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terça-feira, 8 outubro, 2024

As mentiras que sustentam o corte do ICMS sobre os combustíveis

O ministro da Economia, Paulo Guedes, durante entrevista coletiva. Crédito: Agência Brasil
Por Rodrigo Spada/Le Monde Diplomatique

Os estados estão investindo o mínimo necessário para tapar buracos das estradas, estão com gastos deprimidos por uma alta inflação e terão de enfrentar nos próximos anos uma queda de arrecadação da ordem de 0,85% do PIB em decorrência da redução de alíquotas, sem falar na gradual perda dos ganhos que obtiveram em 2021.

A verdade não serve como argumento para defender uma ação tão perniciosa como a implementada pela Lei Complementar 194, que reduziu de modo permanente as alíquotas de ICMS incidentes sobre combustíveis, energia e telecomunicações. Por isso, o governo federal tem recorrido a mentiras para sustentar a proposta. Primeiro, no plano político, ao transformar o ICMS no grande vilão do aumento do preço dos combustíveis. Depois, no plano técnico, ao encomendar da área econômica “estudos” para justificar o injustificável.
Em recente nota técnica conjunta, a Assessoria Especial do Ministério da Economia e a Secretaria de Política Econômica dizem ser desnecessário compensar os estados e municípios pela perda de receita, estimada em R$ 87 bilhões pelo Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados e do Distrito Federal (Comsefaz), porque a arrecadação de ICMS teria crescido muito e os governos subnacionais estariam desfrutando de uma grande folga de caixa.
O diagnóstico sobre a situação fiscal dos estados apresenta falhas e lacunas. O primeiro e mais grosseiro erro cometido pela equipe do ministro Paulo Guedes foi ter somado as receitas de estados e municípios para mostrar que as mesmas teriam chegado a 23,3% do PIB em 2021, esquecendo de expurgar do cálculo os valores transferidos de uns governos para outros, como as cotas de 25% do ICMS e 50% do IPVA, que os estados entregam aos municípios.
O erro de dupla contagem inflou a receita dos estados e municípios em nada menos do que R$ 212 bilhões (ou 2,5% do PIB), como indicam os próprios dados do Tesouro Nacional que serviram de base para o estudo da SPE.
Outro grave problema da nota técnica é fazer uso de um indicador de “folga de caixa” apurado com base em dados orçamentários e omitir que o suposto superávit de R$ 204 bilhões de 2021 contrasta muito com os R$ 62 bilhões divulgados pelo Banco Central em seu Boletim de Estatísticas Fiscais, uma publicação que existe há várias décadas e se baseia em dados obtidos diretamente das contas bancárias de cada um dos estados e municípios brasileiros.
O terceiro e, em certo sentido, mais grave erro da nota técnica do governo federal é não fazer uma análise do comportamento das receitas de estados e municípios, em particular do ICMS, para verificar se o aumento de arrecadação de 2021 tem caráter estrutural, ou se é um fenômeno passageiro. Se tivesse feito essa análise, o governo saberia que  esse aumento de receita se deve fundamentalmente a fatores cíclicos ou extraordinários – no caso, a alta do preço do petróleo acima da média histórica e a inflação de bens comercializáveis.
Por fim, a nota produzida pelo Ministério da Economia também distorce a análise sobre a melhoria dos indicadores fiscais dos estados ao omitir dois fatos: 1) que grande parte da redução recente de despesa foi obtida por uma combinação entre teto de gastos e alta inflação, que tende a ser pelo menos parcialmente revertida quando parte dessa inflação for repassada para salários; 2) que o investimento público em geral, e nos estados em particular, está em um dos menores níveis da história e duas vezes abaixo do registrado em 2010.
Ou seja, os estados estão investindo o mínimo necessário para tapar buracos das estradas, estão com gastos deprimidos por uma alta inflação e terão de enfrentar nos próximos anos uma queda de arrecadação da ordem de 0,85% do PIB em decorrência da redução de alíquotas, sem falar na gradual perda dos ganhos que obtiveram em 2021. Com mentiras, distorções e omissões para justificar suas estratégias eleitoreiras, o governo pavimenta um futuro sombrio para os estados e municípios.
Rodrigo Spada é Auditor Fiscal da Receita Estadual de São Paulo e presidente da Associação Nacional das Associações de Fiscais de Tributos Estaduais. É formado em Engenharia de Produção pela Ufscar, em Direito pela Unesp, com MBA em Gestão Empresarial pela FIA.

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