26.5 C
Brasília
quinta-feira, 28 março, 2024

Argentina tem 4 ‘novos cenários internacionais’ para lidar com questão das Malvinas, diz analista

ANÁLISE

O governo de Alberto Fernández, no aniversário da criação do comando político argentino das Ilhas Malvinas, diz que “não há mais espaço para o colonialismo no século XXI”.

A Argentina aproveitou o 191º aniversário do estabelecimento do Comando Político e Militar das Ilhas Malvinas e ilhas adjacentes ao cabo Horn por Buenos Aires para reivindicar a sua soberania sobre as ilhas Malvinas e áreas marítimas adjacentes, ocupadas pelo Reino Unido desde a Guerra das Malvinas em 1982.
“A recuperação do pleno exercício de nossa soberania sobre os territórios insulares e áreas marítimas ocupadas, respeitando o modo de vida de seus habitantes […] constitui um objetivo permanente e irrenunciável de todos os argentinos”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores em comunicado publicado na quarta-feira (10).
Considerando que a Constituição argentina reconhece os direitos soberanos do país no Atlântico Sul, o governo de Alberto Fernández afirmou que “está comprometido com a concepção e implementação de políticas de Estado para alcançar este objetivo permanente e irrenunciável”.
“Essas ações devem ser orientadas para o médio e longo prazo, para que possam durar além das mudanças de governo e melhor servir aos interesses permanentes do país, no marco da pluralidade e riqueza que caracteriza nossa democracia”, disse o órgão.
Durante seu discurso inaugural na Assembleia Legislativa, em dezembro de 2019, o presidente Alberto Fernández sublinhou que “não há mais espaço para o colonialismo no século XXI”.
O Executivo do país está, portanto, buscando o apoio da comunidade internacional na questão das ilhas Malvinas.
“As atividades ilegítimas de exploração e aproveitamento dos recursos naturais e a desproporcional e injustificada presença militar britânica no Atlântico Sul são ações contrárias à resolução 31/49 da Assembleia Geral das Nações Unidas”, afirmou o ministério encabeçado por Felipe Solá.
Essa resolução exorta as partes a se absterem de introduzir modificações unilaterais na situação enquanto a disputa quanto à soberania permanecer pendente.
“As ações destinadas a afirmar os direitos da Argentina sobre os arquipélagos do Atlântico Sul e áreas marítimas circunvizinhas são baseadas na sincera e profunda convicção de que devem ser realizadas de forma pacífica, evitando a militarização do Atlântico Sul, e guiadas por valores humanitários universais”, resumiu o ministério.
A vontade de retomar as negociações bilaterais é expressa não apenas por dez resoluções da Assembleia Geral e 37 resoluções do Comitê Especial de Descolonização das Nações Unidas, mas também por numerosas declarações de fóruns multilaterais.
Estes incluem a Organização dos Estados Americanos (OEA), o Grupo dos 77 e a China, Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), o Mercosul e seu Parlamento, a Cúpula América do Sul-África (ASA) e a Cúpula Árabe-Sul-Americana (ASPA).
A Argentina reivindica a soberania sobre as Malvinas desde que foram ocupadas pelo Reino Unido em 1833.
Uma luta sem fim
Em 10 de junho de 1829, um decreto de Buenos Aires criou o Comando Político e Militar das Ilhas Malvinas, com jurisdição sobre as ilhas adjacentes até ao cabo Horn.
El Monumento a los Caídos en las Islas Malvinas, Ushuaia, Argentina
© AFP 2020 / JUAN MABROMATA
O monumento das Ilhas Malvinas em Ushuaia, na Argentina
O especialista Agustín Romero referiu à Sputnik Mundo que o governo de Mauricio Macri (2015-2019) teve altos e baixos na gestão desta questão, alertando que a reivindicação pode perder força se a Argentina “não fizer pressão”.
“Na Argentina todas as questões de política externa são relevantes, mas a questão das Malvinas se destaca”, disse o especialista argentino em relações internacionais, e doutorado em Ciência Política, Agustín Romero, à Sputnik Mundo. A centralidade da reivindicação de soberania sobre as ilhas Malvinas nas últimas décadas é uma das conclusões de seu livro “A Questão das Malvinas: Um Roteiro”.
O livro foi lançado em 10 de junho por ocasião do Dia da Afirmação dos Direitos Argentinos sobre as Ilhas Malvinas, data que comemora a nomeação de Luis Vernet como o primeiro comandante político-militar das Malvinas, em 1829.
Embora esta seja uma questão muito presente entre os argentinos, a obra de Romero tem a particularidade de fazer parte de uma tese de doutorado cuja metodologia, como o autor apontou, fornece “conclusões científicas” sobre o que aconteceu com a reivindicação de soberania no período entre o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), que se seguiu à Guerra das Malvinas, e a atual presidência de Alberto Fernández, que teve início em 2019.
De fato, uma das primeiras conclusões da pesquisa de Romero é que, apesar de suas diferenças políticas, todos os governos argentinos desde o retorno da democracia têm mantido a questão das Malvinas como um elemento central de sua política externa.
Romero explicou que cada governo argentino manteve a reivindicação em “dois canais paralelos: o diplomático, a nível das organizações multilaterais, e o das relações bilaterais com o Reino Unido”.
Em relação ao primeiro, o especialista destacou que “ao longo dos anos temos visto uma posição única e firme da Argentina no Comitê de Descolonização das Nações Unidas, onde todos os anos a Argentina propõe exatamente a mesma coisa”.
A semelhança das posições argentinas pode ser ilustrada pelo fato de que “se eu ocultar o nome do ministro das Relações Exteriores que está falando, seria muito difícil determinar quem o disse”.
O segundo canal tem mostrado mudanças entre os diferentes governos, que escolheram posições diferentes em seu relacionamento com o Reino Unido. O governo Macri, por exemplo, mudou sua posição em relação à de seus antecessores Kirchner e Cristina Fernández.
“Com os governos de Néstor e Cristina Kirchner ficou claro que a Argentina estava suscitando a discussão sobre a soberania em todas as ocasiões e em todos os lugares. Por outro lado, com o governo Macri, sempre que havia uma reunião bilateral entre a Argentina e o Reino Unido, o assunto não estava na agenda”, disse ele.
A presidência de Alberto Fernández marcaria uma nova mudança nesse sentido, com um estilo mais próximo ao de Kirchner e Fernández, afirmou.
Que acontece se a Argentina não pressionar?
Romero disse que o governo de Mauricio Macri não deixou de reivindicar a soberania sobre as ilhas do Atlântico Sul no Comitê de Descolonização e na Assembleia Geral das Nações Unidas.
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, fala da sede do governo em Buenos Aires, Argentina, 27 de setembro de 2018.
© AP PHOTO / NATACHA PISARENKO
O presidente da Argentina, Mauricio Macri, fala da sede do governo em Buenos Aires
No entanto, teve uma estratégia menos agressiva em outras áreas bilaterais, ao contrário dos governos da família Kirschner.
“A Argentina ia a uma reunião sobre energias renováveis e encontrava o ângulo certo para levantar a disputa pela soberania. O mesmo aconteceu com um encontro entre presidentes sul-americanos e africanos”, referiu o especialista. Este tipo de proposta em organizações fora das Nações Unidas não teve continuidade por parte do governo Macri.
Na opinião de Romero, reduzir a ênfase da demanda tem suas consequências, pois “se a Argentina não o fizer e se ela não pressionar, ninguém vai fazê-lo por conta própria”. Nesse sentido, ele disse que “ao tirar o pé do acelerador, o governo Macri permitiu acima de tudo que o Reino Unido avançasse em algumas questões”.
O especialista deu como exemplo o que aconteceu com a posição do Uruguai, vizinho da Argentina e cujo principal porto, a capital Montevideo, fica a menos de 2.000 quilômetros das ilhas.
“O Uruguai era bastante controlado, muito comedido, muito próximo [à reivindicação argentina], mas como o governo Macri baixou um pouco a guarda, [o Uruguai] aproveitou e fez mais negócios, se apresentando como o porto mais próximo para retirar mercadorias”.
Futuro da questão
Pensar em uma futura resolução da questão das Malvinas não é fácil, mas o apoio científico das pesquisas de Romero indica que o país manterá a centralidade da reivindicação, apesar de possíveis mudanças de sinais políticos.
Em todo caso, o analista garantiu que o momento atual mostra a abertura de quatro novos cenários internacionais onde “a Argentina vai ter que estar muito atenta” para poder levantar a questão das Malvinas.
Segundo detalhado em uma coluna publicada no jornal Clarín, se trata das negociações para o acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, o processo de saída do Reino Unido da União Europeia, um eventual Acordo de Livre Comércio entre o Reino Unido e os EUA, e uma área de livre comércio entre o Mercosul e o Reino Unido.
Segundo Romero, a Argentina deve ser proativa em garantir que esses acordos não façam avançar a ocupação britânica das ilhas, e que sirvam para fortalecer a posição argentina, por exemplo, na Europa.
A Espanha, por causa de sua disputa com o Reino Unido sobre Gibraltar, e a Irlanda, por ter sempre apoiado a Argentina em sua reivindicação quanto às Malvinas, poderiam ser “parceiros naturais” neste processo, mencionou ele no artigo.

Sputnik

ÚLTIMAS NOTÍCIAS