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quarta-feira, 17 abril, 2024

Argentina: a campanha eleitoral suja e violenta de Macri induzindo o ódio e a polarização

Helena Iono, direto de Buenos Aires

A poucas semanas das eleições primárias (11 de agosto), chamadas PASO (Primárias Abertas Simultâneas e Obrigatórias) na qual se definem os candidatos presidenciais de 27 de outubro, Maurício Macri e seus aliados, debilitados pela sua desastrosa gestão econômica-social, jogam cartas sujas, instigando o ódio e a polarização de classes.

Mais do que analisar estatísticas de opinião que já dão vantagens à chapa Alberto Fernández-Cristina Kirchner, nas quais há ainda uma margem significativa de indecisos, é importante constatar que o governo atual tentará por todos os meios reverter a derrota antecipada sofrida com a formação da chapa opositora Frente de Todos; este grande acordo eleitoral, entre várias forças políticas do peronismo, do kirchnerismo, do radicalismo, dos movimentos sociais e dos sindicatos com a pequena e média burguesia industrial-comercial nacional (base social de Sérgio Massa e da Frente Renovadora), muitos dos quais ex-aliados a Macri – cuja chapa se chama agora  “Todos juntos por el Cambio (Mudança)” – põe globalmente em xeque a dependência deste governo ao FMI, às finanças internacionais e aos EUA.

O ataque às lideranças sindicais

Na última semana, Macri passou a atacar ferozmente dirigentes sindicais de grande peso. Um dos alvos foi o Secretário geral de um dos sindicatos mais organizados e respeitados do país (Bancários), Sérgio Palazzo. Este defendeu que trabalhadores do Mercado Livre (Fintech, entidade financeira apoiada por Macri) devem ser incluídos na categoria de bancários. Macri o qualificou abertamente de prepotente e chefão. Um jornalista de Clarin disse que “é preciso deter a Sérgio Palazzo”, insinuando-lhe o mesmo fim de um dirigente sindical do EUA que nos anos 70 desapareceu e apareceu morto anos mais tarde. Disse: “Há que acabar com essa bandidagem. Há que por limites legais à máfia sindical”. Da mesma forma, Hugo Moyano, dirigente sindical histórico dos caminhoneiros, tem sido alvo de Macri e perseguido pelo “lawfare”. Uma campanha suja para desacreditar sindicalistas que aderem com peso social à Frente de Todos, e confundir os indecisos e as categorias desorganizadas dos trabalhadores.

A ofensiva governista tem sido no sentido de tentar ganhar eleitoralmente o empresariado nacional para o seu projeto sobre a Reforma Trabalhista e a flexibilização do trabalho. Reforma esta que foi adiada para ser imposta logo após a eleição. Macri conseguiu, com provocações e repressões a um gigantesco protesto social no Congresso, impor (dezembro de 2017) a Reforma Previdenciária. Porém, não será fácil, após 5 greves gerais nacionais e a ampla frente sindical e peronista constituída nos últimos 3 anos, aprovar a Reforma Trabalhista, sobretudo com a vitória eleitoral de Frente de Todos. Não será fácil ao neoliberalismo romper com a coluna vertebral do peronismo que é a classe trabalhadora.

Como tristemente descrito pelo jornalista Vitor Hugo Moráles no seu artigo “Frio, morte e neoliberalismo”(Revista Contra Editorial) – na Argentina abunda a pobreza, 140 mil desempregados só na indústria, 7250 sem tetos nas ruas da capital congeladas pelo frio (8 mortos no país); 417 escolas e meio milhão de crianças sem aquecimento à estufa na Província de Buenos Aires. Não obstante, houve um enxurrada de indiferença e cinismo do poder vigente na grande mídia, através de porta-vozes da oligarquia industrial exaltando a meritocracia no trabalho. Um tal Crivelli (presidente da Câmara de Construção) defendendo a flexibilização dos convênios coletivos de trabalho e a demissão sem justa causa e motivo: “Os que têm menor rendimento devem ser facilmente substituídos pelos que têm maior rendimento”. Apareceu nas telas de TV um Martin Cabrales (empresário do café): “Meu ponto de vista como empresário é ter maior flexibilização para contratar pessoal. Ou seja, que se contrate mão-de-obra com facilidade e, desta forma, que seja também fácil substituir”. Seguiu nessa linha, Cristiano Rattazzi, dono da Fiat. Enfim, um desfile aberrante de declarações de caráter escravagista da classe patronal. Um recado capitalista de macristas, aos pequenos e médios empresários e comerciantes que estão por aderir à “Frente de Todos” pois estão ao ponto de cessar as atividades, fechar suas fábricas, à beira da bancarrota, pelo tarifaço energético e pela ausência de consumo, gerado pelo desemprego. A mensagem do macrismo é: “Aguentem, votem em Macri que vocês vão sobreviver porque vamos flexibilizar e poder despedir sem problemas!”. “Aguentem que vamos aprovar a Reforma Trabalhista e mandar os sindicalistas mafiosos para a prisão!”

A estigmatização ideológica

Macri venceu em 2015 com uma campanha mentirosa, ocultando o saqueio econômico  que iria fazer aos trabalhadores. Como disse Cristina Kirchner: “ele venceu com a mentira, prometendo que iria deixar as coisas boas do governo anterior e mudar as ruins”. E fez tudo ao contrário. Mas, agora, não tem nada a dizer na campanha eleitoral, além de spots televisivos com obras monumentais finalizadas às pressas, autoestradas, viadutos; mas não convence, pois com cimento não se justificam os ajustes econômicos na vida do trabalhador, nem se mata a fome na Argentina, ao contrário, se exacerba. Macri sem autoridade para enganar, só tem a opção de fazer promessas de classe à burguesia e lançar a campanha suja e do ódio, dos ataques ideológicos. Nada estranho para um Brasil que elegeu Bolsonaro. Este, pôde se apoiar nas fakenews, no golpe jurídico-midiático de que ele seria o “Novo”; as barbaridades do seu cúmplice anterior, Temer, eram dos seus aliados “corruptos” do PT. O “Novo” cresceu no meio de cultura envenenado pela Globo e pelo PIGs, para uma campanha ideológica anti-PT aberta, anti-Cuba e Venezuela. Por isso, Bolsonaro pôde ser um Macri com língua mais solta, como o definiu Cristina Kirchner. Na campanha atual de “Todos juntos por el Cambio” de Macri, o engodo do “Novo”, ou do “Cambio”, ou do “tudo é culpa do governo anterior”, não tem muita sustentação, após quase 4 anos de hecatombe social e fatos já realizados sob o governo de “Cambiemos”.

Por isso, os únicos últimos motes de campanha, verdadeiros estertores de moribundo, são os de apelar para a guerra ideológica, da estigmatização da “Frente de Todos” como kirchnerista, bolivariano, etc.: “Alberto Fernández=Maduro”.  Isso, sem contar a preparação da fraude eleitoral no sistema eletrônico de comunicação de resultados, denunciada por técnicos informáticos da oposição. O ex-ministro da Economia, Axel Kicillof que, com Cristina Kirchner, continuou a proeza de Néstor Kirchner de desendividar o país, enfrentou os Fundo Abutres internacionais, e entregou a Argentina em 2015 com dívida zero com o FMI (hoje, com Macri chega a 57 bilhões de dólares, e a dívida externa de 90% do PBI) é candidato a governador da Província de Buenos Aires (a mais populosa da Argentina); foi atacado na mídia pela freira conservadora, Martha Pelloni, como dirigente do  “La Campora, braço direito do narcotráfico na política de Cristina Kirchner”. Macri e seu candidato a vice-presidente, Pichetto, qualificam Kicillof de marxista para estigmatizá-lo e separá-lo dos aliados burgueses.  Não é à toa que Macri recebe o apoio declarado de Bolsonaro numa entrevista ao Clarin, com ameaças impotentes ao futuro e provável presidente Alberto Fernández, cuja visita a Lula da Silva na prisão de Curitiba teve eco e apoio mundial. Há muitos eleitores da Frente de Todos que agradecem o favor que lhes trazem as declarações de Bolsonaro em defesa de Macri, dado que está na boca do povo argentino: “Que escândalo! O Brasil está governado por um nazista!”. A Argentina é o país do “Nunca mais!” e da Memória pelos 30 mil desaparecidos. Por isso, Axel Kicillof não se detém; leva uma campanha diária com o povo da periferia pobre da província de Buenos Aires, tendo ao lado Verônica Magário, a prefeita do populoso município de Matanza, para juntos competir com a atual governadora Maria Eugenia Vidal (Cambiemos).

É verdade que a guerra de criminalização midiática contra o kirchnerismo e o PT não tem limites, em conluio com o ataque judicial perpetrado contra Lula, induzindo à sua prisão política e a uma eleição fraudulenta, evidenciadas por Glen Greenwald e pelo Intercept.  Porém, esta crise institucional do Poder Judiciário no Brasil, com repercussões internacionais, reforça ventos a favor da corrosão do lawfare latino-americano. Por isso, é essencial destacar o pronunciamento do juiz, ministro da Corte Suprema de Buenos Aires, Eduardo De Lázzari, numa reunião de magistrados, denunciando pressões no Judiciário para levar a cabo “causas armadas artificialmente”. Leia. Um elemento importante que se junta à ação do corajoso juiz Alejo Ramos Padilla e outros juristas que estão intervindo para que a Constituição não vá definitivamente para o ralo, como nas eleições no Brasil.

A campanha de Frente de Todos

Cristina Kirchner, faz a campanha de Frente de Todos por todo o país, com o seu livro “Sinceramente” debaixo do braço e sua liderança de massas imbatível. Com 300 mil livros publicados desde o seu lançamento e 8 mil esgotados nas bancas de jornais, é um bestseller, e uma referência da experiência de projeto popular e de nação que, com revisões e acertos, dá sustentação ao programa do Contrato Social da Frente de Todos. Leia a plataforma eleitoral, que ainda será ampliada em pontos e propostas específicas de governo. O recente lançamento do livro “Sinceramente” foi em Rio Gallegos na Província de Santa Cruz; um multitudinário ato político. Veja vídeo.

Nos debates de campanha, há muita expectativa sobre como será o futuro governo, sobretudo com Frente de Todos, particularmente a questão do pagamento da tremenda dívida com o FMI. Cristina Kirchner, cita que desde 1957 a Argentina se endivida, passando por sucessões entre dívida e golpe, e o povo sempre tendo que pagar. E reitera, que o problema a debater não é de “se se vai pagar a dívida ou não”; mas que o ponto central é “quem tem que pagar essa dívida”. “O que tem que ficar claro é que não são os trabalhadores, os idosos e os catadores de papelão da rua, os que têm que pagar”. “Quem levou o dinheiro é quem vai ter que pagar a dívida”. Aclarou algo importante: A Argentina faz parte do FMI; mas “o FMI violou as próprias regras da sua carta orgânica. Violam as regras de permitir a fuga de capitais. Não é justo que me façam pagar a mim pela violação das regras. Não me parece justo!”. E Alberto Fernandez tem reiterado e todos seus discursos: “os mortos não pagam as dívidas”.  Isso é um bom recado para os que pensam que ele é um conciliador sem limites. É bom não esquecer que além de tudo, a Argentina é parte de um contexto mundial e é preciso ver como está avançando a contraofensiva da esquerda latino-americana. A Venezuela de Maduro resiste e hospedará em breve o Fórum de São Paulo, articulando forças internacionais, e Evo Moráles acaba de assinar acordos importantes com Putin, o presidente da Rússia. Outra consideração importante é que o candidato presidencial da Frente de Todos, Alberto Fernández, viveu e apoiou como membro de governo a experiência de Néstor Kirchner, a década ganha do kirchnerismo e da América Latina integrada pela UNASUR e pelo BRICS e, agora, corre todo o país, seguindo o conselho dado por Lula: “é preciso falar com o povo, olhar nos seus olhos!”.

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