eu vencerei”. Isto é exatamente porque o Irã finalmente prevalecerá, talvez a um enorme custo (Amaleque [2] deve ser destruído, não é), mas ainda assim será uma vitória

Agora vamos examinar os dois tipos de cenários de guerra mais básicos: fora do Irã e dentro do Irã.

Os iranianos, incluindo o próprio general Soleimani, declararam publicamente muitas vezes que ao tentar cercar o Irã e o Oriente Médio  com numerosas forças de instalações os EUA deram ao Irã uma longa lista de alvos proveitosos. O campo de batalha mais óbvio para uma guerra por procuração (proxy war) é claramente o Iraque onde há uma grande quantidade de forças pró e anti iranianas que dão condições para um conflito longo, sangrento e arrastado (Moqtada al-Sadr acaba de declarar que o Exército Mahdi será remobiizado). Mas o Iraque está longe de ser o único lugar onde pode se verificar uma explosão de violência: a TOTALIDADE DO ORIENTE MÉDIO está bem dentro do “alcance” iraniano, seja por ataque direto ou através de ataque por forças simpáticas/aliadas. A seguir ao Iraque há também o Afeganistão e, potencialmente, o Paquistão. Em termos de escolha de instrumentos, as opções iranianas vão desde ataques de mísseis, até a ação direta de forças especiais, à sabotagem e muitas outras mais. A única limitação aqui é a imaginação dos iranianos e, acreditem-me, eles têm muita!

Se uma tal retaliação acontecer, os EUA terão duas opções básicas: atacar amigos e aliados do Irã fora do Irã ou, como Esper agora sugeriu, atacar o interior do Irã. Neste último caso, podemos seguramente assumir que qualquer de tais ataques resultará numa retaliação iraniana maciça às forças e instalações dos EUA por toda a região e num encerramento do Estreito de Ormuz.

Manter em mente que o slogan neocon “meninos vão para Bagdad, homens de verdade vão para Teerã”, implicitamente reconhece o fato de que uma guerra contra o Irã seria qualitativamente (e mesmo quantitativamente) uma guerra diferente do que uma guerra contra o Iraque. E, isto é verdade, se os EUA planeiam seriamente atacar dentro do Irã eles seriam confrontados com uma explosão que faria todas as guerras desde a II Guerra Mundial parecerem comparativamente menores. Mas a tentação de provar ao mundo que Trump e seus apaniguados são “homens de verdade”, em oposição a “meninos”, pode ser demasiado forte, especialmente para um presidente que não entende que é uma ferramenta descartável nas mãos dos Neocons.

Agora, vamos examinar rapidamente o que NÃO acontecerá

A Rússia e/ou a China não ficarão envolvidas militarmente. Nem tão pouco os EUA utilizarão esta crise como um pretexto para atacar a Rússia e/ou a China. O Pentágono claramente não tem estômago para uma guerra (convencional ou nuclear) contra a Rússia e nem a Rússia tem qualquer desejo de uma guerra contra os EUA. O mesmo se passa com a China. Contudo, é importante recordar que a Rússia e a China têm outras opções, políticas e encobertas, para realmente ferirem os EUA e ajudarem o Irã. Há o Conselho de Segurança da ONU onde a Rússia e a China bloquearão qualquer resolução condenando o Irã. Sim, eu sei, o Tio Shmuel pouco se importa com a ONU ou o direito internacional, mas a maior parte do resto do mundo importa-se muito. Esta assimetria é mais uma vez exacerbada pelo tempo de atenção do Tio Shmuel (semanas no máximo) com a Rússia e a China (décadas). Isso importa?

Absolutamente.

Se os iraquianos declararem oficialmente que os EUA são uma força de ocupação (o que é verdade), uma força de ocupação que se empenha em atos de guerra contra o Iraque (o que é verdade) e que o povo iraquiano quer que o Tio Shmuel e seu discurso hipócrita acerca de “democracia” sejam empacotados e desapareçam, o que pode fazer o nosso Tio Shmuel? Ele tentará resistir, naturalmente, mas uma vez desaparecida a minúscula folha de figueira da “construção da nação”, substituída por ainda outra ocupação feia e brutal dos EUA, a pressão política sobre os EUA para que dêem o fora será extremamente difícil de administrar, tanto dentro como fora dos EUA.

De fato, a televisão do estado iraniano classificou a ordem de Trump para matar Soleimani como “o maior erro de cálculo dos EUA” desde a II Guerra Mundial. “O povo da região não permitirá mais a permanência dos americanos”, disse.

A seguir, tanto a Rússia como a China podem ajudar o Irã militarmente com inteligência, sistemas de armas, conselheiros e economicamente, de modos aberto e encoberto.

Finalmente, tanto a Rússia como a China têm os meios para, diremos, “sugerir fortemente” outros alvos estado-unidenses na “lista de países a atingir” pois agora será o momento perfeito para atacar os interesses dos EUA (por exemplo, no Extremo Oriente).

Assim, a Rússia e a China poderão e ajudarão, mas farão isto do modo que a CIA gosta de chamar “negabilidade plausível”.

Retorno à Grande Questão: o que pode/fará o Irã a seguir?

Os iranianos são jogadores muito mais refinados do que a maior parte dos americanos despistados. Assim, a primeira coisa que eu sugeriria é ser improvável que os iranianos façam algo que os EUA esperem que façam. Ou farão alguma coisa totalmente diferente, ou atuarão muito mais tarde, uma vez que os EUA tenham baixado sua guarda (como sempre acontece depois de declararem “vitória”).

Perguntei a um amigo bem informado se ainda era possível evitar a guerra. Aqui está o que ele respondeu:

“Sim, acredito que uma guerra em plena escala possa ser evitada. Acredito que o Irã pode tentar usar a sua influência política para unir forças política iraquianas para pedirem oficialmente a remoção de tropas estado-unidenses do Iraque. Chutar os EUA para fora do Iraque significará que eles não poderão mais ocupar o leste da Síria uma vez que as suas tropas ficarão em perigo entre dois estados hostis. Se os americanos abandonarem a Síria e o Iraque isso constituirá a vingança final para o Irã sem ter disparado um único tiro”.

Tenho de dizer que concordo com esta ideia: uma das coisas mais penosas que o Irã poderia fazer a seguir seria utilizar este evento fantasticamente temerário para chutar os EUA para fora do Iraque em primeiro lugar e da Síria a seguir. Tal opção, se puder ser exercida, pode também proteger vidas iranianas e a sociedade iraniana de um ataque direto dos EUA. Finalmente, uma tal resultante daria ao assassínio do general Soleimani um significado muito diferente e belo: o sangue deste mártir libertou o Oriente Médio!

Finalmente, se esta for realmente a estratégia escolhida pelo Irã, isto não significa que ao nível táctico os iranianos não extraiam um preço das forças dos EUA na região ou mesmo algures no planeta. Exemplo: há alguns rumores de que a destruição do PanAm 103 sobre a Escócia não foi uma ação líbia, mas sim iraniana em retaliação direta pelo derrube deliberado pela US Navy do Airbus IranAir 655 sobre o Golfo Pérsico. Não estou a dizer que sei isto como um fato realmente acontecido, digo apenas que o Irã tem opções retaliatórias não limitadas ao Oriente Médio.

Conclusão: aguardemos o próximo movimento do Irã

Está previsto que o Parlamento iraquiano debata uma resolução pedindo a retirada das forças estado-unidenses do Iraque. Apenas digo que apesar de não acreditar que os EUA cavalheirescamente concordem com tais pedidos, isto colocará o conflito no âmago político. Isto é – por definição – muito mais desejável do que qualquer forma de violência, por mais justificada que ela possa parecer. Assim, sugiro fortemente àqueles que querem a paz que rezem para que os deputados iraquianos mostrem alguma honra e espinha dorsal e digam ao Tio Shmuel o que todo país sempre quis dos EUA: Yankees, go home!

Se isto acontecer será uma vitória total para o Irã e mais uma derrota abjeta (auto-derrota, realmente) do Tio Shmuel. Este é o melhor de todos os cenários possíveis.

Mas se isto não acontecer, então todas as apostas serão canceladas e o impulso desencadeado por este último ato de terrorismo dos EUA resultará em muito mais mortes.

Neste exato momento (19:24 UTC), ainda penso que há aproximadamente 80% de probabilidade de uma guerra em grande escala no Oriente Médio e, mais uma vez, deixarei 20% para “acontecimentos inesperados” (espero que sejam bons).

PS: este é um texto escrito sob grande pressão de tempo e não foi editado para eliminar gralhas ou outros erros. Peço aos auto-nomeados Gestapo da gramática para tomarem um descanso e não protestarem outra vez. Obrigado.

[1] Shmuel: Samuel, em hebraico.

[2] Amaleque: Filho de Elifaz e neto de Esaú (Bíblia); antiga tribo nómada descendente de Amaleque que habitava as terras de Canaã em tempos bíblicos.

Ver também:

35 ‘vital US & Israeli targets’ within Iran’s reach for potential REVENGE for General Soleimani’s death – senior IRGC commander

Irán recuerda papel de Soleimani en salvar vidas de estadounidenses

Os EUA dão o pontapé inicial nos loucos anos 20 declarando guerra ao Irã

O original encontra-se em thesaker.is/soleimani-murder-what-could-happen-next/

Este artigo encontra-se em https://resistir.info/ .

05/Jan/20

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